O estado espanhol foi outra vez a votos no último domingo, depois de não ter sido possível formar um governo saído das eleições do passado dia 28 de abril, numas eleições marcadas pelo bloqueio político e pela questão da Catalunha que polarizou o país.
O peso do passado Franquista esteve muito presente, principalmente pela polarização entre o nacionalismo espanhol exacerbado e o independentismo, e foi especialmente visível durante o episódio da exumação dos restos mortais do ditador Francisco Franco da basílica de Valle de los Caídos que “coincidiu” com a campanha eleitoral.
A abstenção foi de 30%, ou seja, 10 milhões e meio de pessoas não foram votar num universo de cerca de 35 milhões de eleitores. Mostra a descrença no regime e o cansaço da população que foi chamada às urnas 6 vezes em 11 anos, 2 delas nos últimos 7 meses, sem vislumbrarem uma solução para o bloqueio existente para formar governo num país profundamente dividido e onde os efeitos da crise de 2008 ainda são muito visíveis, o desemprego jovem é de 32,4% e a divida pública que era de 36,1% do PIB em 2007, saltou para 93,4% em 2013 fixando-se hoje em 97,6%.
O PSOE1 foi o partido mais votado elegendo 120 deputados, tendo perdido 3 deputados e cerca de 727 mil votos em relação a abril. O PSOE obteve 6.752.983 votos fazendo uma campanha de denúncia sobre o Ciudadanos2 (Cs) e sobre Unidas Podemos3 (UP) por não permitirem a investidura de um governo do PSOE. O que se verifica é que a repetição de eleições não trouxe qualquer vantagem ao PSOE colocando mais pressão na busca de um acordo para poder governar e deixando cair algumas linhas vermelhas que existiam para algum acordo com UP, como ter ministros num governo de Sánchez.
O PP4 obteve mais 663 846 votos do que em abril, subindo de 16,7% para 20% e de 66 para 89 deputados, longe do resultado de 2016 onde teve mais 1 milhão de votos e ganhou com 33% obtendo 137 deputados. O PP consolida-se como 2ª força política, em abril estava a perder terreno para o Cs que tinha 57, e vai liderar a oposição depois da derrocada eleitoral do Cs que perdeu quase 2 milhões e meio de votos e 47 eleitos ficando com uma bancada de com apenas 10 deputados. Cs foi o grande derrotado destas eleições, pagou o preço de se ter recusado a participar em soluções de governo com Sánchez, vendo muitos dos seus votos serem transferidos para o VOX5 com uma posição mais dura sobre a Catalunha, em eleições pautadas por uma divisão entre espanholismo e independentismo, o discurso patriótico deu resultados.
O VOX que irrompeu nas eleições andaluzas de dezembro de 2018 foi o grande vencedor destas eleições, com 15.09% arrecada 3.640.063 votos e passa de 5ª para 3ª força política nacional. A subida vertiginosa do Vox, de 10% para 15% onde ganham quase 1 milhão de votos parece em grande parte reação a uma crise de identidade desencadeada pelo conflito catalão. Apresenta-se como um partido pela redução de impostos, revogação da lei da violência de gênero, defensor dos valores católicos e da família tradicional e tem um programa reacionário claro, que pretende um retrocesso nos direitos das mulheres e oprimidos, querendo quebrar a Catalunha pela força ilegalizando os partidos independentistas. Alem de ser o partido mais votado em Múrcia com 28%, ganhou em Ceuta com 35.29% e teve uma boa votação em Melilla onde tem 18.42%, cidades autónomas do Norte de África onde a maioria da população é espanhola e cristã, onde existe uma minoria muçulmana importante, e que estão na linha da frente da europa fortaleza contra a pressão migratória.
UP cai de 14,31% para 12,84% perdendo 635.744 votos e mantem-se como a 4ª força política nacional, era 3ª nas eleições de 2016 quando obteve mais 2 milhões de votos e teve 21,1%, tendo sido ultrapassado agora pelo VOX. A campanha foi quase toda marcada pela exigência ao PSOE de fazer um “Governo de coligação progressista” com presença de membros do UP no executivo e também como no caso do PSOE que não foram de todo beneficiados com a repetição das eleições.
Em pior relação de forças, Pablo Iglesias começou de imediato a preparar o partido para as “limites e contradições que vão encontrar e para as várias cedências que vão ter de fazer” pedindo paciência aos militantes justificando que “o céu se toma com perseverança”. Menos de 48h depois dos resultados serem conhecidos, PSOE e UP fecham um pré-acordo de 10 pontos vagos, uma declaração de intenções sem qualquer medida concreta (Acordo entre UP e PSOE).
