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Mercadores da morte: a ação empresarial contra o isolamento social

Andar de cima

Acompanhamento sistemático da ação organizativa, política, social e ideológica das classes dominantes no Brasil, a partir de uma leitura marxista e gramsciana realizada no GTO, sob coordenação de Virgínia Fontes. Coluna organizada por Rejane Hoeveler.

Por: Elaine Bortone* e Rejane Carolina Hoeveler**, do Rio de Janeiro, RJ

Nos últimos dias, vem circulando nas redes bolsonaristas um vídeo (1) realizado pelos auto-intitulados “Soberanistas”, convocando para iniciar nesta terça, 07 de abril, uma “Bolsonaro Week”. “Todos os estabelecimentos comerciais, empresariais, prestadores de serviço, autônomos, todas as pessoas que trabalham devem abrir as suas portas e retornar ao trabalho”, diz a narradora do vídeo, que promete que as empresas jogarão “os preços lá embaixo”. “E você, cidadão, vá de carro, coloque a bandeira do Brasil, buzine e compre muito, na Semana Nacional de Reabertura do Comércio”. “É nosso direito de ir e vir”, “nosso direito de comprar, de vender, e de nos sustentarmos”. O vídeo termina com o slogan de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. 

Na verdade, “soberanistas” é como foi denominado o núcleo duro olavista dentro do partido de Bolsonaro, o Aliança para o Brasil, e foi um dos nomes mais cogitados para ser o nome oficial deste partido quando de sua fundação em 2019. (2) “Soberanistas” é um núcleo político que atua de forma independente do Aliança para o Brasil (sua legenda), como um “partido dentro do partido” de Bolsonaro, estritamente fiel a Olavo de Carvalho. 

A narradora do vídeo, Val Lopes, que se define como “uma mulher conservadora”, é na verdade uma empregada de Olavo de Carvalho, na empresa de biotecnologia Geociclo, que em 2018 faliu e entrou em recuperação judicial. (3) Segundo seu perfil no Linkedin, Val Lopes foi assistente de diretoria na Geociclo Biotecnologia S/A entre 2011 e 2013.  (4)

Em seu blog, o “Soberanistas” diz ter como referências “em especial o Prof. Olavo de Carvalho, filósofo brasileiro que rompeu a hegemonia cultural da esquerda no país”. O Soberanistas admite receber doações empresariais, mas obviamente, não revela quais (5). Mas seguramente, há muito dinheiro por trás desse tipo de campanha. 

Quem financia a campanha empresarial para “o Brasil não parar”?

Na semana do dia 20 de março, um grupo de empresários fiel a Bolsonaro – como Junior Dursk (Madero), Alexandre Guerra (Giraffas), Luciano Hang (Havan) e Roberto Justus (Grupo Newcomm) – iniciaram uma campanha publicitária com o intuito de minimizar a pandemia de Coronavírus, defender “a volta ao trabalho” e para o “Brasil não parar”.

Partiu do dono da rede Madero a seguinte declaração, que teve grande repercussão na imprensa: “Nós não podemos [parar], por conta de 5 mil pessoas, 7 mil pessoas que vão morrer, eu sei que é muito grave, eu sei que isso é um problema, mas muito mais grave é o que já acontece no Brasil”.

Por sua vez, Justus, publicitário e apresentador do programa “O aprendiz” afirmou: “quem entende um pouco de estatística vai perceber que [o número de mortes] é irrisório“. “E dos que morrem, mesmo dos velhinhos, só 10% a 15% deles morrem (…) [Já] esse isolamento vai custar muito mais caro”.

 Sócio da rede brasiliense Giraffas e candidato ao Governo do Distrito Federal pelo Partido Novo nas eleições de 2018, Alexandre Guerra avaliou, em vídeo, que os prejuízos econômicos serão o maior custo da pandemia para o país. 

“Se você pensa que o custo vai ser pessoas infectadas, mortes em razão desse vírus, esse não vai ser o maior custo para a população brasileira, porque isso está sendo tratado. Agora o que não está sendo tratado nem conversado é o custo que as medidas remediadoras vão ocasionar para as pessoas brasileiras”. (6)

Após declarar que “quem está com medo da covid-19 deveria temer perder o emprego”, Alexandre foi afastado pelo seu pai, Carlos Guerra, fundador da empresa. (7)

Rubem Menin, cofundador da Construtora MRV e um dos donos da CNN Brasil, disse que as iniciativas “têm de ser de cima para baixo, a coordenação tem de ser do governo federal, não do município ou Estado. Não pode fazer bagunça”, em uma clara crítica às medidas de controle do coronavírus tomadas por prefeitos e governadores.

