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BRASIL

As apostas arriscadas de Bolsonaro: em busca de ganhar os trabalhadores informais

Mateus Pinho, de São Paulo, SP
Reprodução

Os tempos históricos não correm sempre na mesma velocidade. Em épocas como a atual, eles se aceleram bruscamente, e parece que vivemos mudanças de anos em apenas algumas semanas.

Essa característica da vida social faz necessárias constantes análises de conjuntura, para que possamos concluir ao menos o sentido majoritário das mudanças e nos guiar por ele. Esse é o esforço de dois artigos importantes publicados fim de semana passado no Esquerda Online.

Primeiro, Marcelo Badaró chamou atenção ao apoio de setores fundamentais, da débil burguesia brasileira, ao governo bolsonaro: “apesar dessas vozes dissonantes entre o coro da classe dominante, até aqui tem predominado uma sólida unidade entre as diversas frações da burguesia em torno de um programa de ação durante a crise: aproveitar a “janela de oportunidades” para avançar ainda mais na retirada de direitos da classe trabalhadora”.

Por outro lado, Gabriel F. Casoni trouxe questões importantes para mapear uma possível dinâmica de enfraquecimento de Bolsonaro, pois estaria perdendo apoio no plano político-institucional e em classes sociais fundamentais. E é nesse ponto que eu gostaria de desenvolver algumas linhas.

O enfraquecimento

Analisando as últimas pesquisas disponíveis, ficou claro que Bolsonaro perdeu parte da avaliação ótimo/bom e regular, enquanto o ruim/péssimo cresceu. Porém, talvez menos do que era esperado. Fica ainda dividido ao meio os que avaliam regular/bom/ótimo e os que avaliam ruim/péssimo, o que pode demonstrar uma sustentação do 1/3 “fundamental” do bolsonarismo.

Acredito que esse recuo se deu no que chamo aqui de classe média alta. Dois elementos políticos importantes afastaram de Bolsonaro alguns setores dessa classe média alta, sendo eles: a reação negacionista diante da pandemia e a ruptura com Moro e o lavajatismo. O setor da classe média alta que tem medo da pandemia e que não precisa tanto “das ruas” pra lucrar, está se estranhando com as propostas de abertura do presidente. Por outro lado, estão decepcionados alguns setores lavajatistas, que alimentados do ódio antipetista, em suas diversas esferas, acreditavam estar livrando o Brasil da corrupção ao articular o golpe e a posterior eleição de Bolsonaro+Moro.

O setor da classe média alta que tem medo da pandemia e que não precisa tanto “das ruas” pra lucrar, está se estranhando com as propostas de abertura do presidente.

Perder essa camada de apoio abre realmente um flanco duro pra Bolsonaro, pois foi uma camada fundamental até aqui. Em termos menos abstratos, poderíamos chamar essa classe média alta de uma pequena-burguesia possuidora de meios de produção próprios, com funcionários etc – mas que não depende tanto de serviços presenciais – somada ainda ao alto escalão de funcionários do setor privado e público, que apesar de não serem donos dos seus meios, tem um padrão de vida relativo ao país que é bastante elevado e, portanto, carregam uma ideologia fundamentalmente pequeno-burguesa e, especificamente no caso brasileiro, bastante conservadora e reacionária.

Portanto, o artigo de Casoni pode estar com uma hipótese correta, do enfraquecimento bolsonarista, o que pra mim vem especialmente de perder esses setores da classe média alta (além dos apoios político-institucionais). Porém, no caso das classes, acredito que seja um enfraquecimento de transição. Ou seja, como na guerra, quando um exercito precisa mudar de posição, fazer uma transição de um território pra outro, o momento de locomoção pode representar um momento de desproteção e fraqueza. Mas caso a transição seja efetivada, isso pode fortalece-lo ainda mais.

Um enfraquecimento transitório?

O bolsonarismo parece estar migrando de bases sociais de sustentação, como André Singer nos mostrou que fez o lulismo em 2006. Lembro-me de um artigo de Eliane Brum que apontava essa necessidade do bolsonarismo de se “popularizar”, no sentido de se consolidar mais nas classes pobres, especialmente do nordeste, para poder se sustentar. É nisso que Bolsonaro aposta com sua política negacionista da pandemia e de abertura da quarentena. Aposta que está ganhando os setores da classe trabalhadora autônoma e informal. Basta ver as propagandas institucionais atuais do governo, todas se utilizam de trabalhadores autônomos para propagandear a “volta ao trabalho”, a abertura das ruas e comércios – como se essas estivessem fechadas aliás, afinal, nem isso os governos estaduais estão fazendo, colocando medidas de fechamento leves ao invés do lockdown, justamente pra não se enfrentarem abertamente com as bases bolsonaristas e com os trabalhadores que dependem “das ruas abertas” pra trabalhar.

Bolsonaro está aceitando perder parte das famílias brancas vestidas de patos amarelos na Avenida Paulista, pra ganhar os ubers e os comerciantes.

Não é uma aposta burra a de Bolsonaro, o Brasil tinha cerca de 40% da classe trabalhadora no setor informal antes da pandemia. Mas sem dúvidas é uma aposta genocida, pois incentivar a abertura das ruas não é salvar esses trabalhadores da fome – isso deveria ser feito através de repasse direto de renda por política pública, garantindo o direito a quarentena. A proposta de Bolsonaro é, concretamente: todo mundo na rua, pra girar a economia, e que morram alguns milhões. Ele aposta que agitar isso ganha os informais pro lado dele, mesmo que o número de mortes o enfraqueça – mas isso ainda pode ficar mais na conta dos governadores.

Em síntese, Bolsonaro está aceitando perder parte das famílias brancas vestidas de patos amarelos na Avenida Paulista, pra ganhar os ubers e os comerciantes. Essa é a transição fundamental para novas bases de sustentação. Sem falar da manutenção do núcleo duro bolsonarista, o fascista e das carreatas da morte – esses são minoritários mas fazem muito barulho e são essenciais de se manterem ativos pra tocar a política fascista “de baixo para cima”.

São apostas arriscadas, mas que demonstram que o inimigo não está morto, pelo contrário, pode estar até se popularizando.