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BRASIL

Bruno Covas veta projeto de lei de passe livre no transporte público para estudantes de cursinhos populares de São Paulo

Cordenadore(a)s do Cursinho Popular da ZL – militantes do Afronte São Paulo
Rovena Rosa/Agência Brasil

São Paulo – Paralização dos motoristas de ônibus e cobradores, Terminal Bandeira, região central. ( Rovena Rosa/Agência Brasil)

Em setembro de 2016, foi apresentado, na Câmara Municipal de São Paulo, o Projeto de Lei 508/16 em coautoria de vereadores de diversos paridos (PT, PSOL, PSC e PSDB), que instituía o passe livre no transporte público para os estudantes de cursinhos comunitários e populares.

O PL508/16 foi aprovado por maioria em 2º turno na Câmara dos Vereadores no último 16 de outubro, mas o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), tendo como data limite para sancionar o projeto o último 13 de novembro, desprezou as mobilizações populares dos cursinhos organizados, sobretudo através da Frente de Cursinhos Populares, estudantes, educadores e educadoras e acabou por dar veto total ao projeto, aplicando, como de praxe, justificativas jurídicas de “inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”.

No mesmo 13 de novembro, nos deparamos com a divulgação do informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que aponta para o fato histórico de que em 2018, pela primeira vez, a proporção de matrículas de pretos e pardos – constituição da população negra – no ensino superior público brasileiro superou a metade das matrículas[1].

A proporção da população jovem negra – na faixa etária dos 18 aos 24 anos – que entraram nas universidades passou de 50,5% em 2016 para 55,6% em 2018. Ponderando, que ainda permaneceu atrás da proporção de ingresso da juventude branca, que foi de 78,8% na mesma faixa etária.

É sim uma grande notícia que a população negra, enfim, tenha superado a metade dos estudantes ingressantes no ensino superior da rede pública (50,3%). Entretanto, temos que manter atenção para a permanência de sub-representação da população negra no acesso ao ensino superior público, que constitui a maioria na população com 55,8%.

Inegavelmente passos foram dados na direção de ampliar a democratização do acesso ao ensino superior. Concordamos que os avanços são implicações das medidas adotadas a partir dos anos 2000 – institucionalização federal da lei de cotas (Lei 12.711 de 2012) na rede pública, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Sistema de Seleção Unificada (SiSU), o Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni) –, e especialmente que foram conquistas ampliadas durante os governos do Partido dos Trabalhadores. Contudo, esse olhar puramente voltado para as políticas de Estado não pode encobrir o papel dos movimentos sociais e da luta de classes para os avanços.

Entendemos que é elementar acrescentar à discussão a centralidade das históricas lutas travadas pelos movimentos sociais, destacando, por exemplo, o papel dos movimentos que organizam negras e negros nas mais diversas lutas e que também voltaram-se para reivindicar conquistas no acesso à educação. É de se notar, que uma das maiores expressões desses movimentos pós anos 2000 foram as ampliações no número de cursinhos comunitários e populares em todo o país.

Na cidade de São Paulo coexistem mais de uma centena desses projetos de cursinhos comunitários e populares. A maioria carrega em comum serem trabalhos voltados para jovens de baixa renda e moradores dos bairros periféricos da capital paulista. Esses cursinhos ocupam nos movimentos populares organizados na sociedade civil não apenas uma alternativa para que jovens de baixa renda da classe trabalhadora – maioria negras e negros – se prepararem para o ENEM e demais vestibulares, como possibilitam experiências de mobilizações políticas e cultural para a juventude das periferias.

