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BRASIL

Em live vista por Bolsonaro, Roberto Jefferson defendeu “tirar a ferrugem do cano do revólver” contra impeachment

Presidente do PTB, ícone da velha política, insufla base bolsonarista

Gustavo Sixel, da redação
Reprodução

Bolsonaro exibiu vídeo assistindo a live de Jefferson, mas não exibiu este trecho

Na noite deste domingo, 19, o presidente Jair Bolsonaro compartilhou em suas redes sociais um vídeo ao vivo, no qual ele acompanha uma entrevista com o presidente do PTB, Roberto Jefferson. A cena se passa no Palácio do Planalto, com a presença de outras pessoas, que observam atentamente os ataques de Jefferson ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, apontado como o principal responsável por um “golpe” contra Bolsonaro, para criar um “parlamentarismo branco”.

Se tentarem, vamos pra rua, tirar o revolver da gaveta, limpar o cano, tirar a ferrugem

O trecho exibido por Bolsonaro tem cerca de 15 minutos, mas a live inteira durou uma hora e meia. Nela, Roberto Jefferson foi muito além de ataques à Maia. Convoca as pessoas a ir às ruas defender o presidente e, em pelo menos neste trecho, dá sinal verde para confrontos armados contra uma tentativa de impeachment. “Se tentarem, vamos pra rua, tirar o revolver da gaveta, limpar o cano, tirar a ferrugem”, afirma. “Nós impediremos esse absurdo”, conclui.

Ele fez ainda uma referência direta a possíveis enfrentamentos com militantes dos movimentos sociais e de partidos de esquerda. “Se tentarem qualquer impeachment, com o Lula conclamando os ‘mortadela’ a ir pra rua, esse povo do Bolsonaro que tá aí vai esmagar essa corrente de mortadela na rua. E se for tentado essa violência, nós temos que tirar a ferrugem do cano dos nossos revólveres e lutar pela democracia”, afirma.

esse povo do Bolsonaro que tá aí vai esmagar essa corrente de mortadela na rua

A fala de Roberto Jefferson é uma prova de que, mesmo com a queda de popularidade por conta da política genocida diante do Covid-19, a corrente política neofascista não vai aceitar ser retirada do poder e irá mobilizar a sua base para resistir. A entrevista parece encomendada pelo núcleo bolsonarista justamente para excitar esta fatia ideologicamente ganha pelo projeto neofascista. Ao mesmo tempo em que mostra as garras e envia uma espécie de recado ao Congresso, de até onde a ala bolsonarista está disposta a ir para manter-se no poder.

A julgar pela composição desta base de apoio – em especial nas forças de segurança e nas forças paramilitares (milícias) – e pelo grau de radicalização e ódio de seus apoiadores, é preciso levar a sério a ameaça, que vem em seguida à fala do presidente neste domingo, 19, em Brasília, e as carreatas e atos em todo o país.

Receita de um golpe

A narrativa desenvolvida pelo petebista é a mesma construída pela família Bolsonaro. Haveria um golpe sendo montado contra o presidente, que incluiria Rodrigo Maia, Alcolumbre, ministros do STF, Fernando Henrique, Dória, Lula e até Felipe Santa Cruz, presidente da OAB. Este último protocolaria o pedido de impeachment, que seria aceito por Maia, em troca da aprovação pela oposição de um projeto de lei que permitiria sua reeleição na Presidência da Câmara dos Deputados. Uma grande conspiração “comunista”, para não deixar o presidente governar.

Roberto Jefferson repete a lógica usada pelos militares para justificar o golpe de 1964, que afirmam que foram obrigados a tomar o poder para afastar o “perigo de um golpe comunista”. Mais uma vez, enquanto acusa-se um golpe contra a democracia, na verdade prepara-se um e avança-se no fechamento do regime político.

Jefferson destaca a força da extrema direita nas redes sociais. Compara o peso das redes bolsonaristas ao papel que foi cumprido pelas Ligas Camponesas e sindicatos na defesa do governo de João Goulart (1961-1964), em embates com o parlamento. Ele avalia que as mídias sociais colocaram a sociedade “acima do movimento sem terra e dos movimentos sindicais” e que “o povo está com Bolsonaro”.

Velha política

A entrevista, em um canal da direita chamado República de Curitiba, é um show de horrores.  Jefferson é tratado como um estadista, presidente de um grande partido, e que estaria fazendo uma grave denúncia. Critica a corrupção e diz que a negociação que Maia deseja com Bolsonaro é o “toma-lá-dá-cá, da “velha política”. Encerra rápido a frase, como se não quisesse dar tempo para que parte das 170 mil pessoas que assistiam lembrasse algumas de suas muitas histórias na política, como a do mensalão.

Jefferson mergulhou com tudo no discurso ideológico bolsonarista. Fala em Deus, em família, em fé. Critica o “comunismo”, a “erotização das crianças” e defende os “cidadãos de bem”. Não faltou a Venezuela e o “isso a :Globo não mostra”. Os outros dois no vídeo vão no mesmo caminho e dizem que Bolsonaro foi “escolhido por Deus”. Pacote completo. É preciso ter nervos de aço para assistir.

Obviamente que tudo não passa de uma interpretação. Roberto Jefferson é líder de um partido pequeno, que apesar de reivindicar a marca do trabalhismo da Era Vargas, resume-se hoje a um partido de aluguel, tendo caído de 16 para 12 deputados federais. A legenda é, sem dúvida, uma legítima representante da velha política, que procura estar sempre próximo ao poder. Seu último grande feito foi ter ocupado, no governo Temer, a Casa da Moeda e o Ministério do Trabalho, este último com uma breve passagem da filha de Jefferson, Cristiane Brasil. O preço foi a promessa de voto da bancada a favor da reforma da Previdência.

O petebista resolveu agora apostar todas as cartas – que não são tantas assim – no bolsonarismo. Resta saber se a súbita lealdade é sinal de uma leitura correta sobre a futura divisão do botim (talvez uma opção de legenda no futuro, após o fracasso da tentativa de criação da Aliança). Ou se o político está investindo apenas no que a polêmica possa lhe render, em visibilidade e eleitorado. A lembrar, foi assim que tornou-se conhecido, em 1992, ao liderar a tropa de choque de Collor de Melo contra o cada vez mais inevitável impeachment. Resta saber se a raposa da política está enxergando os panelaços das janelas e a revolta com a política genocida do governo ou se sua visão está turva pela miragem dos votos prometidos pelos mercadores da fé que caminham com o presidente.