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BRASIL

Manifesto pelo direito à vida, à saúde, à igualdade de condições e à dignidade dos/as trabalhadores/as em educação e estudantes em Minas Gerais

Professores da Resistência/PSOL de MG*
Reprodução/Twitter

As(os) professoras(es) da rede pública de ensino de Minas Gerais, organizadas(os) e militantes da corrente Resistência do Partido Socialismo e Liberdade (Psol/MG), manifestam-se preocupadas(os) com a condução dada pela Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) frente às ações ao combate à pandemia de Covid-19 em nosso território.

Denunciamos as inúmeras tentativas de quebra de isolamento social encaminhadas por esta Secretaria, que tenta impor, desde o início de abril de 2020, a retomada das atividades presenciais dos servidores que exercem as funções inerentes ao cargo de Auxiliar de Serviços da Educação Básica (responsáveis pela manutenção, limpeza e cantina) e para aqueles que não possuam condições de prestar o teletrabalho por ausência de meios tecnológicos para tal, conforme a Deliberação do Comitê Extraordinário Covid-19 no 26, de 8 de abril de 2020 e a Resolução SEE No 4310/2020[i].

Para aplicação dessas normas, o Governo do Estado não fez qualquer levantamento das condições reais de trabalho, como acesso à internet ou disponibilidade de equipamentos entre os servidores, tampouco anunciou algum tipo de compensação ou ajuda de custo pelo uso dos aparelhos pessoais, da energia elétrica domiciliar e para pagamento de pacotes de dados de internet residencial. A SEE/MG chegou a anunciar a possibilidade de empréstimo de computadores e demais materiais para o teletrabalho, mas não fez um levantamento de informações que de fato desse uma real noção da realidade e das demandas dos trabalhadores. No caso da ajuda de custo, não fez qualquer menção.

Isso posto, ainda que se estabeleça um regime de revezamento e de escala de horários alternada, modificando a jornada de trabalho dos servidores, conforme indicou a SEE/MG por meio da resolução, a movimentação de pessoas para as escolas já constitui quebra de isolamento social, uma vez que cerca de 3.600 (três mil e seiscentas) unidades escolares em Minas Gerais teriam suas atividades administrativas retomadas. Esta interpretação baseia-se na determinação dada pelas autoridades e agentes públicos de saúde, tanto em nível estadual e quanto federal, que recomendam o distanciamento social e consequente afastamento laboral como protocolo indispensável para a prevenção e controle da pandemia, conforme também orienta a Organização Mundial de Saúde.

Por isso, considerando a gravidade da situação causada pelo alto grau de contágio do COVID-19, letalidade da doença (o Brasil está entre os países que possuem uma das mais altas taxas de mortalidade no mundo) e pela indisponibilidade de leitos suficientes para o tratamento da doença em nosso estado, levando em conta o possível aumento do número de casos, compreendemos que se trata de um ato contra a garantia ao direito à vida, à saúde e à dignidade humana, previstas como primordiais e assim expressa em nossa Constituição Federal de 1988.

Esse foi inclusive o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que deferiu a liminar de suspensão da Deliberação no 26/20 ao Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), que denunciou o caso inicialmente. É importante reforçar que, em interlocução com alguns dirigentes escolares, observamos uma persistente cobrança por parte da SEE/MG para que estes organizassem a rotina do trabalho dos Assistentes Técnicos da Educação Básica (ATB) e Auxiliares de Serviços da Educação Básica (ASB), contrariando a decisão liminar. Foi necessário construir uma rede para incidência política, articulando com o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação em Minas Gerais (Sind-UTE/MG), e com a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALEMG), com o Fórum de Educação Permanente de Minas Gerais (FEPEMG) e também com o Ministério Público Estadual (MPE) para que essa ação abusiva não se concretizasse.