Winston  Ling, presidente do Conselho de Administração da Petropar, fundador do Instituto Liberdade e importador exclusivo de produtos brasileiros para a China, foi um dos mais fervorosos defensores do “isolamento vertical” em suas redes, tendo publicado uma charge na qual a onda de “recessão” seria muito maior que a onda da Covid19.

Apesar da péssima repercussão, mesmo entre esses empresários, do pronunciamento nacional feito por Bolsonaro em 24 de março, pelo menos 32 empresários endossaram a adoção do “isolamento vertical”. (8) Abílio Diniz, dono do Carrefour, embora tenha criticado o pronunciamento, também se manifestou a favor do “isolamento vertical”. (9)

Marcelo de Carvalho, um dos proprietários da Rede TV!, seguindo o discurso do presidente, fez duras críticas à quarentena e previu o colapso da economia em decorrência da pandemia do coronavírus: “Você sabe o que vai acontecer? Vão começar a mandar gente embora. Nós corremos o risco de entrar em um colapso”, afirmou. (10)

Gabriel Kanner, presidente do Instituto Brasil 200, onde se organiza a maior parte dos empresários que apoiaram e financiaram a campanha de Bolsonaro em 2018, afirmou que Bolsonaro “não conseguiu criar um clima de segurança para a população”. Ele disse que a crise não podia ser menosprezada e que o país precisava de “seriedade e responsabilidade dos líderes”; entretanto, não fez uma crítica ao conteúdo do pronunciamento, somente de sua “forma”:

“A gente precisa exigir do presidente uma postura de líder da nação. Ele não apresentou essa postura ontem. Por mais que eu concorde com o direcionamento, de que a gente tem que evitar um colapso econômico, e essa é a mensagem que ele tentou passar, a forma como ele se comunicou não passou segurança à população. Essa foi a maior falha do pronunciamento de ontem. Foi não conseguir criar um clima de segurança”.  (11)

É de se deduzir que os supracitados estão entre os empresários que estão financiando a campanha contra a quarentena e pelo “isolamento vertical”, essa invenção política sem nenhum embasamento científico que visa tão somente suavizar sua total indiferença aos mortos pela pandemia de Covid19 no Brasil. 

Carreatas da morte

Entre os dias 27 e 29 de março, empresários de todo o país, especialmente dos setores de comércio e transportes, financiaram a realização de carreatas em quase todos os estados do Brasil, em apoio à campanha “O Brasil não pode parar”. Com as “carreatas da morte” tendo sido proibidas pela Justiça, poucos foram os que deram seus nomes à público. 

Entre eles, está Fred Melo, ex-presidente da sigla de extrema-direita PRTB no Amazonas, quem defendeu, em janeiro, que o general Olímpio Mourão seja candidato a senador por este estado em 2020, mostrando grande proximidade com o atual vice-presidente; além dele, convocou a carreata em Manaus o coronel Alfredo Menezes, presidente da SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Segundo um jornal local, o coronel protagonizou um dos momentos de maior euforia do ato, quando realizou uma ligação de vídeo com o presidente Jair Bolsonaro.  (12)

Outros que não esconderam seus nomes, confiantes na impunidade, foram os coordenadores do movimento em Curitiba:  Eder Fabiano Borges Adão, funcionário comissionado na Assembleia Legislativa do Paraná e assessor do deputado Coronel Lee (PSL), da “bancada da bala”; e Paulo Generoso, coordenador do movimento “República de Curitiba”.   (13)

Até onde vai a sanha empresarial? 

Todos esses movimentos mostram que o bolsonarismo é ainda capaz de mobilizar grandes setores da pequena e média burguesia, com apoio, ativo ou passivo, da grande burguesia (basta lembrar que Paulo Skaf é o principal nome cotado pelo Aliança do Brasil ao governo do estado de São Paulo em 2022). Foi por iniciativa de Skaf que, no dia 20 de março, foi realizada uma videoconferência entre o presidente Jair Bolsonaro e 20 grandes empresários brasileiros. O apelo do presidente foi “Não podem parar”; o dos empresários, “não podemos parar e não podemos perder”. (14)

Nesta reunião estavam presentes nomes como Abílio Diniz e Flávio Rocha, além de executivos de grandes empresas, como a GM, VIVO, Suzano, Cyrela, o representante da ABRAFARMA (Asociação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias); LATAM; Nestlé; Bradesco; Procter & Gamble, Bunge, Rede D’or, COSAN e Sain Gobain. Junto com Bolsonaro, estavam os ministros Luiz Henrique Mandetta, da Saúde e Walter Braga Netto, da Casa Civil. (15)

As propagandas positivas sobre as ações empresariais para combater a pandemia no Brasil, na maioria absoluta dos casos, são, no mínimo, hipócritas. Enquanto fazem alardes emocionados sobre produção de álcool (AMBEV), compra de testes (VALE), etc, nos bastidores, essas empresas pressionam o governo para que tome medidas que joguem os custos da crise para os trabalhadores, sem que o empresariado tenha que mexer em seus gordos bolsos. 

