Se todas as pandemias dos países fossem iguais, a figura abaixo seria como essa pandemia chegaria ao fim. A proporção do início ao pico das infecções por Covid-19 em todos os países seria de 40 a 50 dias. Muitos países ainda não estão próximos do ponto de pico e não há garantia de que o pico ocorrerá no mesmo momento, se os métodos de mitigação e supressão (testes, auto isolamento, quarentena e bloqueios) não estiverem funcionando da mesma forma. Mas, em última análise, haverá um pico em todos os lugares e a pandemia diminuirá – apenas para voltar no próximo ano, talvez.
O que está claro é que os bloqueios em muitas economias importantes estão e ainda irão proporcionar uma queda gigantesca na produção, investimento, emprego e renda na maioria das economias. A OCDE resume melhor a figurai. O efeito do impacto do fechamento de empresas pode resultar em reduções de 15% ou mais no índice de produção nas economias avançadas e nas principais economias de mercados emergentes. Na economia mediana, a produção diminuiria em 25%…. “Para cada mês de contenção, haverá uma perda de 2 pontos percentuais no crescimento anual do PIB”.
Recordando meu livro, The Long Depressionii, descobri que a queda do PIB desde o início da Grande Recessão em 2008 por 18 meses até o final, em meados de 2009, foi superior a 6% do PIB nas principais economias. O PIB real global caiu cerca de 3,5% nesse período, enquanto as chamadas economias de mercado emergentes não se contraíram (porque a China continuou a crescer).
Nesta pandemia, se as principais economias ficarem em lockdown (isolamento) por dois meses e talvez mais (o bloqueio de Wuhan na China não será aliviado até a próxima semana; portanto, são mais de dois meses), é provável que o PIB global se contraia em 2020 mais do que na Grande Recessão.
Obviamente, a esperança é que os bloqueios tenham vida curta. Como disse o secretário geral da OCDE, Gurria, “não sabemos quanto tempo levará para consertar o desemprego e o fechamento de milhões de pequenas empresas: mas não parece realista falar em uma recuperação rápida“. Claramente, a ideia do presidente Trump de que os EUA possam voltar aos negócios até, no máximo, o domingo de Páscoa não é realista.
No entanto, com a esperança de que os bloqueios sejam de curta duração e porque não há outra opção para suprimir a pandemia, os governos pró-capitalistas jogaram o que tinham a mão em suas economias para evitar o pior. A primeira prioridade foi salvar empresas capitalistas, especialmente as grandes empresas. Portanto, os bancos centrais reduziram suas taxas de juros para zero ou menos; e anunciaram uma infinidade de linhas de crédito e programas de compra de títulos que superam os resgates e medidas quantitativas de flexibilização dos últimos dez anos. Os governos anunciaram garantias e subsídios para empréstimos a empresas em valores nunca antes vistos.
Globalmente, estimo que os governos anunciaram pacotes de “estímulo” fiscal de cerca de 4% do PIB e outros 5% do PIB em garantias de crédito e empréstimo ao setor capitalista. Na Grande Recessão, os resgates fiscais totalizaram apenas 2% do PIB mundial.
Se considerarmos o pacote de USD 2 trilhões acordado pelo Congresso dos EUA, muito mais do que durante o colapso financeiro global em 2008-9, dois terços serão gastos em dinheiro direto e empréstimos que podem não ser pagos a grandes empresas (empresas de viagens etc.) e para empresas menores, mas apenas um terço deste para ajudar os milhões de trabalhadores e trabalhadores independentes a sobreviverem com folhetos e adiamentos de impostos.
O mesmo ocorre no Reino Unido e na Europa com os pacotes de pandemia: primeiro, salvar os negócios capitalistas; e segundo, repasses para os trabalhadores. Espera-se que os pagamentos para trabalhadores demitidos e autônomos estejam em vigor por dois meses e, muitas vezes, as pessoas não recebem dinheiro por semanas, senão meses. Portanto, essas medidas estão longe de fornecer apoio suficiente para os milhões que já foram bloqueados ou foram demitidos por suas empresas.
