Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

Negros e negras precisam respirar: violência policial, Covid-19 e o genocídio

Martina Gomes e Pedro Augusto, de Santo André, SP

Todos aqueles que contém em si o sentimento de indignação perante uma injustiça ficaram estarrecidos com o vídeo da tortura seguida pelo assassinato frio protagonizado por quatro policiais em Minneapolis (EUA), contra George Floyd. A cena invoca deja’vu: policial branco mata homem negro. 

George Floyd, 43 anos, era um trabalhador, recentemente desempregado por conta da crise do Coronavírus, homem negro nos EUA. Lutou até os últimos segundos de sua vida pelo direito básico à sobrevivência: respirar.

O retorno à normalidade norte-americana pós pandemia do Covid-19 inclui em seus requisitos a violência policial do Estado sobre a população afro-americana. Ou, pelo menos, o retorno à  violência televisionada, já que 90% das prisões durante os meses de isolamento social foram de pessoas negras no país. 

A morte violenta dos afro-americanos é uma realidade que se reflete em todos os âmbitos da vida. A pandemia do Coronavírus matou 1 de cada 2000 negros e negras no país, de longe a maior mortalidade se comparada a qualquer outro grupo social nos Estados Unidos da América. A falta de acesso a um sistema de saúde gratuito e condições de vida digna para essa parcela da população é a própria escolha do Estado sobre quem vive e quem morre nos EUA.

Ao invés de flores, o jardim da primavera norte-americana colecionou corpos negros vitimados não tão simplesmente pelo vírus, mas pela falta de possibilidade de lutar contra ele, pela incapacidade do Estado de oferecer o direito mais elementar à cura. Os milhões de desempregados no país não têm acesso a auxílio e reintegração no mercado de trabalho. Pelo contrário, são milhões de trabalhadores negros nesse momento na informalidade, principais vítimas também das consequências econômicas da pandemia. 

Mas felizmente, como parte da normalidade, também encontramos os protestos em defesa das vidas negras, que se alastraram após a morte televisionada. Já  são mais de 20 cidades no país que têm noite após noite as ruas tomadas por manifestantes multirraciais contra o extermínio da população afro-americana. 

Pelo menos desde 2013, ainda durante o governo de Barack Obama, o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos da América, o grito Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, tradução livre) ecoa sempre que a violência policial contra homens negros vem à tona. O clamor “I can’t breathe!” (“Eu não consigo respirar”, tradução livre), repetido onze vezes por Floyd ao policial, relembra tristemente Eric Garner, sufocado por policiais em Nova York nos primórdios do movimento #BlackLiveMatters. O governo Obama, inclusive, só reforçou a conclusão de que sem enfrentar as bases do capitalismo estruturado incondicionalmente sobre o racismo, é impossível governar em benefício de negros e negras, apesar da representatividade. Tudo indica, no entanto, que, dessa vez, a dimensão doa protestos é ainda maior, e ocorre durante o governo de extrema-direita de Donald Trump.

Está correta a afirmação do prefeito de Minneapolis, o democrata Jacob Frey, quando fala que Ser negro nos EUA não deveria ser uma sentença de morte.”, e cobrar celeridade das instituições no julgamento dos casos. De maneira inédita, tivemos a demissão dos quatro policiais envolvido e a prisão do policial branco que assassinou George Floyd no dia 25 de maio, em frente às câmeras dos celulares e os clamores dos que assistiam à cena grotesca. Infelizmente, porém, as declarações de Frey não vieram ao encontro de uma política de comprometimento por parte dos Democratas com o fim da estrutura racista da polícia. Ao contrário, são investimentos massivos na atual estrutura policial, em oposição à queda dos investimentos sociais, e nenhum fomento à mudança na postura da segurança pública da região. Este fato demonstra mais uma vez que somos nós mesmos, negros e negras, que devemos defender as nossas vidas, contando com o apoio ativo de todos aqueles que lutam por um mundo livre da opressão e da exploração.