Em 27 de abril, a justiça mineira autorizou a retomada das atividades pelos diretores das escolas. Com isso, a SEE/MG busca mapear, planejar e garantir o cumprimento das determinações legais para uma possível retomada das atividades pelos vice-diretores, secretárias, ATB ́s e ASB ́s. O caso ocasiona desconforto e insegurança entre os trabalhadores da educação, que temem pela quebra do isolamento social.

Essa e outras medidas encaminhadas pelo governo mineiro vão contra a determinação das organizações de saúde que pregam o distanciamento e isolamento social como método de combate a pandemia. Além disso, a própria Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais reforça esta recomendação e, em estudos recentes [2https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/16/interna_gerais,1139356/isolamento-social-adia -pico-da-covid-19-em-minas-e-achata-curva.shtml], adiou a data prevista para o pico da pandemia em nosso estado para o dia 3 de junho.

Vale enfatizar que as atividades realizadas por esses servidores não se instituem, neste momento de prevenção a disseminação da doença, como atividades e serviços essenciais, conforme dispõe o Decreto n. 10.282/20, do Governo Federal. Afinal, com as escolas fechadas, não há matrículas, solicitações de documentos ou transferências, não há movimentação de pessoas ou uso das dependências escolares que justifiquem, portanto, o deslocamento desses trabalhadores de suas casas para o local de trabalho. No caso dos grandes centros urbanos, a situação se agrava com a necessidade de utilização do transporte público, contrariando, portanto, a necessidade de distanciamento social e de se evitar aglomerações.

Deste modo, insistir na permanência da atividade laboral desses profissionais é contraproducente, desumano – pois aumenta consideravelmente o risco de contágio e eventuais consequências para a saúde dessas pessoas e seus familiares – e economicamente equivocado, já que um potencial incremento no número de servidores públicos infectados colabora para a saturação do sistema de saúde.

O medo diante da situação aumenta entre os trabalhadores a partir do momento em que aqueles que se inscrevem no grupo de risco para a doença – isto é, idosos ou que possuem hipertensão; diabetes; doenças respiratórias e/ou tomam remédios controlados – não poderão exercer suas funções presencialmente, mas deverão utilizar de folgas compensatórias, férias-prêmio, férias regulamentares e compensação de carga horária. Neste último caso, deverão regularizar as horas devidas até o final do contrato, caso dos servidores designados, ou em doze meses, casos dos servidores efetivos. Isso sem que se tenha a menor previsibilidade, neste momento, para o fim da quarentena.

Além do fato constituir em quebra do direito constitucional ao gozo de férias, tal medida faz pressão pelo retorno dos trabalhadores ao serviço, uma vez que estes temem, principalmente no caso dos designados, pelo não recebimento de seus direitos para a manutenção e sustento de suas famílias, indispensável para o momento de instabilidade econômica que estamos vivendo com a pandemia.

A fala da Secretária de Estado de Educação, Júlia Sant’Anna, em reunião com o Coletivo de Gestores Articuladores Independentes, em 28 de abril de 2020, exemplifica a ameaça que a SEE/MG tem feito aos trabalhadores colocando em xeque o recebimento dos seus salários caso não retornem ao trabalho presencial. Isso fica evidente em um dado momento quando a secretária, respondendo aos questionamentos dos diretores e/ou coordenadores das escolas, disse o seguinte: “Sobre os servidores designados, Júlia Sant’Anna expôs que muitos querem trabalhar e esse retorno ao trabalho oferece mais segurança de receber salário e manutenção de seus contratos, pois não faria sentido ficar sem trabalhar e receber salário por tanto tempo” (“Relatório da reunião do coletivo de gestores articuladores independentes com a SEE-MG, 28 de abril de 2020).