É realmente ingênuo, senão ignorante, que economistas premiados com o Nobel, como Joseph Stiglitz, Chris Pissarides ou Adam Posen, elogiem pacotes como os do governo do Reino Unido, apenas porque é “mais generoso” do que o dos EUA. “O Reino Unido merece crédito por realmente reverter sua austeridade e ser muito ambicioso e coerente“, disse Posen, que era um formulador de políticas na era da crise financeira no BOE. “A lista de desejos em termos de design, tamanho, conteúdo e coordenação – tudo é fantástico.” O arqui-keynesiano britânico Will Hutton resumiu o clima: “um Rubicon foi atravessado. O keynesianismo foi restaurado ao seu devido lugar na vida pública britânica.” Até os antigos austerianos se juntaram ao coro de elogios, incluindo o ex-chanceler britânico da austeridade, George Osborne.
O público britânico e americano também parece estar convencido de que os pacotes são generosos, já que as últimas pesquisas sugerem uma retomada do apoio ao mentiroso presidente Trump e ao primeiro ministro da Operação Última Gaguejada, Boris Johnson. Parece que em todos os lugares os governantes no turno ganharam apoio durante a crise. Isso pode não durar, no entanto, se os bloqueios continuarem e a recessão começar a morder profundamente.
A realidade é que o dinheiro que é deslocado para os trabalhadores, em comparação com os grandes negócios, é mínimo. Por exemplo, o pacote do Reino Unido oferece um pagamento de 80% dos salários para funcionários e trabalhadores autônomos. Mas, na verdade, isso não passa da taxa usual de benefícios de desemprego oferecida por muitos governos na Europa. O Reino Unido tinha uma taxa de benefício muito baixa que agora está sendo aumentada para a média europeia e mesmo assim apenas por alguns meses. E mais que isso, ainda existem milhões que não se qualificam para estes programas.
Além disso, nenhuma dessas medidas evitará a queda e são insuficientes para restaurar o crescimento e o emprego na maioria das economias capitalistas no próximo ano. Há toda a possibilidade de que essa queda pandêmica não tenha uma recuperação em forma de V, como a maioria dos analistas tradicionais está prevendo. Uma recuperação em forma de U (ou seja, uma queda que dura um ano ou mais) é mais provável. E há o risco de uma recuperação muito lenta, mais parecida com uma forma de L dobrada, como está aparecendo na China até o momento.
De fato, a economia convencional não tem certeza sobre o que fazer. A visão keynesiana é apresentada por Lord Skidelsky, biógrafo de Keynesiii. Skidelsky apontou que os bloqueios eram o oposto do problema keynesiano típico de “demanda deficiente”. De fato, é um problema de oferta deficiente, pois a maioria dos trabalhadores produtivos parou de trabalhar. Mas Skidelsky não vê dessa maneira. Veja bem, ele acha que não é um “choque de oferta”, mas um problema de “excesso de demanda”. Mas “excesso de demanda” é o espelho da “escassez de oferta”. A questão é por onde começamos: é certo que deve-se iniciar pela perda de produção e criação de valor, não com ‘excesso de demanda’?
Skidelsky nos diz que “uma recessão normalmente é desencadeada por uma quebra bancária ou um colapso na confiança dos negócios. A produção é reduzida, os trabalhadores são demitidos, o poder de compra cai e a queda se espalha por meio de uma redução multiplicada nos gastos. A oferta e a demanda caem juntas até que a economia se estabilize em um nível mais baixo. Nestas circunstâncias, disse Keynes, os gastos do governo devem aumentar para compensar a queda nos gastos privados.”
Os leitores do meu blog sabem bem que considero que, embora uma recessão possa ser “desencadeada” por um fracasso bancário ou “um colapso na confiança dos negócios”, esses gatilhos não são a causa subjacente das crises recorrentes no capitalismo. Por que as falhas bancárias nem sempre causam uma queda e por que as empresas repentinamente têm um colapso na confiança? A teoria keynesiana não nos dá essa resposta.
