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BRASIL

República fardada em chamas: o juiz, o capitão e os generais

Gabriel Santos, de Maceió, AL
EBC/ Marcos Corrêa/PR

Existe uma disputa aberta sobre os rumos da crise econômica e social que o Brasil vem passando. Na semana que Lênin comemora 150 anos de nascimento, uma de suas famosas frases se reafirma no Brasil “há décadas que nada acontece, mas há semanas que valem décadas”.

Os últimos dias de abril trazem vários estados com seu sistema de saúde em colapso, o número de mortes causadas pelo novo coronavírus chega a próximo de quatro mil e o de contaminados passa os 50 mil. A economia, que já vinha desgastada antes da crise, com a alta histórica do dólar e da fuga de capitais, agora se encontra diante de uma encruzilhada.

A saída burguesa para a crise

A cada declaração Bolsonaro avança em sua escalada autoritária. Busca construir as condições específicas para seu projeto de Poder e uma mudança de regime. É isto que ele apresenta como alternativa para a crise, um projeto autoritário e antidemocrático que se realiza com a mudança do regime democrático burguês e sua ascensão pessoal a bonaparte, que se alinha à destruição de direitos sociais para uma superexploração ainda mais cruel da classe trabalhadora, e à submissão completa ao imperialismo norte-americano.

O perigo do autoritarismo que Bolsonaro representa nunca foi um segredo. O mesmo demonstrou orgulhosamente durante toda sua fraca carreira como deputado federal e no período de sua candidatura à Presidência, a sua preferência pelo regime militar e pelo desejo de exterminar seus inimigos.

A elite brasileira, que abraçou Bolsonaro, tinha com o mesmo o acordo no ataque aos trabalhadores e que para isto era preciso atacar também a representação destes. Isto era o grande tarefa não importando quem a efetuava. Como afirma o ditado popular: não importa a cor do gato, mas que ele cace os ratos. Assim, uma unidade em torno do ex-capitão se formou no fim do primeiro turno das eleições. Apesar disso, mesmo nunca tendo apreço à democracia, como vimos no Golpe de 2016, a mesma sempre se mostrou dividida quando se tratava sobre os rumos do regime democrático burguês. Seus representantes “puro sangue”, como Rodrigo Maia, entre outros, tiveram inúmeros confrontos com o presidente.

Com o advento da pandemia, a crise entre setores dentro do próprio governo, o confronto entre as instituições e as disputas entre setores da classe dominante se aprofundaram. A linha de Bolsonaro de ser contra o isolamento social, apoiada principalmente pelos grandes donos das empresas varejistas, foi considerada por parte da elite como uma saída arriscada para a economia pós crise. Era preciso perder os anéis para manter os dedos e os lucros quando a pandemia passar, desta forma, medidas keynesianas se tornavam necessárias.

A saída que este setor da burguesia apresentava começou a se desenhar em torno de nomes como Dória, Maia e Witzel, ainda que muito diferentes entre si, estes foram os que lideraram o confronto ao Executivo. Rodrigo Maia representa a direita tradicional, democrata e neoliberal, assume o posto de defensor das instituições burguesas, enquanto Dória e Witzel são representantes de uma extrema direita que não tem vergonha de sujar seus ternos de sangue.

A demissão de Moro: só existe espaço para um Bonaparte

A disputa interburguesa assume novos capítulos com a demissão de Moro. Acusando Bolsonaro de querer ter o controle direto sobre a Polícia Federal, o juiz pulou fora do barco.  Um dos super-ministros do governo, com mais aprovação do que o próprio presidente, Sérgio Moro se tornou um popstar da política brasileira, sendo idolatrado pela mídia e tendo uma imensa popularidade. Ele é, sem dúvida, a maior expressão da Lava Jato no país, uma operação jurídico-policial que atua como um partido político, e sem a qual muito dificilmente Bolsonaro teria sido eleito. Justamente por ser um dos responsáveis pela prisão de Lula, Moro assumiu o Ministério da Justiça. E, com as revelações do The Intercept, toda sua imparcialidade foi revelada.

Em seu pronunciamento em que se retirou do governo, Moro fez duras acusações sobre o presidente, e buscou se distanciar do mesmo. Visto por muitos como um futuro candidato em 2022, o juiz ex-ministro sempre mostrou seu lado narcisista. Ele tem um projeto pessoal de poder, que aparentemente se confrontou com o de Bolsonaro.

Moro agora volta para o centro do palco, um lugar que se acostumou nos últimos tempos. Já está sendo tratado por parte da grande mídia, em especial pela Rede Globo, como um herói que sacrificou seu emprego. Porém, a disputa em torno do controle que ambos buscavam ter pela Polícia Federal, apesar de não poder ter sua importância reduzida, foi apenas a cena final do espetáculo.

Em seu pronunciamento, Bolsonaro falou de atritos e disputas entre ele e seu ex-ministro, até que esta última foi definida pelo argumento de autoridade: o capitão manda e o juiz obedece.

Se tanto Bolsonaro e Moro têm acordos na retirada de direitos sociais, e em um anti-esquerdismo infantil, os dois se confrontam na questão sobre o regime. Não que o agora ex-ministro seja um democrata defensor da constituição de 88. Mas Moro sempre sonhou exercer o papel de Bonaparte, ao qual estava sendo alçado. Para o juiz, ele próprio deveria ser o Salvador da Nação e o Poder Judiciário deve ser o centro e ter, sob sua liderança, a capacidade de se pôr acima de tudo e de todos.

A disputa entre instituições que ocorria entre Executivo, Legislativo e Judiciário se transferiu também para dentro do governo entre o conflito do clã Bolsonaro com o setor lavajatista e teve nas cenas de saída de Moro seu ápice.

Agora o confronto entre ambos deve se manter e se intensificar. Não é um fator menor as duas principais figuras da ofensiva burguesa no Brasil estarem em coalizão. Os próximos dias trarão sem dúvidas novas cenas e novos pontos que se acrescentarão na conjuntura brasileira, o imprevisível é a única coisa previsível que se tem certeza.

Apesar disto, Bolsonaro, como mostrou em seu pronunciamento no fim da tarde, não está em uma inevitável queda livre. Sua saída não é algo concretizado. Seu governo não é tão frágil como desejamos que seja, ou como aponta alguns analistas políticos, e ele mantém ativa sua base social.

O fato é que a disputa política entre setores da burguesia sobre a solução da crise se agrava. Seu crescimento e seu ritmo serão decisivos. Muitas são as alternativas colocadas e muitos nomes se postulam para o cumprir o papel de anti-bolsonaro, que agora também é disputado pelo ex-ministro. Nos próximos dias, além da provável ofensiva de Moro sobre Bolsonaro (e vice-versa), podemos ver também o fortalecimento do pedido de impeachment, que ainda não recebeu apoio aberto de nenhum setor da burguesia. Os militares, principal fiadores de Bolsonaro, estão cada vez mais presentes no governo, é preciso muita atenção nas ações deste grupo, que com seus próprios objetivos e leituras da realidade são um poder político decisivo diante da conjuntura que se apresenta.

Um coisa está nítida, só existe o espaço para um bonaparte, e ele ou veste toga ou farda e coturno.