No último domingo, os argentinos foram as urnas para eleger seu presidente, renovar metade da Câmara de Deputados e do Senado, eleger o Governador da Província de Buenos Aires e o prefeito da cidade de Buenos Aires. O resultado geral foi uma vitória do peronismo com o candidato Alberto Fernández, 48,1% dos votos, contra 40,4% do atual presidente Maurício Macri (até o final deste artigo, a apuração estava em 97% das urnas). Na Argentina, diferentemente do Brasil, o candidato leva no primeiro turno caso tenha mais de 45% dos votos válidos (o que aconteceu) ou mais de 40% com diferença de mais de 10% para o segundo.
Neste artigo pretendemos avaliar os motivos que levaram a derrota de Macri e qual foi o tamanho desta derrota.
A Argentina vai mal…
Após anos de governos kirchneristas, Macri ganhou as eleições em 2015 e assumiu o governo marcando uma virada neoliberal. Prometeu diminuir os gastos do Estado, privatizar para “reativar” a economia do país, “reabrir” a economia para investimento externo, etc. Pegou um país que estava se recuperando da crise econômica (queda de 2,5% em 2014 e crescimento de 2,5% em 2015). De lá para cá, o país só piorou.
O PIB da Argentina diminuiu nos quase quatro anos de governo Macri: em 2016, -2,3%; em 2017, cresceu 2,9%; em 2018, nova queda de -2,8%. A perspectiva para esse ano é de queda novamente: o resultado acumulado é de 0,3% nos dois primeiros trimestres, porém a expectativa é de queda nos dois últimos trimestres devido as turbulências ocorridas nos últimos meses, principalmente no pós-PASO.
Dois dados econômicos são importantes para entender o impacto dessa queda da economia argentina. O Peso Argentino se desvalorizou mais de 80% nesses quatro anos, enquanto a inflação acumulada nos últimos anos chegou a aproximadamente 150% (40% 2016, 24,8% 2017, 47,6% 2018 e 37,7% até setembro de 2019).
Outro dado econômico importante é sobre a dívida pública. A dívida aumentou de U$ 240 milhões em 2015 para U$ 337 milhões no Segundo Trimestre de 2019, subindo de 52,6% (Dívida x PIB) para 80,7% (https://www.argentina.gob.ar/hacienda/finanzas/presentaciongraficadeudapublica). Um crescimento brutal que pode ser explicado pela baixa atividade econômica e pela política de atrelamento de Macri com o Fundo Monetário Internacional que emprestou ao país e exigiu uma política de maior austeridade (https://esquerdaonline.com.br/2018/06/08/argentina-volta-ao-fmi-acordo-de-emprestimo-de-50-bi-aumenta-dependencia-do-pais/).
Esses dados econômicos refletiram na piora geral da vida para os argentinos. No primeiro semestre de 2019, o índice de pobreza subiu de 32% para 35,4% – maior índice desde a crise de 2001 – com mais de 10 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Além disso, houve um crescimento de pessoas abaixo da linha de indigência, nível no qual a pessoa não consegue satisfazer nenhuma das suas necessidades básicas, com 7,7% da população nesta situação miserável (https://exame.abril.com.br/economia/pobreza-aumenta-na-argentina-e-atinge-35-da-populacao/).
Essa política econômica de destruição nacional foi combatida pelos movimentos sociais. Foram ao todo 6 greves gerais – a última em maio deste ano. As mobilizações contra a Reforma da Previdência em 2017 e as históricas mobilizações de mulheres pelo direito ao aborto em agosto de 2018 foram os pontos principais da luta contra a política macrista. Foi por essa resistência que, mesmo com derrotas parciais, se conseguiu formar uma maioria antimacrista. Essa maioria optou, seguindo as direções políticas do peronismo, do kirchnerismo e da CGT (principal central sindical) em esperar as eleições para derrotar Macri nas urnas.
Fernandes ganhou, porém…
A vitória de Fernández já era esperada. Não à toa, desde a PASO (primárias ocorridas em Agosto), o candidato peronista não parou de fazer acenos aos empresários e ao FMI que será um presidente confiável, propondo um “pacto social” entre trabalhadores e empresários para retirar o país da crise.