Skidelsky continua que, se a crise é de “excesso de demanda”, precisamos reduzir a demanda para ajusta-la à oferta! Eu teria pensado que seria melhor resolver a crise aumentando a produção para atender à demanda, mas lá vamos nós. Skidelsky ressalta que “não é que a empresa queira produzir menos. Ela é forçado a produzir menos porque uma seção de sua força de trabalho está sendo impedida de funcionar. O efeito econômico é semelhante ao recrutamento de guerra, quando uma fração da força de trabalho é extraída da produção civil. A produção de bens civis diminui, mas a demanda agregada permanece a mesma: é meramente redistribuída de trabalhadores que produzem bens civis para trabalhadores recrutados no exército ou realocados para produzir munições. O que acontece hoje será determinado pelo que acontecer com o poder de compra daqueles que se tornam obrigatoriamente inativos.”
Sério? Na economia de guerra, todo mundo ainda está trabalhando – na verdade, durante a Segunda Guerra Mundial, houve de fato pleno emprego quando a máquina de guerra foi montada. Atualmente, estamos caminhando para o maior aumento do desemprego em alguns trimestres da história econômica. Isso não é economia de guerra.
Skidelsky recorda que a solução de Keynes na economia de guerra para o “excesso de demanda” foi propor um aumento na tributação. “No panfleto Como pagar pela guerra (1940), ele disse que o consumo civil teve que ser reduzido para que recursos fossem revertidos para o consumo militar. Sem um aumento na poupança voluntária, havia apenas duas maneiras de reduzir o consumo civil: inflação ou impostos mais altos.” “A solução que ele e o Tesouro encontraram em conjunto foi aumentar a alíquota padrão de imposto de renda para 50%, com uma taxa marginal máxima de 97,5%, e abaixar o limite para o pagamento de impostos. Este último traria 3,25 milhões de contribuintes extras para a malha de imposto de renda. Todos pagariam os impostos aumentados exigidos pelo esforço de guerra, mas os pagamentos destes três milhões seriam reembolsados após a guerra na forma de créditos fiscais. Também haveria racionamento de bens essenciais.”
Uau! Portanto, a resposta de Skidelsky à atual crise é aumentar os impostos, mesmo para aqueles que estão na parte inferior da escala de renda, a fim de impedir que gastem demais e causem inflação! Ele conclui dizendo que a pandemia “deveria aprofundar nossa compreensão do que é ser keynesiano“. De fato.
A situação atual não é uma economia de guerra, como diz James Meadwayiv. Quando ocorreu a chamada pandemia de gripe espanhola, se deu precisamente no final da primeira guerra mundial. Essa pandemia matou 675.000 pessoas nos EUA e pelo menos 50 milhões em todo o mundo. A gripe não destruiu a economia dos EUA. Em 1918, ano em que as mortes por influenza atingiram o auge no país, as falências de empresas atingiram menos da metade do nível anterior à guerra e foram ainda mais baixas em 1919 (ver gráfico). Impulsionado pelo esforço de produção em tempo de guerra, o PIB real dos EUA aumentou 9% em 1918 e cerca de 1% no ano seguinte, mesmo com a gripe em pleno vapor.
Claro, naquela ocasião não houve bloqueios e as pessoas foram deixadas a própria sorte para morrer ou sobreviver. Mas o ponto é que, quando os atuais bloqueios pandêmicos terminarem, o que é necessário para recuperar a produção, o investimento e o emprego serão similares a de uma economia de guerra; não o resgate a grandes empresas com doações e empréstimos, para que possam voltar aos negócios normalmente. Essa queda só pode ser revertida com medidas semelhantes ao tempo de guerra, a saber, investimentos maciços do governo, propriedade pública de setores estratégicos e direção estatal dos setores produtivos da economia.
Lembre-se, antes mesmo do vírus atingir a economia global, muitas economias capitalistas estavam desacelerando rapidamente ou já em plena recessão. Nos EUA, uma das economias com melhor desempenho, o crescimento real do PIB no quarto trimestre caiu para menos de 2% ao ano, com previsões de desaceleração ainda este ano. O investimento das empresas estava estagnado e os lucros de setores que não o mercado financeiro estavam em trajetória descendente há cinco anos. O setor capitalista estava e ainda está sem condições de liderar uma recuperação econômica que poderia levar de volta ao pleno emprego e ao aumento da renda real. Isso exigirá que o setor público esteja à frente.
