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MUNDO

Até onde vai a revolta popular no Iraque?

Gabriel Santos, de Maceió (AL)

O mês de outubro começou tenso no Oriente Médio. No Iraque milhares se rebelaram contra as condições de vida atuais e o governo. Foram dez dias seguidos de protestos massivos, na capital e no interior. A fumaça de pneus formando barricadas nas ruas se misturava com a poeira do ambiente. Nestes dez dias de protestos milhares foram às ruas, cerca de seis mil ficaram feridas pelas forças repressoras e mais de 100 pessoas morreram.

Os protestos e marchas tiveram um caráter espontâneo nítido e um rosto jovem. Os iraquianos pediam melhores serviços básicos, emprego e levantavam palavras de ordem contra a corrupção.

A situação no país é caótica após a ocupação do imperialismo norte-americano e a guerra contra o Estado Islâmico. O país está sendo saqueado por monopólios estrangeiros, em cooperação com a elite nacional, que deixam o povo trabalhador na miséria.

O Iraque é o terceiro maior exportador de petróleo do mundo, mas toda essa riqueza não acaba distribuída na mão do povo, mas sim de sua elite corrupta e das empresas estrangeiras. Para se ter uma ideia, o desemprego atinge 30% da população, mas entre os jovens de até 25 anos esse número sobe para mais de 40%.  E apesar do setor petrolífero representar 65% do PIB e 90% da receita do governo, esse setor emprega apenas 1% da população. 

Os empregos no Iraque estão concentrados na administração pública (60%), onde se tem um alto nível de corrupção. A maior parte da população não possui água potável e o fornecimento de eletricidade é frequentemente interrompido. No Iraque pós-invasão, somente as transnacionais do petróleo não podem reclamar do acesso a água e a eletricidade. Enquanto isso, o Estado Iraquiano em acordo com os Estados Unidos gasta 4,2 bilhões de dólares na compra de aviões de combate F-16.

Hoje, 60% dos iraquianos têm menos de 25 anos. Ou seja, viveram durante toda sua vida sob ocupação estrangeira e diante da guerra. Não viram serviços públicos de qualidade e convivem diariamente com a pobreza (vivem com menos de 6 dólares por dia), que já atinge 27% da população. Essa geração de iraquianos não se lembra do tempo de Saddam Hussein, ou de como o país era antes de Bush lançar sua Guerra ao Terror. 

As manifestações que tiveram início no primeiro dia de Outubro foram convocadas pelas redes sociais, através de perfis privados e foram se multiplicando. Os protestos estão principalmente entre a população xiita do país, e mais concentrado na região sul. O resultado, além da repressão foi que em todo país 51 prédios de instituições públicas foram destruídos e incendiados.

Após as manifestações terem se tornado massivas, na quinta-feira dia 03, um dos principais clérigos xiitas do país, Muqtada al Sadr, chamou seus seguidores, conhecidos como Sadristas, para participarem das manifestações de forma pacífica. A coligação de Sadr foi vencedora da eleição ocorrida no meio do ano passado para o parlamento, onde estava em uma coligação que incluía, inclusive, o partido comunista, mas apesar disso, não conseguiu formar o governo. 

Por outro lado, Faleh al-Fayyad um dirigente da Hashd al-Saabi (Forças de Mobilização Popular), um grupo militar incentivado pelo Estado, disse que seu grupo está pronto para implementar as ordens do governo e evitar um golpe de Estado.

O primeiro-ministro, Adel Abdul Mahdi, antes de qualquer coisa, discutiu com o secretário dos Estados Unidos, Mike Pompeo, por telefone. Cinco dias após o início dos protestos, Abdul Mahdi emitiu um plano de reformas com 13 pontos centrais, focando em moradia, projetos de treinamento para os jovens desempregados, auxílio para os mesmos.

Os protestos continuaram pelo país, a repressão também se intensificou. Mike Pompeo chegou a recomendar ao governo iraquiano “usar força máxima contra aqueles que violarem os direitos humanos”, em uma tentativa de criminalizar os manifestantes.

Após dez dias ininterruptos de protestos e de forte repressão, às ruas de Bagdá aos poucos voltam a ter vendedores, ambulantes, um trânsito caótico no horário de largada das crianças da escola.

Mas a pergunta que não quer calar é quando os milhões de jovens que tomaram as ruas nesses dez primeiros dias de Outubro voltarão a cena política novamente? A realidade econômica do país, a disposição de luta dos iraquianos, e a pouca capacidade política da elite governante, é um indício de que logo as massas iraquianas se levantarão novamente. O governo por meio da repressão e da violência, que assassinou mais de 100 pessoas, conseguiu impedir o movimento de se fortalecer. Mas somente a violência não vai ser suficiente para impedir a vontade e o desejo de mudança de um povo que resistiu bravamente a invasão imperialista.

Estes jovens que tomaram as ruas neste início de outubro, não têm idade para se recordar como era o país no tempo de Saddam, e mal se lembram da invasão liderada pelos Estados Unidos. Mas, eles sabem bem o que é o desemprego, a corrupção, a opressão religiosa, a falta de oportunidades, e do que uma elite injusta é capaz.

Eles vão às ruas por um país com oportunidades, segurança, prosperidade, mais igualdade social, e cada vez menos tem esperança no fundamentalismo religioso como uma alternativa. 

Estes jovens cantavam nas ruas em plenos pulmões: “esse sistema precisa mudar”, e batizaram sua revolta popular de dez dias, de “revolta da fome”. Uma aparente contradição. Revoltaram-se por terem nada e exigem muito. Mas essa é outra questão que somente a luta do povo iraquiano poderá responder: quando se tem tão pouco, porque não pedir e querer muito?

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