Enquanto fator político, podemos explicar a vitória de Fernández por dois motivos principais: o desgaste de Macri e a unidade do peronismo. Fernández conseguiu juntar duas das principais alas do peronismo: a de Cristina Kirchner (vice de Fernández) e a de Sergio Massa (que encabeçou a lista de deputados por Buenos Aires).
Já Macri, para tentar recuperar o terreno perdido na PASO, fez um giro à direita, radicalizando o discurso conservador, principalmente misógino. Quase deu certo: subiu mais de 2 milhões de votos entre agosto e outubro, aumentando de 32,1% na PASO para 40,5% nas eleições. Por outro lado, Fernández perdeu cerca de 1,4% de votos, ficando a diferença final em aproximadamente 2 milhões.
De onde Macri tirou esses votos? Além dos votos perdidos por Fernández, houve um aumento de 4% no número de votantes com cerca de 1 milhão de eleitores a mais indo às urnas. Houve uma diminuição de votos brancos (de 3% para 1,5%) e nulos (1,21% para 0,9%) da PASO para as eleições. E, dada a polarização, houve uma migração massiva de votos dos outros 4 candidatos para Macri: Lavagna perdeu cerca de -2,3%; Del Caño -0,8%; Centurión -1%; Espert -0,8%. É importante registrar que Macri perdeu na província de Buenos Aires (assim como sua candidata a governadora), porém venceu na cidade de Buenos Aires (assim como seu candidato a prefeito da cidade) e foi vitorioso em províncias com grande eleitorado como Córdoba e Mendoza.
Talvez onde mais se expressou o fortalecimento eleitoral do macrismo entre as primárias e a eleição foi na Câmara de Deputados: o partido de Macri, Cambiemos, ganhou 9 cadeiras, subindo de 47 para 56 deputados, enquanto o peronismo manteve a mesma quantidade de 68 deputados. Vale lembrar que a renovação foi parcial: apenas 130 cadeiras foram renovadas. As outras 127 serão renovadas em 2021. Considerando esse cenário, o peronismo precisará de outros partidos para ter a maioria, dado que tem apenas 120 dos 257 deputados.
Já no Senado, o peronismo foi mais forte e conseguiu ampliar sua representação de 12 para 15 senadores, enquanto Cambiemos manteve o número de Senadores. Essa ampliação deu a maioria de 37 senadores para o peronismo de 72 ao total.
A esquerda socialista
A esquerda socialista esteve representada nas listas da Frente de Izquierda de los Trabajadores – Unidad. Como já adiantamos, a FIT diminui sua votação entre as primárias e as eleições, terminando com aproximadamente 2,15% dos votos – entre 500-600 mil votos. A diminuição foi também em relação as eleições de 2015, quando a FIT conseguiu 3,23% com mais de 800 mil votos.
Os resultados demonstram por um lado, a consolidação da FIT como uma alternativa eleitoral da esquerda socialista. É bastante minoritária, mas não é um fenômeno conjuntural. Para dar como exemplo, na Cidade de Buenos Aires, a FIT conseguiu 6,12% dos votos para deputados nacionais com aproximadamente 119 mil votos (subindo sua votação em pouco mais de 10 mil votos em relação a 2015 e também em relação a 2017). Por outro lado, dado a polarização entre Fernández e Macri e o crescimento do voto macrista, a FIT acabou diminuindo sua representação na Câmara de Deputados, perdendo 1 deputado.
Num momento em que aparentemente estamos indo para uma situação mais favorável na América Latina, na qual há um levante latino-americano no Equador, no Chile, no Haiti e em Honduras, a votação da FIT não pode ser desprezada. Ela significa um ponto de apoio para uma saída socialista e deve ser reivindicada por todos nós. Porém devemos ter cautela para fazer o debate: na Argentina, o peronismo se recompôs da derrota eleitoral de 2015 e demonstrou-se como alternativa ao neoliberalismo conservador que se apossou de nossos países. Para a esquerda socialista, é necessário reconhecer nossos limites em se construir como alternativa para, sem sectarismos, trilhar um caminho em direção às massas.
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