Tanto Bolsonaro quanto seus apoiadores empresariais não vão parar. Eles têm que ser parados.

 

* Elaine Bortone é Psicóloga e Historiadora, Mestre em Administração Pública (UFF), Doutora em História (UFRJ) e pesquisadora do grupo Empresariado e Ditadura, entre outros.
** Rejane Carolina Hoeveler é historiadora e colunista do Esquerda Online.

 

 

NOTAS

1 – O vídeo encontra-se disponível nas redes sociais dos “Soberanistas”, e em seu canal do Youtube pode ser acessado no link: https://www.youtube.com/watch?v=7oIdA7tr924

2 – SOARES, Jussara. “Programa de partido ‘soberanista’ de Bolsonaro trata aborto como ‘traição social’”. O Globo, 21 de novembro de 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/programa-de-partido-soberanista-de-bolsonaro-trata-aborto-como-traicao-social-1-24091708. Acessado em 07/04/2020. 

3 – JARDIM, Lauro. “A recuperação judicial da empresa de Olavo Monteiro de Carvalho”. O Globo, 28 de outubro de 2018. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/recuperacao-judicial-da-empresa-de-olavo-monteiro-de-carvalho.html. Acessado em 07/04/2020. 

4 – Link: https://br.linkedin.com/in/val-lopes-90572064

5 – “O que é o Soberanistas”. Disponível em: https://soberanistas.org/perguntas-frequentes/. Acessado em 07/04/2020. 

6 – “Coronavírus: Empresários minimizam pandemia e são criticados na internet”. Correio Braziliense, 24 de março de 2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/03/24/interna-brasil,836326/coronavirus-empresarios-minimizam-pandemia-e-sao-criticados-internet.shtml. Acessado em 29 mar. 2020. 

7 – MESQUITA, Patrick. “Sócio do Giraffas é afastado pelo pai após polêmica sobre covid-19”. UOL, 25 mar. 2020. Disponível em < https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/25/socio-do-giraffas-e-afastado-pelo-pai-apos-polemica-sobre-covid-19.htm>. Acessado em: 29/03/2020.

8 – VIEIRA. André Guilherme. “32 grandes empresários defendem plano similar ao de Bolsonaro para isolamento”. Valor Econômico, 26 de março de 2020. Disponível em: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/03/26/32-grandes-empresarios-defendem-plano-similar-ao-de-bolsonaro-para-isolamento.ghtml>. Acessado em 29/03/2020.

9 – CARVALHO, Igor. “Por lucro durante pandemia, milionários brasileiros desprezam mortos, ciência e dados”. Brasil de Fato, 27 de março de 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/03/27/por-lucro-durante-pandemia-milionarios-brasileiros-desprezam-mortos-ciencia-e-dados. Acessado em 07/04/2020. 

10 – Dono da RedeTV! pede fim de quarentena, compara à guerra e prevê colapso”. UOL, 25 de março de 2020. Disponível em: https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/25/dono-da-redetv-pede-fim-de-quarentena-compara-a-guerra-e-preve-colapso.htm. Acessado em 29/03/2020.

11 –   CUNHA, Joana. “Discurso de Bolsonaro não teve postura de líder de nação, diz grupo de empresários”. Folha de S. Paulo, 25 de março de 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2020/03/discurso-de-bolsonaro-nao-teve-postura-de-lider-de-nacao-diz-grupo-de-empresarios.shtml. Acessado em 29/03/2020.

12 – “Grupo de empresários promove carreata por fim de isolamento em Manaus”. A crítica, 27 de março de 2020. Disponível em: https://www.acritica.com/channels/coronavirus/news/grupo-de-empresarios-promove-carreata-por-fim-de-isolamento-em-manaus. Acessado em 07/04/2020. 

13 – ANÍBAL, Felippe. “Bolsonaro contra-ataca”. Piauí, 27 de março de 2020. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/bolsonaro-contra-ataca/. Acessado em 07/04/2020. 

14 –   MAIA, Gustavo; GULLIO, Daniel e PRAZERES, Leandro. Bolsonaro faz apelo em reunião com empresários: “não podem parar”. O Globo, 20 mar. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/bolsonaro-faz-apelo-em-reuniao-com-empresarios-nao-podem-parar-24318460>. Acessado em 20/03/2020. 

15 – Agência Indusnet Fiesp. “Skaf reúne empresários para discutirem  com Bolsonaro o enfrentamento ao coronavírus”. 20 de março de 2020. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/noticias/skaf-reune-empresarios-para-discutirem-com-bolsonaro-o-enfrentamento-ao-coronavirus/. Acessado em 1/04/2020.

 

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