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Colunas

O copo meio cheio, ou meio vazio? Contradições e dinâmica da conjuntura

Gabriel Casoni

Gabriel Casoni, de São Paulo (SP), é professor de sociologia, mestre em História Econômica pela USP e faz parte da coordenação nacional da Resistência, corrente interna do PSOL.

A realidade concreta é sempre formada por múltiplas contradições. Em uma crise histórica e global da magnitude que vivemos — sanitária, econômica, social, ambiental e política —, a dança das contradições se acelera bruscamente e embaça a visão.

Nesse fluxo frenético, a fotografia do momento mostra invariavelmente uma imagem disforme — o lapso do vir a ser que se esvai rapidamente. Como o foco não é nítido, os impressionismos na análise ocorrem com facilidade.

É preciso estar atento aos elos do movimento ininterrupto e contraditório para identificar o sentido que prevalece. Pensemos sobre as seguintes perguntas sobre o cenário político nacional. Nesse momento, na balança, o que pesa mais:

O setor de massas que se formou pelo Fora Bolsonaro ou a resiliente base de massas do bolsonarismo?

O segmento dos pequenos proprietários que se radicaliza à extrema-direita ou a parcela da classe média que está rompendo com Bolsonaro?

A parte da burguesia que está na oposição ao governo ou o setor da classe dominante que sustenta Bolsonaro?

A parcela da classe trabalhadora que quer o fim desse governo ou o segmento do proletariado que ainda apoia Bolsonaro?

Os deslocamentos contra Bolsonaro no plano político-institucional (Congresso, STF, Moro, governadores etc.) ou o suporte dos militares e de parte do centrão ao governo?

Outras perguntas, com o mesmo sentido, poderiam ser feitas. Mas paremos por aqui.

Os aspectos contraditórios estão em choque, em movimento. O desenlace será fruto da luta, portanto, seu desfecho é imprevisível. Mas há uma pergunta incontornável sem a qual não é possível compreender e atuar sobre a realidade. Qual a dinâmica da conjuntura no presente momento?

Toda organização política atua no plano do evento, da conjuntura. Entra na luta para fortalecer uma ou outra tendência em choque. Nas crises agudas, como a que vivemos agora, em que os tempos políticos se aceleram bruscamente, a importância da ação concreta no momento concreto adquire maior relevância. Por isso, é decisivo identificar a dinâmica do conflito para agir.

Pois bem, vamos à nossa conclusão provisória: a dinâmica é de enfraquecimento de Bolsonaro. Os deslocamentos nas classes sociais fundamentais e no plano político-institucional evidenciam isso. Isso quer dizer que a derrota de Bolsonaro é iminente e inexorável? De modo algum. A luta está em curso e o fascista mantém posições de força — não está derrotado.

Em um combate, é fundamental identificar o momento de passar à ofensiva, ou o oposto. Se você passa à ofensiva sem condições de fazê-lo, o erro pode ser fatal. Mas se você perder a oportunidade de colocar o inimigo poderoso na defensiva quando se abre a possibilidade, igualmente terá cometido um equívoco mortal.

Nesse momento, as ameaças golpistas de Bolsonaro, cada vez mais radicais, não expressam um quadro de ofensiva bolsonarista, e sim uma reação violenta ao seu enfraquecimento político crescente. Porém, se não avançamos contra Bolsonaro, o seu movimento defensivo vai se converter rapidamente em ofensivo. O perigo do golpe neofascista, portanto, é real.

Bolsonaro tem força. Mas superestimar essa força é tão nocivo quanto subestimá-la. Abriu-se um momento na conjuntura em que é possível colocar Bolsonaro na defensiva, para preparar as condições para derruba-lo.

É hora da esquerda sair da defensiva. Bolsonaro precisa ser responsabilizado pela mortandade em massa, pela tragédia humanitária. As ações de solidariedade e resistência (como os atos da enfermeiras) precisam se multiplicar. Medidas alternativas para salvar vidas e defender a classe trabalhadora devem ser agitadas amplamente. Em resumo, para salvar vidas, é preciso derrubar Bolsonaro e seu governo.