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Flávio Bolsonaro e o Escritório do Crime

Leia a segunda parte da série A grande familícia

Foto Wilson Dias / Ag. Brasil

Andar de cima

Acompanhamento sistemático da ação organizativa, política, social e ideológica das classes dominantes no Brasil, a partir de uma leitura marxista e gramsciana realizada no GTO, sob coordenação de Virgínia Fontes. Coluna organizada por Rejane Hoeveler.

Por Danilo Georges

“Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente [Adriano], acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele [Adriano] sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”

Jair Bolsonaro, então deputado federal, em fala no plenário da Câmara dos Deputados em 2005

 

O escritório do crime foi formado em 2002, em Rio das Pedras, maior favela da zona oeste do Rio de Janeiro. Nessa  época, a comunidade já possuía 55 mil habitantes e ocupava a posição de terceiro maior aglomerado urbano do país, de acordo com o Censo do IBGE de 2010. Hoje a favela se agigantou ainda mais. Motivo: a exploração imobiliária ilegal nas mãos de milicianos, imposta pelo terror, eliminando quem atravessa seu caminho. Como donos da região, eles se transformaram na organização criminosa mais temida do estado. De suas vísceras, brotou a mais letal e secreta falange de jagunços da cidade.  

A  cúpula do grupo é suspeita de autoria de uma sequência de homicídios ligados a disputas da contravenção, cujos inquéritos adormecem há anos nos escaninhos da Polícia Civil e da Justiça. O documentário Marielle, dirigido por por Caio Cavechini, revelou que segundo as Investigações da delegacia de homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o Escritório do Crime cobrava entre 200 e 300 mil reais por uma execução “perfeita”. 

Mas, para falar do escritório do Crime, é necessário falar da trajetória do chefe dessa milícia: Adriano de Nóbrega Magalhães, que entrou para a PM fluminense no ano de 1996. Quatro anos depois, concluiu o curso de operações especiais do Bope, tornando-se capitão do tristemente famoso Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro. Entre os cursos em que se formou, estão os de sniper (atirador de elite) com certificado pelo grupo de ações táticas especiais do 3º batalhão do Choque de São Paulo. 

Adriano foi preso pela primeira vez em 2004, pela suspeita de homicídio do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, que havia denunciado um grupo de policiais do Rio de Janeiro por extorsão e ameaça. Foi condenado pelo crime em 2005, mas teve novo julgamento e foi solto em 2006. Em 2007, foi absolvido em definitivo pela Justiça do Rio. 

Como se tornou nacionalmente sabido, Adriano foi defendido publicamente pelo então deputado Flávio Bolsonaro na ALERJ, que entregou a Medalha Tiradentes, maior honraria do estado do Rio de Janeiro, ao então presidiário. Além da medalha, o sicário recebeu uma menção honrosa, uma moção de louvor e congratulações na Assembleia em outubro de 2003, também movidas por Flávio Bolsonaro.  Segundo Ítalo Ciba, Ex PM e vereador na câmara municipal (AVANTE), que esteve preso com Adriano, Flávio Bolsonaro visitou Adriano várias vezes na prisão

Afinal, qual foi o grande serviço prestado por Adriano a Flávio Bolsonaro?

Adriano: o elo entre Flávio e o Escritório do Crime

Adriano, assim como os sicários do Le Coq, sobre os quais escrevemos na parte 1 desta série, possui relações orgânicas com bicheiros. Seu vínculo com esse núcleo da contravenção começou nos anos 2000, com a Le Coq fazendo a segurança particular da família do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho.

Maninho era um dos mais temidos bicheiros do Rio, patrono do Salgueiro, proprietário do milionário negócio das máquinas de caça-níqueis em Copacabana. Adriano, por sua vez, transitou por muito tempo entre o ofício de capitão do Bope e o de leão de chácara do bicheiro. (1) Em 2004, seu patrão informal foi metralhado quando saía de uma academia em Jacarepaguá, zona Oeste do Rio. Os anos que se seguem são de disputa fratricida pelos espólios milionários do bicheiro. O ex-caveira não ficou de fora da disputa e teria participado de ao menos oito homicídios entre os anos de 2006 e 2008, a mando do contraventor José Luiz de Barros Lopes, conhecido como Zé Personal, que era casado com uma filha de Maninho. 

Em 2008, Adriano foi acusado de tentativa de homicídio, e preso temporariamente. O alvo seria Rogério Mesquita, pecuarista com o qual teria travado uma disputa pelo patrimônio de Maninho. O então policial do Bope foi solto após um mês, por falta de provas. 

Sua última prisão ocorreu em 2011. Na ocasião, Adriano foi preso numa operação que teve como alvo o alto escalão do jogo do bicho no Rio de Janeiro. As acusações contra ele eram de formação de quadrilha armada e tentativas de homicídio qualificado. Foi expulso da Polícia Militar do Rio de Janeiro no início de 2014, por envolvimento com grupos ligados a jogos ilegais. Foi considerado culpado por agir como segurança pessoal de Zé Personal, chefe da máfia dos caça-níqueis na capital fluminense. 

Retomando os fatos até aqui: 1. Adriano fez a segurança privada de agentes da contravenção; 2. Adriano, ainda enquanto capitão do Bope, é acusado de execuções sumárias a mando de seus patrões da contravenção; 3. Flávio Bolsonaro possuía vínculos com Adriano pelo menos desde o ano 2003. 

A lógica da milícia

Milicianos buscam o monopólio de todos mercados possíveis: gás, transporte alternativo, internet, etc. Estariam disputando com bicheiros também o mercado dos jogos caça-níqueis. Utilizam-se de métodos violentos com a finalidade de ocupar posições proeminentes ou ter o monopólio de mercado, essa tem sido uma tendência de sua atuação e expansão do seu “capital criminal”. Não seria diferente com o mercado dos caça-níqueis. 

Adriano era um elo importante entre bicheiros e as milícias e também da “guerra de posição” entre esses dois pólos do capital criminal no Rio de Janeiro. Seu apelido no mundo do crime era de “patrãozão”. E ele se tornou realmente um grande gestor desse “capital criminal”. Diversificou nos negócios e soube “empreender”. Entre os negócios, está a exploração imobiliária ilegal e em atividades como grilagem, construção, venda e locação ilegal de imóveis em diferentes comunidades da Zona Oeste. Aqui mais uma vez sua trajetória  se cruza com Fabricio Queiroz e Flávio Bolsonaro.

Milicianos conformam corporações criminosas que possuem uma racionalidade de empresariamento, oferecendo bens e serviços ilícitos e investindo seus lucros em setores legais da economia. No decorrer das investigações, ficou evidente que as maracutaias de Queiroz são apenas a ponta do iceberg de um esquema muito maior e mais complexo, e que envolve Flávio Bolsonaro com essa milícia. No próximo artigo dessa série, veremos sobre como atua esse outro elo dos Bolsonaro com as milícias.

 

NOTAS

1 – Segundo uma matéria de O Globo, outro alvo de disputa entre milicianos e bicheiros são as escolas de samba. dividi-las com bicheiros ou tomá-las inteiramente tende a significar  o controle total sobre seus territórios. Essa mudança teria também ocorrido  no momento da sucessão da velha guarda do bicho por seus herdeiros, após morte de Maninho.