Compartilhamos com vários desses cursinhos comunitários e populares a compreensão de que nossas tarefas vão além da democratização do ensino superior. Defendemos uma educação pública de qualidade e equitativa do ensino básico ao superior – afastando-nos do voluntarismo ou de qualquer pretensão de arcar com as responsabilidades que são do Estado em garantir esse direito social –, impulsionando o avanço de consciência de nossos educandos na resistência contra os ataques obscurantistas a liberdade de conhecimento e precarização da educação pública projetados pelo governo Bolsonaro e seu Ministro da Educação Abraham Weintraub. Avançamos consciências, pois vamos além da “educação formal”, dos conteúdos e disciplinas da educação básica. Incorporamos em nossas ações pedagógicas a perspectiva de educação Histórico-Crítica, que ressignificam as relações de nossos educadores e educandos com o conhecimento e suas práticas. Buscamos construir coletivamente uma concepção de mundo contra hegemônica e consciente das contradições e injustiças do capitalismo, das opressões e da luta de classes.

Segundo o “Estudo de impacto econômico da implementação do passe livre para estudantes de Cursinhos Populares de São Paulo”, entregue pela Frente de Cursinhos Populares a SPTrans em setembro, a implantação do passe livre para estudantes de cursinhos populares representaria “apenas 0,02% da Receita Total do Município de São Paulo e 0,33% do orçamento da Secretaria de Transportes de São Paulo”. Um impacto pequeno, tendo em vista, tratar-se do orçamento da cidade mais rica do país, mas de extrema importância para a permanência dos estudos daqueles que frequentam cursinhos populares.

Como também ressaltou a Frente de Cursinhos Populares, o prefeito desconsiderou o clamor popular “materializado em uma campanha que envolveu 5 atos públicos, reportagens na imprensa, ações nas redes sociais, além de um abaixo-assinado virtual a favor da sanção do PL 508/16 com mais de 7 mil assinaturas”.

Podemos indicar como exemplo concreto de impacto negativo do veto, nosso trabalho de construção do Cursinho Popular da ZL. O CP da ZL está localizado em São Miguel Paulista, bairro periférico da Zona Leste da capital. Trabalho incipiente, mas que já em 2019 alcançou 48 matrículas, mostrando êxito no acesso a jovens da região com anseios de cursar ensino superior e que não podem arcar com mensalidades de cursinhos comerciais. No entanto, nos deparamos ao longo dos meses com o alto número de evasão finalizando o ano letivo variando entre 8 e 10 educandos presentes nos sábados letivos.

Mapeando os principais motivos das evasões – de certa forma sem surpresas – nos deparamos com duas justificativas recorrentes: 1) desistências pela necessidade de procurar emprego – e em alguns casos ingressos – para complementar a renda familiar; 2) as dificuldades de permanência, devido os custos com transporte para o deslocamento até a escola. Isso, evidência como dificuldades materiais foram impositivas na desistência de vários educandos. Obviamente esse é um relato específico, mas apostamos que essas dificuldades são compartilhadas pela maioria dos mais 15 mil estudantes que frequentam cursinhos populares e comunitários em toda à cidade de São Paulo.

Por isso, denunciamos a decisão de Bruno Covas (PSDB), que deve ser caracterizada para além dos subterfúgios jurídicos do veto. O mesmo prefeito que autorizou a venda de 41 terrenos públicos através Plano Municipal de Desestatização, sendo que dois terrenos da lista de venda são de escolas municipais em benefício do setor imobiliário. Covas apenas foi coerente com a política de deseducação do seu partido PSDB, que opera a mesma lógica no Governo Estadual de João Dória, que fecha salas de aulas, precariza as condições de trabalho dos nossos professoras e professores e impulsiona a mercantilização da educação pública. Covas permaneceu fiel aos interesses dos empresários do setor de transportes da nossa cidade. Fiel aos estratos da classe mais abastada, que não aceitam ver a juventude periférica, negra, trabalhadora, vinda de cursinhos populares assumindo assentos nas universidades públicas.

Saudamos as ações da Frente de Cursinhos Populares na campanha pela aprovação e sanção do PL508/16. Estaremos juntos na continuidade da luta pela conquista do passe livre para nossos educandos e resistindo contra todos aos retrocessos.

PASSE LIVRE PARA CURSINHOS POPULARES JÁ!

[1] A base de comparação origina-se nos dados do suplemento de educação Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – Contínua (Pnad – Contínua) aplicados desde o ano de 2016.