Quanto aos partidos independentistas catalães, apesar da Esquerda Republicana da Catalunha6 (ERC) apenas se candidatar nas províncias da Catalunha, onde é a principal força política, passa agora a ser 5ª a nível nacional ultrapassando o Cs. No entanto, perdeu 145.421 votos e um deputado, somando agora 13. JxCat7 aumenta 30 mil votos e ganha mais um deputado ficando com 8 representantes. A ERC com JxCat governam juntos a Generalitat8 da Catalunha, como representantes da burguesia catalã, e são responsáveis pela repressão dos mossos d’esquadra nas ruas de Barcelona ao mesmo tempo que defendem a independência da Catalunha.
As Candidaturas de Unidade Popular (CUP), principal força da esquerda anticapitalista na Catalunha, tiveram 244.754 votos obtendo 1.01% a nível nacional. Na Catalunha, com 6.35%, tiveram mais votos que Cs e VOX, 1.000 e 28.000 respetivamente ficando a 40 mil votos do PP. Veremos se continuam a cometer o mesmo erro de diluir as reivindicações da classe trabalhadora na luta pela independência como ocorrido até agora. O independentismo no estado espanhol sempre teve limitações, foram até agora incapazes de colocar bandeiras que sejam do interesse do conjunto da classe trabalhadora da Catalunha e da Espanha de forma a unificá-las numa luta comum contra austeridade, em defesa dos direitos, do emprego e dos salários e romper o cerco nacional que existe à luta pela independência Catalã.
Neste momento a solução governativa ainda não está fechada, depois do pré-acordo e das promessas de lealdade de Pablo Iglesias a Pedro Sánchez, a existência desta frente popular preventiva ainda depende do apoio ou da abstenção de outros partidos no Congresso dos Deputados, incluindo independentistas, nacionalistas e regionalistas. PSOE e UP juntos têm 155 deputados, insuficiente para formar governo, por isso durante as próximas semanas vão ter de procurar o apoio do MÁS País9 com 3 deputados e Partido Nacionalista Basco10 (PNV) com 7 que se mostram favoráveis a aceitar a coligação, da ERC com 13 deputados e do EH Bildu11 basco com 5 deputados que colocaram condições para dar luz verde à solução, entre outros. Matemática à parte, tudo indica que ela primeira vez na sua história, o estado espanhol terá um governo de coligação do qual ainda não se conhece a composição embora fontes do PSOE tenham dado a entender que Pablo Iglesias está na calha para ser vice-presidente. Ainda está por ver quantos e quais gabinetes serão atribuídos ao UP nesta frente popular a que Iglesias chama de “vacina contra a extrema direita”, mas que tragicamente não só não é isso como também não vai resolver os problemas dos trabalhadores do estado espanhol ou da Catalunha.
É fundamental o fim da repressão do governo centralista autoritário de Madrid seja o do PSOE de Sánchez ou do governo que se prepara PSOE/UP e a libertação de todos os presos políticos respeitando o direto à independência das nacionalidades que assim o desejem, a caminho da construção de uma sociedade liberta da exploração capitalista num estado espanhol republicano, livre da monarquia dos Bourbons e onde sejam tidas em conta as aspirações legítimas do povo catalão e das outras nacionalidades do estado espanhol.
1 PSOE – Partido Socialista Operário Espanhol – Partido social democrata que junto com o PP era um dos componentes do bipartidarismo espanhol
2 Ciudadadanos – Partido defensor do liberalismo económico, pró EU e opositor à independência da Catalunha
3 Unidas Podemos – Aliança entre o Podemos de Pablo Iglesias e Esquerda Unida (IU), organização animada pelo antigo Partido Comunista Espanhol
4 PP – Partido Popular, Partido clássico da direita espanhola e um dos componentes do bipartidarismo espanhol
5 VOX – Partido de extrema direita fundado em 2013 por antigos membros do PP insatisfeitos com a política seguida pelo governo de Rajoy em relação à ETA, bem como a sua oposição ao Estatuto das Autonomias, defendendo um estado espanhol mais centralista.
6 Esquerda Republicana da Catalunha – Partido social democrata independentista Catalão
7 Junts per Catalunya – partido político burguês na Catalunha centrado em torno do ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemon
8 Generalitat da Catalunya é o sistema institucional em que se organiza politicamente o autogoverno da Comunidade Autónoma da Catalunha. Está formada pelo Parlamento da Catalunha, pelo Governo da Catalunha, pelo Presidente da Catalunha, e por outras instituições que o estatuto e as leis estabelecem.
9 MÁS País – Plataforma eleitoral formada por Íñigo Errejón (antiga segunda figura pública do Podemos) em torno de Más Madrid para evitar a insatisfação dos eleitores de centro-esquerda pelo fracasso no processo de formação do governo entre o PSOE e UP
10 Partido Nacionalista Vasco – Partido Nacionalista Basco de centro direita
11 Euskal Herria Bildu – Partido nacionalista basco da esquerda abertzale
Resultados Eleitorais do Estado Espanhol de 10 de Novembro 2019
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