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BRASIL

Um impeachment de Bolsonaro seria só mais um?

Marco Pestana, do Rio de Janeiro (RJ)
Agência Brasil

Jair Bolsonaro toma posse

Nos últimos trinta anos, o Brasil passou por dois processos de impeachment. Collor chegou à Presidência por um improviso da burguesia e era quase inteiramente dependente da cobertura favorável da imprensa empresarial para manter uma base social ampla em torno de seu governo. Uma vez que esse apoio se esfumaçou, ficou solto no ar, como demonstrado pelo fiasco das manifestações que convocou em sua defesa.

Dilma foi eleita pelo PT, partido que se estruturou a partir do maior ciclo mobilizatório da classe trabalhadora nos últimos 50 anos. Apesar disso, o processo de amoldamento do PT à ordem teve como um de seus pilares a construção ativa do quietismo e da burocratização dos movimento sociais organizados. Assim, quando se viu diante do impeachment, continuou apostando no jogo puramente institucional e se prestou ao patético papel de comparecer às sessões do processo para fornecer respostas técnicas, legitimando o circo que estava montado. Nunca apelou seriamente à pressão de manifestações para defender seu mandato, e aqueles setores da esquerda que o fizeram careciam da capacidade de convocação necessária para impedir o golpe.

Bolsonaro, por sua vez, nem é tão dependente das forças mais organicamente vinculadas às principais frações da burguesia, nem tem a conciliação por estratégia política. Assim, salvo a remota possibilidade de algum acordo muito bem costurado que lhe garanta total impunidade, é pouco provável que caia sem uma luta encarniçada. Nesse cenário, haveria uma aposta total em sua capacidade de mobilização dos grupos de extrema-direita, das bases da maioria das igrejas evangélicas, do submundo das policiais militares e das forças armadas. Ainda que constitua uma minoria social, essa base me parece ser longe de desprezível tanto em dimensão, quanto em fidelidade a Bolsonaro. Em meio à pandemia de coronavírus e à degradação da situação econômica, que gerarão um quadro social absolutamente dramático nas próximas semanas, essa característica do projeto político bolsonarista se torna ainda mais perigosa.

Por fim, antes que uma leitura apressada conclua que esse texto defende que a esquerda deveria se abster de movimentações pró-impeachment ou defende qualquer variante de “Fica, Bolsonaro”, esclareço que não se trata disso. O objetivo é apenas chamar a atenção para elementos que certamente estão sendo considerados nas movimentações do establishment político, das demais instituições do regime e das frações mais poderosas da burguesia, que são os agentes que hoje dispõem de reais condições para dirigirem politicamente um possível processo efetivo de impeachment. Sendo assim, seria bastante temerário que as forças da esquerda socialista também não os tomassem em conta em suas análises.

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Governo Bolsonaro