Diante do exposto, gostaríamos de questionar a Secretaria e ao Governo do Estado de Minas Gerais qual é a lógica presente nesta afirmação. Lembramos que a educação não é mercadoria, tampouco funciona como uma empresa ou se constitui enquanto uma atividade produtiva baseada em uma lógica da indústria ou do comércio. Isto é, o valor da educação está para além e difere da produção de valor mercantil. Posto dessa forma, faz-se necessário indagar ao Governo Estadual: o pagamento dos trabalhadores em educação do Estado de Minas Gerais está condicionado somente à atividade por ele desenvolvida, em seu lugar de trabalho original? Pode o Estado contrariar a decisão liminar, já anteriormente citada, bem como ignorar os princípios constitucionais de igualdade e da impessoalidade do serviço público (ao dizer que o/a educador/a que não tiver condição material, física – por estar, por exemplo, dentro do que se denomina “grupo de risco” – e/ou econômica de realizar o teletrabalho não receberá os seus vencimentos, neste momento de excepcionalidade? ).

Sabemos da dificuldade do atual Governador, Romeu Zema, em compreender que a administração do Estado não segue a mesma lógica empresarial, mas cabe a nós lembrá-lo de que agora a responsabilidade primordial que ele e toda a sua administração têm é o de defender a vida e não reproduzir de forma sui generis uma lógica mercantil, alheia à natureza da educação pública.

O contexto de negação de direitos e da gradual abertura para a quebra de isolamento social em um momento crítico de contágio e propagação da doença tende a piorar à medida que a Resolução institui as normas para “a oferta de Regime Especial de Atividades Não Presenciais, nas Escolas Estaduais da Rede Pública de Educação Básica e de Educação Profissional, durante o período de emergência e de implementação das medidas de prevenção ao contágio e enfrentamento da pandemia de doença infecciosa viral respiratória causada pelo agente Coronavírus (COVID- 19), para cumprimento da carga horária mínima exigida”.

Vários estudos e documentos já produzidos sobre isso, como os publicados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação [. https://campanha.org.br/noticias/2020/04/28/dia-da-educacao-em-tempos-de-pandemia-com-decisoes-de-olhos-vendados-para-realidade-nao-e-facil-comemorar/], indicam o risco iminente de aprofundamento das desigualdades educacionais, caso a oferta do regime especial de atividades não presenciais se efetive. Isso porque esta modalidade de ensino NÃO se apresenta como uma solução para a manutenção do ensino como direito garantido a todos os estudantes da rede pública. Afinal, o Governo do Estado desconhece a realidade do próprio território administrativo, uma vez que em Minas Gerais, apenas 48,3% dos domicílios possuem microcomputador e apenas 58,0% têm acesso à internet, sendo que a maioria conecta somente por telefone móvel celular ou tablet. Cerca de 67,8% possuem apenas rede móvel de dados como conexão (IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2015). Em relação a proposta de transmitir teleaulas por meio da Rede Minas, a SEE-MG ignora o fato de que “o sinal da emissora pública só chega a 198 municípios mineiros, ou seja, 23% das cidades do Estado” [https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/respons%C3%A1vel-por-teleaulas-para-alunos-da-rede-estadual-rede-minas-s%C3%B3-chega-a-23-dos-munic%C3%ADpios-1.783436].

Além desses dados esclarecedores quanto à dificuldade de acesso à informatização presentes no nosso Estado, vale ressaltar que, ainda que contando com microcomputador em casa e/ou com acesso à internet a partir de outros aparelhos, não existem garantias quanto à capacidade de que esses utensílios correspondem às demanda das famílias mineiras. Há de se considerar o número de estudantes numa mesma família; dos pais que também utilizam o computador, neste momento de isolamento, para o trabalho domiciliar; da familiaridade de cada estudante com as plataformas digitais propostas; da capacidade financeira e  tecnológica de cada família, para arcar com os custos de um pacote de dados necessários para esse acesso mais robusto, entre outros fatores que não foram devidamente estudados e analisados pela SEE/MG[ii] no momento de tentativa de implementação do ensino remoto.

Recai ainda para este contexto uma outra problemática operacional que precisa ser mencionada: o texto orientador entregue aos diretores pela Secretária de Estado de Educação passa a responsabilidade do levantamento desses dados para os gestores. Isto é, em momento de isolamento social, cabe ao diretor ou coordenador das escolas promover o entendimento específico das demandas da sua comunidade escolar para aplicar a melhor estratégia. Ora, caso seja compreendido que a modalidade não presencial não se aplica aos seus estudantes, caberá ao gestor fazer o repasse dos materiais presencialmente às famílias.

