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MUNDO

Explosão antirracista nos EUA contagia a Europa e aumenta a possibilidade de virada internacional

Marcio Musse, Londres (Reino Unido)

Em poucos minutos, a multidão derrubou a estátua de Edward Colston, mercador de escravos inglês do século 17, e a atirou no fundo do rio Avon – o mesmo que o “homenageado” usava para traficar, torturar e matar famílias de negros sequestrados na África para serem escravizados em diversas partes do mundo. As imagens da manifestação antirracista em Bristol, cidade no sudoeste da Inglaterra, ganharam o mundo e simbolizaram os protestos antifascistas fora dos EUA, após a explosão social ocorrida com o assassinato racista do trabalhador negro George Floyd pela polícia de Minneapolis.

Mas os protestos pela Europa não se resumiram à manifestação em Bristol. Centenas de milhares de pessoas, em dezenas de capitais e cidades pequenas e médias em vários países europeus registraram grandes e significativos protestos – apesar das restrições e isolamentos impostos pela pandemia de Covid-19, que ainda é bastante presente na Europa.

Tivemos grandes manifestações em Londres, Paris, Berlin, Bruxelas, Dublin e Lisboa, mas também houve protestos em cidades menores e em outros países como Espanha, Itália, Hungria, Dinamarca – dentre outros. Em muitos destes, foram (ou estiveram entre) as maiores manifestações antirracistas já presenciadas.

Em muitos locais, as manifestações desafiaram proibições dos governos locais. E mais símbolos racistas foram atacados nas manifestações, como a estátua de Winston Churchill em Londres, e na Bélgica foram danificados vários monumentos ao rei Leopold II, que promoveu um verdadeiro genocídio no Congo, então colônia belga na África, no século 19.

O sentimento antirracista na Europa parece ter sido impulsionado pela onda originada nos EUA – depois de anos de crescimento de discursos racistas e xenófobos não apenas contra a população negra, mas também contra imigrantes, muçulmanos, refugiados, etc.

Protestos atingem governos e países de forma distinta, mas podem abrir nova conjuntura internacional

Os protestos, de uma modo geral, se iniciaram e tem seu caráter central na questão do racismo, especialmente a violência policial e do Estado contra os negros e minorias étnico-culturais em geral. O que é extremamente positivo, pois a opressão de grupos sociais é uma forma do capitalismo em exercer exploração maior e divisão da classe trabalhadora – e isso aumenta em momentos de crise econômica e política. Logo, esse grito antirracista, assim como os movimentos de resistência feminista, é uma forma desses setores da classe dizerem em alto e bom som que não vão pagar com seu sangue a conta de mais essa crise do capitalismo mundial.

Porém, em alguns países, estes vêm tomando um caráter também contra os governos locais. Esse é o caso direto de Trump nos EUA e, também, de Bolsonaro no Brasil (em diferentes escalas, obviamente). Quanto mais os governos se apóiam em um discurso racista (ou xenófobo), mais direta tende a ser essa associação. Ou governos que tenham a postura de enfrentar diretamente as manifestações sejam por repressão direta ou desqualificação de suas bandeiras.

Alguns governos estão usando a justificativa do isolamento social para combater – e em alguns casos reprimir – as manifestações. É o que faz o governo britânico, por exemplo – que hipocritamente ataca as manifestações como “irresponsáveis” por “aumentar o número de contágios” no país, enquanto o próprio governo é amplamente criticado por insistir em um ritmo de abertura irresponsável e sua postura criminosa frente à questão fez da Grã Bretanha o país com o maior número de mortes da Europa (e um dos maiores do mundo).

Essa explosão antirracista, que começou nos EUA e rapidamente se espalhou pelo mundo (em ritmos e com particularidades distintas), tem potencial para – em meio a uma pandemia que já colocava mudanças qualitativas – alterar a conjuntura política internacional. Ela além de moralizar as lutas sociais, em particular de setores oprimidos, ganhou adesão de segmentos organizados da classe trabalhadora e um caráter internacionalista como há muito não se via. Mostrou que os trabalhadores, os negros, a juventude e diversos outros setores sociais explorados e oprimidos têm condições de se unir e enfrentar seus inimigos de frente. E, falar em alto em bom som, que vidas negras, de imigrantes, de mulheres, de jovens, de LGBTQI+, e outros segmentos oprimidos importam, tem voz e se farão ouvir.