11 vezes: I CAN’T BREATHE
Nossas vidas importam: #BLACKLIVESMATTER

São mais de cinco noites seguidas de protestos no país. Sem justiça não haverá trégua: #NoJusticeNopeace. Esta frase, junto a muitas outras ditas pelos manifestantes nos lembram que parte da história dos EUA é a resistência negra no país. Que tem sua origem nas lutas durante o período da escravatura, passando pelas reivindicações de direitos civis enfrentando um sistema extremamente segregacionista, até os protestos de rua dos novos movimentos em defesa da vida negra.

O movimento radicalizado em defesa das vidas negras nos EUA enche os olhos dos ativistas dos movimento sociais em nosso país, que assistem todos os dias a um genocídio da juventude. Muitas similaridades:  uma polícia com estrutura violenta contra o povo negro no país aproxima nosso cotidiano da realidade estadunidense. 

Estão certos aqueles que observam reações distintas da população negra diante da violência policial no Brasil e nos Estados Unidos. A história da formação social dos dois países, e a forma como o racismo foi organizado como âncora da desigualdade social são muito distintas. Da mesma forma, são distintos os métodos da resistência negra. Também é preciso levar em consideração a situação política de cada país nesse momento.

No entanto, também há similaridades. As similaridades são a situação do impacto da racialização dos povos em todos os cantos do mundo, a vida negra vale menos frente aos direitos garantidos em diferentes constituições. Nossas vidas valem menos, porque assim somos mais lucrativos em nossa produção em diferentes estratos da divisão do trabalho mundial. Precisam colocar negros e negras em todo mundo em condições desumanas para vender barato nosso trabalho. Para isso, utilizam a tecnologia do racismo, para dar acesso diferente à saúde, educação, salários e também à segurança. O Estado policial em todos esses países é repressivo, mata e encarcera para responder à desigualdade racial que se transforma em uma desigualdade social.

As diferentes trajetórias no Brasil e nos EUA não indicam que não haja resistência dos negros e negras em nosso país. Inclusive, discursos com esse conteúdo expressam uma visão racista de passividade do oprimido que não está de acordo com a nossa trajetória. O pouco acesso a direitos que obtivemos no Brasil  foi por organização dos próprios negros para exigir acesso. Logo,  fazer este apagamento da nossa trajetória e cotidiano de resistência  é parte da estratégia de amortecimentos da consciência do povo brasileiro e de  destruição de uma identidade negra positiva em nossa país.

Nós por Nós: João Pedro já não pode respirar!

A situação atual nos Estados Unidos é caótica, mas não pela ação dos manifestantes, se não pela ação de um Estado racista, que mata em todo o mundo. A reação nos EUA precisa se espalhar como forma de dar um basta a esse sistema de dominação perverso, sustentado pelo racismo.

Os manifestantes já chegaram à Casa Branca, apontando que a ação da polícia de Minneapolis na verdade se configura como uma prática de governo, senão de Estado. Essa lição é muito importante no combate ao racismo.

Enquanto isso, no Brasil, as mortes por ações policiais aumentaram 46% no RJ durante o mês de abril, em Maio tivemos o assassinato de jovens nas periferias do estado do RJ por ação policial. Todos jovens, todos negros. João Pedro, menino de 14 anos, atingido dentro de sua própria casa enquanto brincava, também não pode mais respirar.

Da mesma forma, a política genocida de Bolsonaro, que estimula a ruptura do isolamento social, ao mesmo tempo que estrangula o acesso à renda básica para os mais pobres, em sua maioria negros e negras, é a outra face do genocídio do povo negro nosso país. Ainda mais grave são as cada vê mais frequentes ameaças de Bolsonaro e seus ministros militares de transformação ainda mais autoritária do nosso regime político, com o objetivo de aprofundar a desigualdade social e racial, às custas de vidas negras.

 

Por João, por Rodrigo, por Agatha e por George e todos que sofrem com o racismo do Estado Capitalista erguemos nossos punhos: #VidasNegrasImportam.