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CULTURA

Parasita: A decadência capitalista no cinema sul-coreano

Filme do diretor Bong Joon-ho venceu o Globo de Ouro 2020 na categoria “filme estrangeiro”

Elber Almeida, do ABC Paulista
Divulgação

O filme Parasita é um lançamento que trouxe muita repercussão no cinema mundial, sendo um dos principais, senão o principal título dos últimos anos no cada vez mais reconhecido cinema da Coreia do Sul. Seu enredo se passa no próprio país em que foi produzido e traz os dilemas de uma sociedade capitalista profundamente desigual e decadente, tida como exemplo de desenvolvimento social na periferia.

A Coreia do Sul é resultado direto da divisão da nação coreana após a Guerra da Coreia. O Norte passou a ser dirigido pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia e o Sul pelos aliados dos Estados Unidos. Com a queda da Cortina de Ferro no Ocidente e da URSS, a Coreia do Norte passou a sofrer com um extremo isolamento imposto por sanções econômicas, tendo como aliada circunstancial a China. O governo do país segue a chamada doutrina Juche, uma interpretação bem específica do socialismo mesclada a nacionalismo e militarismo.

O sul, com sucessivos governos favoráveis ao imperialismo, passou por um grande crescimento econômico nas décadas seguintes, fruto de vantagens obtidas através de um interessado apoio financeiro ocidental a este país, com objetivos geopolíticos de gerar um contraste com o norte e fortalecer uma barreira estratégica ao avanço do bloco rival. As mudanças econômicas do sul passaram a ser propagandeadas pelos governos e mídias do ocidente como exemplo a ser seguido, uma espécie de “milagre capitalista”.

Mas a Coreia do Sul é um país de contrastes. No país que é sede da multinacional Samsung, reportagens já mostraram o drama das idosas que, sem previdência social e numa sociedade extremamente competitiva, são prostituídas nas grandes cidades. Próximo a um bairro nobre da capital Seul existe a favela de Guryong, onde sobrevivem até quatro mil pessoas numa situação de imensa precariedade. Também existem sérios problemas democráticos quanto à liberdade sindical e restrições severas a manifestações políticas.

Em Parasite, enxergamos este país, muito distante do que nos apresentam a propaganda midiática ou rápidas pesquisas no Google. Uma família de trabalhadores se desdobra para sobreviver em meio ao desemprego, subempregos, enchentes e moradia precária. Sua vida é diametralmente oposta à existência de outra que também é central na trama, moradora de bairro nobre e residência de grande estilo arquitetônico, que tem como maior preocupação a criação de seus filhos em meio a cursos, passeios, jantares caríssimos, enquanto sente nojo do cheiro de seus empregados. Aqui o roteirista mostra de forma muito perspicaz a contradição entre capital e trabalho, refletindo sobre a existência do trabalhador e sua família na sociedade capitalista, em que tecnologia e opulência convivem com a precariedade dos empregos e da vida.

É um filme que vale a pena assistir pela sua perspectiva política, válida no contexto do mundo todo praticamente, mas também pela sua qualidade artística, uma mescla de trágico e cômico que faz os protagonistas terem suas questões trabalhadas sem a visão de martírio comum aos heróis ocidentais.

O cinema da Coreia do Sul tem outros títulos interessantes. Eu recomendaria “A Rede” de Kim Ki-duk (2016), que conta a história de um pescador da Coreia no Norte que sem querer vai parar no sul, onde sofre com autoridades e o choque social ao enxergar a desigualdade do país, além de “The Coast Guard” (2002) que fala sobre um soldado sul-coreano que enlouquece na vigia da fronteira com o norte.

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cinema / filme Parasita