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OPRESSÕES

BBB e os feminismos

Giany Rodrigues*, de Porto Alegre, RS, e Gizelle Freitas*, de Belém, PA
Reprodução/TV Globo

O Brasil, assim como o mundo, todo vive uma grave crise sanitária por conta do novo coronavírus. Até o fechamento deste texto já morreram 43 mil pessoas e 873 mil infectadas/os, em diversos países do globo. No Brasil são, até este momento, 242 mortos e 6.880 mil infectadas/os. Todos os esforços dos diversos governantes (com exceção do Bolsonaro) são para conter essa pandemia.

É no meio de todo esse caos (quase apocalíptico) que milhões de brasileiras/os usaram o BBB 20 para se distrair, e nesse dia 31 de março aconteceu o maior paredão da história mundial dos reality show, com os seguintes participantes: Manu/Prior/Mari. Porém, essa edição já é um ponto fora da curva, desde o princípio, quando entraram na casa diversas mulheres fazendo a defesa do feminismo e o combate ao machismo. A edição, que ficou conhecida por conta da aliança da maioria delas para tirar a maioria dos homens, que de fato deram demonstrações bizarras de masculinidade tóxica, teve no referido paredão seu ápice. Mais de 1 bilhão e 500 milhões de votos tiraram o último da horda dos machistas que batia no peito com orgulho de tal – o Felipe Prior. O Brasil ficou verdadeiramente polarizado.

Mas este texto é uma tentativa de reflexão do que está por trás dessa disputa feminismo x machismo no principal programa de entretenimento da Rede Globo. O maior veículo de comunicação desse país faz uma seleção rigorosa de seus participantes. Logo, já sabia bem o perfil daquelas/es que estava colocando para dentro da casa. Quem acompanhou as edições anteriores sabe que já teve de tudo: assédio sexual, tentativa de estupro; violência psicológica; verbal; tentativa de agressão física, mas nenhuma teve tanta repercussão com a emissora, propositalmente, promovendo esse debate. E por que será?

A Globo se coloca na oposição (burguesa) do governo Bolsonaro, mesmo aprovando a política econômica desse. É fato que para um setor da burguesia ele não é o presidente mais viável, os motivos o próprio mostra diariamente. Bolsonaro é anti-povo, anti-negro, anti-gay e anti-mulher, um governante que reúne tudo aquilo que nós mulheres combatemos, um misógino mas que sabe a força que nós temos, por isso tenta nos combater em cada fala pública.

A luta entre a emissora e o presidente, que já ameaçou não renovar sua concessão se for reeleito em 2022, tem sido escancarada a cada dia. Em seus programas de humor há de forma recorrente o deboche contra os desmandos presidenciais, o núcleo jornalístico tem desmentido e contrariado constantemente seus delírios negacionistas no combate ao Covid-19 e agora o Big Brother parece ter entrado na disputa.

Qual feminismo do BBB20?

Primeiramente, é importante sim, que esse tema esteja entrando nas casas do povo brasileiro todas as noites, na mesma medida, o debate racial tendo à frente o Babu e a Thelma, é comum declarações de meninas nas redes sociais passando a se reconhecer como feminista e a reconhecer o que é o machismo em suas diversas formas, fazendo um paralelo com o programa. Contudo, é fundamental problematizar qual vertente do feminismo as participantes defendem, ou melhor, vejamos na citação abaixo.

“Embora condene a ‘discriminação’ e defenda a ‘liberdade de escolha’, o feminismo liberal se recusa firmemente a tratar das restrições socioeconômicas que tornam a liberdade e o empoderamento impossíveis para uma ampla maioria de mulheres.” Trecho do livro Feminismo para os 99%: um manifesto (Boitempo).

Não há feminismo libertador se não for também antirracista e anticapitalista. Nos unimos às feministas liberais no combate ao machismo, contudo nos separamos se avançamos na luta na defesa de um projeto de sociedade radicalmente oposto ao capitalismo, de liberdade e emancipação plena para os 99%, se questionamos os privilégios de classe, é intrínseco fazer a intersecção entre gênero/raça/classe. Veja outra citação do mesmo livro, que destaca o que nós defendemos:

”O feminismo que vislumbramos tem como objetivo atacar as raízes capitalistas da barbárie metastática… Ele luta pelas necessidades e pelos direitos da maioria das mulheres pobres e da classe trabalhadora, das racializadas e das imigrantes, das mulheres queer, das trans e das mulheres com deficiência… Não se limita às “questões das mulheres”. Defendendo todas as pessoas que são exploradas, dominadas e oprimidas…” (Feminismo para 99%: um manifesto).

O feminismo liberal, que é o feminismo defendido pela maioria das participantes do programa, não se propõe a avançar na luta coletiva pra derrotar o modo de produção capitalista. A saída delas é individual, obedecendo inclusive a uma lógica meritocrática, sem levar em consideração que o Brasil até a contemporaneidade vive resquícios do sistema escravocrata, ou seja, desconsideram que as mulheres negras estão na base da pirâmide social, nos piores trabalhos, recebendo os piores salários, ainda mais que a mulher branca, tendo seus corpos objetificados e hipersexualizados. Daí a necessidade da luta para combater na raiz o sistema que verdadeiramente nos oprime e explora.

“Nada que mereça o nome de ‘liberação das mulheres’ pode ser alcançada em uma sociedade racista” porque “embora todas soframos a opressão misógina, nossa opressão assume diferentes formas. Nem sempre perceptíveis de imediato, as associações de opressão devem ser reveladas no âmbito político – isto é, por meio de esforços conscientes na construção da solidariedade. Apenas dessa maneira, pela luta na e por meio da diversidade, podemos alcançar o poder coletivo de que precisamos se temos a esperança de transformar a sociedade” (idem.).

Se a luta das mulheres, de todas as mulheres, não tiver intimamente ligada à luta pela libertação de todos os oprimidos, incluído os homens negros, e explorados, será uma luta em vão.

 

* Giany Rodrigues e Gizelle Freitas são militantes da Resistência Feminista