A Câmara dos Deputados pode voltar a discutir e votar, ainda esta semana, a Proposta de Emenda Constitucional 10/2020, que ficou conhecida na imprensa como a PEC do Orçamento de Guerra. Essa proposta foi iniciativa do presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), com a desculpa de agilizar a liberação de verbas para o combate da pandemia da Covid-19.
Dois dias depois de sua apresentação, no dia 3 de abril, os deputados federais aprovaram a referida PEC, apenas com 1 voto contrário, do companheiro Glauber Braga (PSOL-RJ). A deputada Aurea Carolina (PSOL-MG) não estava presente na sessão, devido ao direito a licença maternidade.
Na última sexta-feira, dia 17 de abril, o Senado também aprovou a PEC 10, mas modificou alguns pontos do texto aprovado na Câmara. Por isso, a proposta de alteração constitucional precisa voltar a tramitar na Câmara, e ser aprovada novamente em dois turnos pelos deputados.
Existe uma grande discussão sobre a necessidade e urgência desta PEC. E, principalmente, a maior polêmica se concentra no artigo que autoriza o Banco Central (BC) a comprar “papéis podres” no mercado financeiro secundário.
O Senado fez mudanças neste artigo, mas foi mantido a essência do seu conteúdo, que abre uma enorme possibilidade de que o Tesouro Nacional (TN) remunere ainda mais os bancos, em plena pandemia e na iminência da maior crise econômica da nossa história, com evidentes e terríveis consequências sociais para a maioria da população.
Além da pressa de ser aprovada, e a proposta absurda de destinar dinheiro público para os bancos, chamou muita atenção de que a maioria dos parlamentares dos partidos da esquerda e dos partidos de oposição, tanto na Câmara como no Senado, tenham votado a favor da PEC 10. Alguns votaram contra apenas o artigo que remunera os bancos.
Este fato, deve abrir uma importante discussão entre os movimentos sociais e a esquerda brasileira. Qual o papel destes parlamentares diante da pandemia e das iniciativas deste governo e da maioria do Congresso Nacional?
Maioria dos deputados da esquerda e da oposição deve mudar seu voto
A justificativa apresentada por Rodrigo Maia e o Centrão para a necessidade da PEC 10 e de sua aprovação “a toque de caixa” é que sem ela faltaria recursos para que o governo federal pudesse tomar iniciativa de combate a pandemia, investir na saúde pública e em medidas de proteção social. Se falou também, nos bastidores, que ela seria uma forma de impedir que Bolsonaro pudesse pedir o estado de sítio.
Mas, é importante levar em consideração que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio o Congresso Nacional – através de decretos legislativos – já tinham se pronunciado a favor de que gastos com o combate ao novo Coronavírus não precisariam passar pelos tramites normais de liberação de verbas e nem seriam considerados para cumprimento dos limites fiscais estabelecidos. E o próprio Congresso Nacional que teria que aprovar uma decretação de estado de sítio.
Ou seja, do ponto de vista do combate as consequências da pandemia, não existe justificativa plausível para modificar a Constituição, em tempo recorde e praticamente sem discussão, justo no momento em que a sociedade se encontra em isolamento social, impedindo uma maior participação e pressão sobre os debates decisórios do Congresso Nacional. Na verdade, se usou um falso discurso de combate a pandemia, para pressionar os parlamentares a votar a favor da PEC 10, inclusive, sem maiores discussões.
Porém, um exame um pouco mais atento vai demonstrar que a motivação real e principal desta PEC é ampliar ainda mais a remuneração aos bancos através de dinheiro público. Os banqueiros, apesar dos lucros recordes e exorbitantes dos últimos anos, temem serem atingidos pela crise econômica histórica que ameaça a economia mundial e brasileira.
A PEC 10 tem entre um dos seus principais artigos, um que esconde sua verdadeira motivação: autorizar o Banco Central (BC) a operar no mercado financeiro secundário (o chamado “mercado de balcão”), onde na prática não existe a mínima regulação, para a compra de papéis de instituições financeiras.
O próprio presidente do BC chegou a afirmar que os prejuízos para o Tesouro Nacional com as novas regras contidas nesta PEC, poderia chegar próximo a 1 trilhão de reais até o final do ano de 2020.
Como explicar tamanho prejuízo? O BC passaria a poder comprar papéis podres de instituições financeira, sem valor real no mercado, se utilizando ainda mais da emissão de títulos da dívida pública brasileira.
Tendo como uma das consequências, um aumento do montante da dívida pública, o que deverá comprometer uma parcela ainda maior do Orçamento da União nos próximos anos;
É verdade que houve alterações na PEC, inclusive no artigo que permite que o BC arque com prejuízos do mercado financeiro, mas sem estas mudanças não alteraram qualitativamente o conteúdo de salvação ao mercado financeiro, presente na PEC 10. Inclusive, sem sequer exigir contrapartidas mínimas para tamanha benevolência com quem já multiplicando recordes de lucros, apesar das enormes dificuldades econômicas que nosso país passa nos últimos anos.
Os terríveis ataques aos cofres públicos presentes na proposta de alteração constitucional de Maia e do Centrão gerou uma reação contrária de importantes organizações sociais, tais como: a Campanha da Auditoria Cidadã da Dívida e dezenas de outras entidades e movimentos;
Mesmo com esta correta reação de repúdio de importantes setores dos movimentos sociais, a maior parte dos parlamentares da esquerda e da oposição votaram a favor da PEC 10, com raras exceções. Entretanto, como ela volta a tramitar na Câmara dos Deputados, existe a possibilidade de uma mudança de voto, pelo menos entre os deputados federais dos partidos de esquerda e da oposição.
Um primeiro passo importante e necessário é que todos os deputados do PSOL passem a votar contra o conjunto desta PEC, se colocando contra esta medida que sem necessidade comprovada muda a Constituição sem o mínimo debate democrático e ainda amplia ainda mais a remuneração ilegítima ao mercado financeiro. Além de se posicionar contra o conjunto da PEC 10, o PSOL deve chamar os parlamentares, a começar pelos partidos de esquerda e da oposição, a fazerem o mesmo.
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