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BRASIL

Pandemia e disfunção dos bancos privados: a necessidade de estatizar o sistema financeiro

Travessia Bancária
Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Dois novos fatos vergonhosos têm colocado em evidência o caráter parasitário dos banqueiros, em especial no Brasil, este paraíso dos juros abusivos. Milhões de reais pagos em peças publicitárias não têm conseguido disfarçar o vexaminoso papel de Itaú, Bradesco, Santander e – sob a responsabilidade de Bolsonaro – a omissão do Banco do Brasil durante a pandemia.

Bancos negam-se a pagar os benefícios sociais

O primeiro fato é o total sumiço dos bancos privados no pagamento aos auxílios emergenciais. O valor de R$600[1] vai ser pago a cerca de 60 milhões de brasileiros, praticamente só pela CAIXA, porque os bancos privados se recusaram a participar do pagamento. O Brasil possui 21.393 agências bancárias, cerca de 16% da CAIXA.

Há milhares de relatos de pessoas que indicaram a sua conta bancária, mas seu banco devolveu o valor à CAIXA. Isso ocorreu porque era proibido descontar tarifas ou prestações do valor e os bancos preferiram não pagar a esses clientes “devedores”. Na semana do dia 11/05 já começam a pipocar casos em que os bancos privados também devolveram para a CAIXA o chamado benefício emergencial decorrente da suspensão de contrato de trabalho[2].

Os Bancos do Brasil, da Amazônia e do Nordeste, por orientação do seu acionista majoritário, o próprio governo federal presidido pelo genocida, pouco ou nada tem contribuído nesta urgente tarefa.

O resultado é transformar a CAIXA no maior laboratório de transmissão do Covid-19 do mundo, com centenas de funcionários infectados até 13/05/2020. Não há dados divulgados pela CAIXA, mas o efeito em cadeia sobre o público atendido já é incalculável.  O sistema bancário deveria ser a rede de disseminação do dinheiro para salvar as vidas, mas serve neste momento à disseminação da doença.

Assim, reafirmamos a urgência das dez medidas que propusemos em 03 de abril.

Dificuldade em pegar empréstimos

O segundo fato vergonhoso é que, mesmo com a maior crise da história do Brasil se consolidando, os banqueiros têm dificultado a obtenção de crédito aos micro e pequenos empresários.

O governo Bolsonaro, cuja alma econômica é Paulo Guedes, liberou R$1.200.000.000.000,00 (o número de zeros é este mesmo – cerca de 9 vezes o valor que vai ser gasto com o auxílio emergencial) para reforçar a liquidez dos bancos e sua capacidade de emprestar. Ocorre que os banqueiros não têm interesse em reduzir seu lucro fazendo empréstimos num cenário de queda de 5% do PIB.

Para micro e pequenos empresários, o cenário é de devastação. Não se aprova crédito. Em geral, os pequenos negócios apenas têm conseguido renovar seus antigos empréstimos, com taxas de juros iguais ou maiores do que em 2019 (sendo que a taxa SELIC caiu pela metade em 2020). Com isso, o cenário de bancarrota deve ser multiplicado exponencialmente.

Paulo Guedes manda privatizar tudo. Façamos o contrário.

Em 2019, o Ministro da Fazenda Paulo Guedes incumbiu os presidentes da CAIXA e do Banco do Brasil[3] de privatizar em parte ou no todo as duas instituições. Isso vinha ocorrendo e foi suspenso dada a pandemia.

Com a estratégia de privatizá-las, ambas instituições têm passado por pesadas reestruturações internas, que transferem funcionários das agências de varejo (baixa renda) para estruturas mais rentáveis, responsáveis por atender grandes empresas e pessoas de maior renda. O resultado tem sido a piora no atendimento à maioria dos clientes, reduzindo ainda mais a assistência a um público que não encontra atendimento nos bancos privados.

Mais uma vez nesta pandemia, o brasileiro precisa fazer o contrário do que manda o governo.

A contradição do banqueiro – a tensão entre lucrar e cumprir seu papel distributivo

No Brasil, o acelerado processo de concentração bancária vivido no Brasil nos últimos 30 anos desvenda o cerne do mecanismo capitalista: a concentração geral de riqueza. Os bancos concentram riqueza excedente de todos os ramos de atividade e dos indivíduos que, por uma contingência, conseguem poupar – uma minoria. Por outro lado, os bancos só existem à medida que suprem a necessidade social do sistema capitalista em distribuir rapidamente os recursos (agora instantaneamente realizadas através das transferências bancárias) e aplicar o mais rápido possível o capital social disponível onde ele é necessário (intermediação entre depositantes de um lado e tomadores de empréstimos na outra ponta). Sua razão de ser é distribuir, mas sua natureza é concentrar[4].

Em outras palavras, o banqueiro só pode distribuir à medida que toma, que acumula. Toma não só por empréstimo de seus poupadores, mas toma porque expropria o conjunto da sociedade produtiva, seja através da execução extrajudicial de dívidas ou através de tarifas, juros, entesouramento de ações ou especulação pura e simples.

Chama ainda a atenção o fato de o lucro dos 4 maiores bancos brasileiros subir em momentos de recessão e crise.[5] A forte remuneração que o Estado brasileiro paga aos banqueiros através da dívida pública é uma das razões. Outra são os juros abusivos. São dois lados da mesma moeda.