Andrew Bossie e J.W. Mason acabam de publicar um artigo perspicaz sobre a experiência desse papel do setor público na economia americana dos tempos de guerrav. Eles mostram que todos os tipos de garantias de empréstimos, incentivos fiscais etc. foram oferecidos pelo governo Roosevelt ao setor capitalista, para começar. Mas logo ficou claro que o setor capitalista não poderia cumprir o esforço de guerra, pois não investiria ou aumentaria a capacidade sem garantias de lucro. O investimento público direto assumiu o controle e a ordem dirigida pelo governo foi imposta.
Bossie e Mason descobriram que os gastos federais aumentaram de 8 a 10% do PIB na década de 1930, para uma média de cerca de 40% do PIB entre 1942 e 1945. E o mais significativo, os gastos com contratos em bens e serviços representaram 23% em média durante a guerra. Atualmente, na maioria das economias capitalistas, o investimento no setor público é de cerca de 3% do PIB, enquanto o investimento no setor capitalista é de 15% a mais. Na guerra, essa proporção foi invertida.
Eu havia mostrado o mesmo resultado em um artigo meu de 2012vi. Escrevi: “O que aconteceu foi um aumento maciço nos investimentos e gastos do governo. Em 1940, o investimento do setor privado ainda estava abaixo do nível de 1929 e, na verdade, caiu ainda mais durante a guerra. Assim, o setor estatal assumiu quase todo o investimento, pois os recursos (valor) foram desviados para a produção de armas e outras medidas de segurança em uma economia de guerra.” O próprio Keynes afirmou que a economia de guerra demonstrava que “é politicamente impossível para uma democracia capitalista organizar as despesas na escala necessária para realizar as grandes experiências que provariam o que sustento – exceto em condições de guerra”.
A economia de guerra não estimulou o setor privado, ela substituiu o “mercado livre” e o investimento capitalista pelo lucro. Para organizar a economia de guerra e garantir que produzisse os bens necessários para a guerra, o governo de Roosevelt gerou uma série de agências de mobilização que não apenas compravam bens, mas também dirigiam de perto a fabricação desses bens e influenciavam fortemente a operação de empresas privadas e segmentos de conjunto.
Bossie e Mason concluem que: “quanto mais – e mais rápido – a economia precisar mudar, de mais planejamento ela precisa. Mais do que em qualquer outro período da história dos EUA, a economia de guerra era uma economia planejada. A mudança rápida e maciça da produção civil para a militar exigiu uma direção muito mais consciente do que o processo normal de crescimento econômico. A resposta nacional ao coronavírus e a transição da redução de carbono também exigirão graus mais altos do que o normal de planejamento econômico por parte do governo.”
O que a história da Grande Depressão e da guerra mostrou foi que, uma vez que o capitalismo esteja no fundo de uma longa depressão, deve haver uma destruição e uma profunda destruição de tudo o que o capitalismo havia acumulado nas décadas anteriores antes que uma nova era de expansão se tornasse possível. Não existe uma política que possa evitar isso e ao mesmo tempo preservar o setor capitalista. Se isso não acontecer desta vez, a longa depressão que a economia capitalista mundial sofreu desde a Grande Depressão pode entrar por mais uma década.
As principais economias (e ainda mais as chamadas economias emergentes) terão dificuldade em sair dessa enorme queda, a menos que a lei do mercado e do valor seja substituída pela propriedade pública, investimento e planejamento, utilizando todas as habilidades e recursos do povo trabalhador. Essa pandemia deixou isso claro.
NOTAS
i http://oecd.org/coronavirus/en/
ii https://www.haymarketbooks.org/books/693-the-long-depression
iii https://www.prospectmagazine.co.uk/economics-and-finance/keynes-in-the-age-of-coronavirus-economy-recession-covid-19
iv https://tribunemag.co.uk/2020/03/the-anti-wartime-economy
v https://rooseveltinstitute.org/wp-content/uploads/2020/03/RI_WWII_Working-Paper_202003-1.pdf
vi https://thenextrecession.wordpress.com/2012/08/06/the-great-depression-and-the-war/
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