Desta forma, ainda que se considerando inúmeros estudos pedagógicos que esclarecem que a modalidade à distância é específica, requerendo preparação dos profissionais envolvidos, dos estudantes e familiares, o ensino não presencial neste momento será ofertado de forma precária, sem garantias irrestritas ao direito à educação e desconsidera a recomendação dos especialistas em saúde em manter o distanciamento social. Pois, em algum momento, haverá quebra do isolamento.

Sendo assim, tendo em vista tudo o que foi exposto até agora e levando em consideração o quadro socioeconômico das famílias mineiras e dos trabalhadores que compõem o quadro de servidores, o retorno presencial às escolas, o teletrabalho e as aulas não presenciais NÃO constituem em uma solução viável para a educação pública mineira neste momento.

As(os) professoras(es) da rede pública de ensino de Minas Gerais, organizadas(os) e militantes da corrente Resistência do Partido Socialismo e Liberdade (Psol/MG), propõem:

PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES EDUCACIONAIS: já que serão realizadas de forma precária, sem estudo adequado das demandas e condições socioeconômicas da categoria e de seus estudantes. Isso levará ao aumento das desigualdades e compromete o direito à educação previsto constitucionalmente, conforme dados apresentados neste texto baseados em pesquisas realizadas pelo IBGE;

SUSPENSÃO DO CALENDÁRIO ESCOLAR: até o retorno das atividades em segurança e, SOMENTE QUANDO ISSO OCORRER, deverão ser convocados as instituições públicas atreladas à educação (SEE/MG, ALEMG, CEE-ME, FEPEMG) concomitantemente aos movimentos sociais e de representação dos estudantes, trabalhadores em educação, pais e/ou responsáveis legais e as diversas comunidades escolares para debater e construir conjuntamente com a Secretaria de Estado de Educação, as melhores alternativas;

FLEXIBILIZAÇÃO DO CALENDÁRIO LETIVO a fim de garantir a manutenção dos contratos e pagamentos para que não haja prejuízos para os trabalhadores contratados: será necessário, portanto, que seja verificado a necessidade ou não de prorrogação dos mesmos SOMENTE APÓS A PANDEMIA. Frisamos que estamos em um momento único de calamidade pública, de excepcionalidade mundial.

PAGAMENTO DOS SALÁRIOS A TODOS OS TRABALHADORES(AS) DA EDUCAÇÃO: a fim de manter os sustentos das famílias, sem maiores prejuízos sociais. É preciso acompanhar o uso dos recursos destinados à educação, conforme determina a legislação federal, que repassa aos estados e municípios verbas específicas.

Belo Horizonte, 03 de Maio de 2020.

* Este documento foi elaborado pelas(os) professoras(es) da rede pública de ensino em Minas Gerais militantes da Resistência- Psol/MG, mas também conta com a adesão dos demais trabalhadores da educação preocupados com a oferta de ensino de qualidade e que garanta o direito irrestrito à educação, conforme prevê a nossa Constituição Federal.

Notas

[i] A título de complementação, preocupação semelhante foi apresentada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que protocolou nesta quarta-feira, (29 de abril), uma interpelação judicial, para que o Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, apresente os estudos técnicos e dados que embasaram o programa “Minas Consciente”, que visa flexibilizar o isolamento social em razão da pandemia de Covid-19 (http://www.abjd.org.br/2020/04/nota-abjd-vai-justica-para-que-governo.html).

[ii] Vale destacar que no Estado de Minas Gerais, os pacotes de dados oferecidos pelas principais empresas de telefonia celular, em sua grande maioria, isentam o acesso às redes sociais. Com isso, não seria forçoso inferir que caso se estabeleça uma dinâmica de teleaula, para além das redes sociais, o custo operacional para cada família tende a aumentar.