O sistema bancário, em tempos de crescimento capitalista, age como dinamizador da economia, acelerando o ciclo de produção e consumo, ou seja, tornando social o acesso ao excedente de capital – que é individual no capitalismo. Ocorre que por inúmeras razões[6] há crises cíclicas do capitalismo. Nesses momentos de crise, os bancos privados recolhem-se e passam por uma disfunção, um “vazio existencial”: seu caráter privado busca a segurança e anula sua função distributiva, pois a necessidade do conjunto da sociedade seria a injeção de liquidez no fluxo de consumo e de produção. Porém, o objetivo do banqueiro é lucrar, não ajudar o próximo. Não é apenas uma egoísta escolha moral, mas um imperativo de sua própria condição de capitalista. E sua razão de existir se esgota, à medida que perde sua função de fluir capital em forma de moeda, trava o sistema e aprofunda a crise capitalista.

O governo Bolsonaro e os economistas liberais, que até ontem atacavam a regulação social da economia, e apelidavam-na de fonte dos parasitas do estado, agora passam a defender que o governo subsidie os bancos e compre carteiras de crédito podres. Para eles, o Estado, que antes não podia gastar com saúde, educação, aposentadorias e salários decentes para seus servidores, agora deve salvar bancos em dificuldade.

A única saída estrutural, que poderia salvar milhões de vidas, seria estatizar totalmente o sistema financeiro, fazendo com que ele cumpra seu papel social e distributivo durante as crises. Antes que os bancos privados expropriem milhões de pequenos empresários, donos de veículos financiados e mutuários da casa própria, precisamos ressocializar a propriedade dos banqueiros, devolvendo a riqueza a quem a produziu. Ou isso, ou assistir mais uma vez ao dinheiro público ser assaltado pelos banqueiros, sob o velho argumento de que os bancos não podem quebrar.

Bolsonaro e sua razão de governar: churrascada para os banqueiros

O mesmo recolhimento não ocorre com Bolsonaro. É seu governo que tem garantido a tranquilidade para os banqueiros, à medida que aplica inúmeras medidas para reduzir salários – aumentando conjunturalmente a capacidade das empresas seguirem pagando seus empréstimos aos banqueiros, além de reduzir impostos para os empresários e endividar ainda mais o estado brasileiro – que pagará juros aos mesmos banqueiros.

A mesma lógica permeia a campanha bolsonarista de fim do isolamento social. Quanto mais rápido voltarem a vender, mais rápido os empresários vão voltar a pagar suas obrigações bancárias. Não importa que morram um milhão de pessoas.

A carne nobre dessa churrascada bolsonarista foi, em 28/04, a redução de impostos exclusiva para os bancos[7], que deve tirar 6 bilhões de reais do tesouro em 2020. Isso seria suficiente para pagar um mês do auxílio emergencial para 10 milhões de brasileiros. Uma semana antes dessa decisão, foi adiado sem previsão o pagamento da segunda parcela do auxílio [https://economia.uol.com.br/colunas/carla-araujo/2020/04/22/coronavirus-auxilio-emergencial-governo-adia-segunda-parcela.htm]. Inicialmente, a segunda parcela estava prevista para os dias 27 a 30 de abril. A razão de existir de Bolsonaro tem sido servir uma tábua de carne humana à burguesia brasileira durante a maior crise humanitária desde a 2a Guerra Mundial.

 

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Notas

[1]       O valor é pequeno, mesmo assim o triplo do valor proposto por Bolsonaro e seu ministro banqueiro Paulo Guedes

[2]      Valores pagos com recursos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, para aqueles que tiveram seu contrato de trabalho suspenso ou reduzido parcialmente, conforme Medida Provisória

[3]     Paulo Guedes em seu chulo comportamento mostrou o apreço que tem por esta importante instituição financeira: http://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/funcionarios-do-banco-do-brasil-movem-acao-contra-guedes-ele-disse-que-e-preciso-vender-logo-a-p-do-bb/

[4]    Em célebre passagem de O capital, Marx chama essa natureza do capitalismo, presente especialmente nos bancos, de “negação da negação”. Livro I, p. 832, Boitempo. A única forma de afirmar a propriedade privada, no capitalismo, é negando-a a mais da metade da população mundial. Os bancos são a forma mais evoluída de destruir a propriedade privada dos mais pobres e dos pequenos negociantes.

[5]     Ver artigo da The Economist, citado em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/08/03/lucro-bancos-brasil-situacao-economica-economist.htm

[6]    David Harvey defende que há 17 contradições do capitalismo que o conduzem às suas crises cíclicas (Dezessete contradições e o fim do capitalismo. Boitempo, 2016)

[7]   Instrução normativa da Receita Federal, publicada em 28/04/2020, reduzindo retroativamente, somente para bancos e agências de fomento, a alíquota de 20% para 15% sobre a CSLL, sobre o período de apuração de janeiro de 2019 a fevereiro de 2020. A renúncia fiscal destes 14 meses deve girar em torno R$6bi. Instrução normativa na íntegra: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-1.942-de-27-de-abril-de-2020-254215980

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