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BRASIL

Pitacos sobre a conjuntura

Demian Melo
Marcos Corrêa/PR

Jair Bolsonaro, durante videoconferência com Governadores do Sudeste.

Já cantada por alguns analistas, a estratégia de Bolsonaro é afastar o custo da inevitável crise de seu colo. O colapso econômico e social é inevitável, mas vamos combinar que a economia brasileira já estava no chão antes do corona vírus.

A própria alegada recuperação da economia global era uma quimera, e no caso brasileiro o resultado do PIB do ano passado já apontava para dificuldades crescentes. (1) A pandemia só vai afundar de vez a economia global e essa não é uma boa notícia nem para os críticos do sistema, embora boa parte deles goste regularmente de se enganar a esse respeito.

Agora com a pandemia global os defensores do sistema têm uma oportunidade de reconstruir a memória imediata da dinâmica econômica e pela enésima vez atribuir sua causa a uma “externalidade” (corona vírus é a nova “mancha solar’). No plano político todos os governos do mundo estão em risco, mesmo aqueles que estão seguindo orientações confiáveis da comunidade científica e da Organização Mundial da Saúde. E infelizmente nessa crise o que nos aguarda não são os soviets de operários, camponeses e soldados.

Voltando ao Brasil de Bolsonaro e sua estratégia, a única chance deste manter seu incrível apoio popular é já fabricar responsáveis pela crise e se colocar como alguém que lutou contra o caos. Essa é a lógica da loucura. É verdade que até agora isso só tem convencido seus seguidores mais fanatizados, mas eles não são poucos. É certo também que essa estratégia não deve funcionar num prazo médio, especialmente quando o número de mortos crescer. Ele terá de convencer que seu discurso necropolítico sobre a “gripezinha” visa “salvar vidas”

Os sinais de que empresários (2) e o comando das Forças Armadas (3) concordam com a ideia de suspensão da quarentena mostra que ainda há fôlego, daí que minha opinião é de que esse artigo da Maria Cristina Fernandes no Valor desta quinta-feira, 26, (4) parece mais a organização do desejo de quem pretende por fim ao governo do que um exame da situação efetiva. Pode ser que, como na astúcia hegeliana, a ideia acabe se efetivando. Mas ainda é necessário um longo percurso para tal.

Uma parte da esquerda tem acreditado na tese do impeachment, avaliando até que um governo Mourão seria uma derrota do bolsonarismo. De minha parte considero isso um erro, não só por discordar dessa nova versão do “menos pior” como por acreditar que esse Congresso não aprovaria o afastamento de Bolsonaro. Mais fácil seria esse Congresso lhe dar o estado de sítio. E essa é, aliás, a razão dos movimentos do Planalto nas últimas semanas.

Espero estar vivo.

 

 

NOTAS

1 Recomendo o artigo de Flávio Miranda publicado nesse EOL. MIRANDA, Flávio. O desastre econômico e o COVID 19: a luta de classes pede passagem. Esquerda Online, 25/03/2020. 

2 –  Entre os empresários, além das declarações nojentas de Roberto Justus, Abílio Diniz e outros vermes, o grupo Brasil 200 (que organiza o principal apoio empresarial ao governo) manifestou discordância quanto à forma do pronunciamento de Bolsonaro na última terça, não ao conteúdo. Como revelou reportagem da Folha, o empresário Gabriel Kanner, presidente do Brasil 200, disse: “Por mais que eu concorde com o direcionamento, de que a gente tem de evitar o colapso econômico, e essa é a mensagem que ele tentou passar, a forma como ele se comunicou não passou segurança à população.” CUNHA, Joana. Discurso de Bolsonaro não teve postura de líder de nação, diz grupo de empresários. Folha de S. Paulo, 25/03/2020.

3 –  “BRASÍLIA – A narrativa do presidente Jair Bolsonaro de que há uma “histeria” de governadores e da imprensa na condução da crise envolvendo a pandemia do novo coronavírus encontra respaldo entre integrantes do Alto Comando das Forças Armadas. O Estado ouviu dez oficiais-generais sobre o discurso do presidente, que recebeu críticas por estar na contramão dos que o mundo prega para combater o avanço da doença.” MONTEIRO, Tânia. Discurso polêmico de Bolsonaro sobre coronavírus tem apoio de militares. O Estado de S. Paulo, 25/03/2020.

4 –  FERNANDES, Maria Cristina. A carta de renúncia. Valor, 26/03/2020.