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BRASIL

Plano de emergência no transporte público de São Paulo é urgente

Paralisação das atividades não essenciais e testes em massa deve ser o centro do plano

Camila Lisboa*, de São Paulo, SP

No dia em que o Brasil registra novo recorde diário de mortes por Covid19 (06/05), o estado de São Paulo tem luto oficial decretado ao superar a marca de 3 mil mortos. Já são números assustadores e segundo todas as projeções, a tendência é que as contaminações e as mortes ganhem um ritmo mais acelerado neste mês de maio. Estamos pagando o preço dos limites da quarentena oficial estabelecida pelo governo de João Dória que afirmou, no dia 22 de abril, que 74% da economia do estado de São Paulo não parou.

Se as fábricas, os bancos, as casas lotéricas, os call centers, a construção civil não param, o transporte público continua cheio. É verdade que houve uma redução significativa de passageiros no metrô, trens e ônibus de São Paulo, caindo em média 82% do fluxo do período anterior à pandemia. Mas, também é verdade que a disseminação da doença cresceu e que o transporte público é local considerado de alto risco para contaminação. Segundo o centro de pesquisa Hunan Provincial Centre for Diseases Control and Prevention, pessoas viajando de ônibus podem ser infectadas por outros passageiros sentados a mais de 4,5 metros de distância. Essa mesma pesquisa constatou que o vírus pode permanecer dentro do veículo por mais de 30 minutos. A Fundação Getúlio Vargas produziu uma série de orientações sobre a relação entre Transporte Público e Covid-19 com base nessa pesquisa liderada pelo cientista chinês Hu Shixiong.

A maior parte das orientações que a publicação do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas apresenta para os usuários dos serviços de transporte está relacionada à diminuição do deslocamento. Mas, na maior parte dos casos, considerando que há um amplo setor da economia da cidade de São Paulo que não paralisou suas atividades, o deslocamento não é por opção das pessoas: se os patrões determinam que os serviços continuam, os trabalhadores não vão optar por perderem seus empregos. Portanto, a primeira e mais efetiva medida para que o transporte público não fique cheio é que a quarentena seja real, que o poder público obrigue a paralisação de todas as áreas não essenciais.

Em 47 dias de estado de calamidade pública decretado, com milhares de pessoas circulando por obrigação da preservação dos lucros dos empresários, a epidemia só cresceu. Portanto, está mais do que hora de restringir as atividades produtivas não essenciais que até agora não foram restritas e estão causando a lotação dos ônibus, trens e metros. Tenta-se construir uma narrativa de que as quedas nas taxas de isolamento social são proporcionadas pela indisposição das pessoas ficarem em casa. Mas, esse argumento não condiz com os horários de pico de superlotação dos transportes, que continuam sendo os horários de entrada nos diversos serviços que continuam funcionando. Para que a sociedade cumpra o isolamento social, os empregadores precisam ser obrigados a dispensar os trabalhadores para que estes protejam-se da epidemia e não se tornem vetores de contaminação nos transportes públicos lotados.

Tampouco é justo fazer a sociedade acreditar que a obrigação do uso de máscaras no transporte público é a medida mais efetiva para o combate ao coronavírus. Sem dúvida, é uma medida necessária, que, inclusive deve ser garantida pelo poder público, com distribuição de máscaras nas estações de trens e metros e terminais de ônibus. Porém, um vagão de metrô lotado, mesmo com todo mundo de máscara, continua sendo um local com alto risco de contaminação.

Teste, teste, teste

Os melhores exemplos de condução da crise do coronavírus pelo mundo são países que estão testando a população. Para além de um mapa real do tamanho da epidemia – o que já seria em si um propósito justo para se investir em testes -, a testagem em massa permite a localização da circulação do vírus.

Os trabalhadores do transporte público devem ser enquadrados entre as categorias essenciais prioritárias para aplicação dos testes, sob pena do transporte público como um todo entrar em colapso. Por exemplo, em um primeiro momento, o Metrô de São Paulo estava afastando os trabalhadores que tiveram contato com pessoas infectadas. Esta medida é correta para um cenário sem testes, porém seus limites são evidentes: em uma escala de trabalho de operadores de trem trabalham juntos cerca de 40 pessoas. Se uma pessoa entre essas estiver infectada e a empresa tiver que afastar uma escala inteira de trabalho, não haverá pessoas para operar o trem. Esses limites são tão evidentes que a direção do Metrô de São Paulo já migrou para uma conduta totalmente irresponsável: não afasta as pessoas ou adota critérios nada científicos, como a avaliação de que se o contato com o infectado for menor do que 15 minutos, não há problema.

A testagem dos trabalhadores do transporte é a melhor medida para assegurar a saúde e segurança dos trabalhadores e para que esses não sejam vetores de transmissão para seus colegas de trabalho e para a população que utiliza o transporte público.

*Camila Lisboa é coordenadora geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo