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MUNDO

O caráter da China atual e a defesa das mobilizações em Hong Kong

Equipe Internacional do Esquerda Online

MCDonalds em Pequim

Na última terça-feira, dia 1º de outubro, lembramos os 70 anos da Revolução Popular na China. Um evento de grande relevância história e um marco na construção de uma experiência de superação do capitalismo, mesmo que interrompida pela direção do Partido Comunista.

Apesar das enormes transformações da China nas últimas décadas, é muito importante lembrar e comemorar o aniversário da Revolução Chinesa, afinal ela foi um dos processos mais grandiosos de transformações sociais do século XX.

A expropriação da burguesia e do Imperialismo e a planificação da economia chinesa permitiram transformar uma imensa colônia num país independente, apesar de todo o controle burocrático exercido pela burocracia governante.

Entretanto, por mais contraditório que possa parecer, foi pelas mãos da direção do Partido Comunista Chinês (PCCh) que a partir do final da década de 70 do século passado se iniciou um processo de restauração do capitalismo neste grandioso país.

Atualmente, apenas adeptos de uma idolatria cega ao PCCh podem deixar de observar o óbvio: que na China existe um Estado capitalista, sob controle ferrenho de uma burocracia estatal governante.  

Defender que na China existe algo de socialismo, na atualidade, na verdade é apenas distorcer a História das últimas décadas. É desconhecer uma terrível derrota, que foi a restauração do capitalismo, não só na China, como na ex-URSS e no Leste Europeu.

Basta observar o surgimento de uma poderosíssima burguesia no país e o fim do planejamento econômico, mesmo com a manutenção de controles estatais, como muitos países fizeram e fazem, sem que por isso sejam estados socialistas.

Mas a outra face desse processo é a sistemática repressão aos trabalhadores, camponeses e setores populares que têm lutado aos milhões ao longo das décadas por seus direitos mais elementares. Sem poder organizar sindicatos independentes do controle estrito do estado e do Partido Comunista, sem que haja direito de greve, de manifestação e de expressão. Enfim, exploração e opressão como em qualquer outro país capitalista. É incrível que correntes que reivindicam o socialismo se esqueçam desses “detalhes”

Uma análise crítica da restauração capitalista na China é fundamental, pois ela demonstra de forma cabal que o agente principal da restauração foi antes de tudo a própria burocracia chinesa, sempre associada ao imperialismo ocidental, seja os EUA ou a Inglaterra.

Neste sentido, não chega a surpreender que Kátia Abreu tenha postado uma mensagem de congratulação pelos 70 anos da revolução chinesa, ou a FIESP, isso mesmo a Federação das Indústrias de SP, tenha estampada a bandeira da China “comunista” no seu prédio na Avenida Paulista, e que Trump tenha parabenizado o governo de Xi Jinping.

Tanto a Fiesp como Trump sabem muito bem que na China não existe socialismo, e sim um capitalismo crescente, um governo ditatorial, inclusive que disputa com os EUA a hegemonia dos principais conflitos geopolíticos na atual etapa histórica.

As manifestações em Hong Kong

Hong Kong conta com cerca de 7,5 milhões de habitantes e se tornou uma região administrativa autônoma da China, a partir de 1997. Por um século e meio foi colônia britânica, e as negociações para sua devolução à China já vinham dos anos 1980. 

Hong Kong não é uma nacionalidade à parte, apesar do longo período em que não pertenceu formalmente à China. Desde o momento em que começou o processo de restauração capitalista chinesa, foi um ponto fundamental nesse processo, servindo como intermediação financeira da China com o mundo. 

Com a devolução pactuada para a China em 1997, Hong Kong manteve seu regime econômico ultraliberal, ao estilo de paraíso fiscal, sem impostos sobre o capital, nem impostos sobre importação e exportação. Assim como Macau serviu como lugar para lavagem de dinheiro, e Taiwan foi de onde vieram os primeiros grandes investimentos externos nas zonas de exportação abertas pelo regime chinês.

Hong Kong desempenhou – e desempenha – um papel fundamental nas transações financeiras do regime de Beijing (cerca de 70% dos investimentos externos na China provêm de Hong Kong, sendo que boa parte deles na verdade são originários de capitais oriundos do continente e que retornam como investimentos externos). Não por acaso se trata do terceiro centro financeiro mundial. E seu porto é o quinto maior do mundo.

A luta contra a ditadura do PCCh

O movimento atual, da juventude e dos trabalhadores foi em resposta a uma lei de extradição para a China, que ameaçava os ativistas democráticos da cidade, e os que se refugiam do continente e que atuam nas lutas laborais e democráticas na China. A cidade abriga um importante número de ONGs que apoiam as lutas dos trabalhadores chineses pelos seus direitos, em particular na vizinha província de Guandong. 

Com a dura repressão policial, em níveis inéditos na cidade, o movimento incluiu outras demandas democráticas contra a repressão aos manifestantes, pela destituição da chefe do executivo local e por eleições livres. As manifestações de junho tiveram um número extraordinário de participantes, chegando a dois milhões de pessoas. 

Um movimento dessa amplitude só pode existir se houver problemas sociais subjacentes. Podemos arriscar sobre alguns deles: apesar do altíssimo PIB per capita, mais de cinco vezes o da China, a cidade tem um dos maiores índices de desigualdade do planeta, a maior concentração de milionários do mundo por habitante, 20% da população vive abaixo do nível de pobreza, os custos de habitação são altíssimos e o custo de vida em geral é muito grande.

Parece também haver um processo de decadência da cidade frente ao frenético ritmo de crescimento do continente, o que se pode constatar pelos índices de crescimento médio do PIB local (pouco menos de 3% anual desde 2010, comparados com as cifras muito superiores da China, ainda mais de uma cidade vizinha e igualmente moderna como Shenzhen).

Posteriormente, o movimento incluiu formas inéditas de luta até então, como greves e a ocupação de prédios públicos e do aeroporto, incluindo uma greve de transportes no dia 5 de agosto, com grande efeito. Além disso, houve manifestações descentralizadas pelos bairros, inclusive os próximos à fronteira com a China. 

A partir daí, ao mesmo tempo em que recuava na votação da polêmica lei, o governo acentuou a repressão, tanto reprimindo de forma cada vez mais violenta os manifestantes, como prendendo e processando ativistas, negando a permissão para novas manifestações, utilizando gangues mafiosas para atacar as manifestações nos bairros, etc. Na última manifestação a polícia atirou em um estudante a queima roupa.

O regime central está por trás dessa ofensiva, inclusive seu representante direto na cidade. O comitê de ligação para Macau e Hong Kong tem feito declarações constantes. Beijing arregimentou a fina flor da burguesia e dos altos funcionários locais, em uma reunião em Shenzhen, a fim de organizar a contraofensiva, muitos policiais chineses estão agora nas fileiras da polícia de Hong Kong, houve exercícios militares na fronteira como ameaça explicita de repetir o que foi feito em Tian An Men em 1989. 

Hong Kong faz parte da China e não constitui uma nacionalidade oprimida com direito à separação. Aliás, uma Hong Kong independente seria uma espécie de protetorado americano. Isso não significa que a China tenha direito a impor o seu regime ditatorial, privando os trabalhadores e o povo da cidade dos direitos democráticos que usufruem hoje (direito de expressão e organização, de manifestação, etc.).

Qual posição ter diante das manifestações?

Nossa posição arranca do apoio ao processo de manifestações e sua agenda de luta democrática, que tenta derrotar a repressão e o regime autoritário que a China impõe em Hong Kong. 

Setores da esquerda, especialmente ligados aos partidos comunistas, alegam que estas manifestações são reacionárias por existirem nelas setores minoritários que possuem falsas ilusões em relação ao papel dos países imperialistas do Ocidente, como EUA e Inglaterra. 

Isto é um fato, e as notícias dão conta de que um setor do movimento começou a apelar para a ajuda dos governos do Reino Unido e dos EUA, com bandeiras das duas nações presentes nas manifestações. Recentemente, duas figuras públicas do movimento foram se entrevistar com dirigentes do Congresso americano e pedir que fosse aprovada uma lei de defesa da democracia em Hong Kong. Dita lei vincula diretamente os direitos democráticos na cidade ao apoio da política americana pelo mundo.

Acreditamos que a posição correta é apoiar os protestos, por sua pauta democrática e por sua composição social, formada majoritariamente pela juventude e setores populares, entre eles um grande contingente de trabalhadores. 

O apoio aos protestos não pode ignorar a presença e a disputa de setores pró-imperialistas pela direção do movimento, que defendem a independência de Hong Kong e sua aproximação com o imperialismo estadunidense e inglês. Ao apoiar estes protestos, também defendemos como fundamental combater essas posições pró-imperialistas e os setores que querem levar essa justa luta há uma dinâmica de aproximação com os interesses imperialistas do Ocidente. 

A esquerda socialista em Hong Kong e no mundo, alerta que para derrotar a ofensiva repressiva é fundamental buscar a aliança com a imensa massa de trabalhadores chineses do continente, que sofrem problemas similares nas mãos do regime central. 

Os que atacam os protestos em Hong Kong dizendo que eles são pró-imperialistas ignoram as suas reivindicações e sua composição popular e juvenil. Com isso entrega nas mãos dos imperialistas a justa luta do povo trabalhador e da juventude de Hong Kong por liberdades democráticas.

Por outro lado, os que se colocam contra as manifestações, apoiados na caracterização de que existe um regime socialista na China cometem um erro ainda maior. Essa posição revela um profundo desconhecimento sobre o caráter do estado chinês, e o que é pior, apoiam politicamente um estado e um governo capitalistas, mesmo que com o nome travestido de comunista. 

A China hoje não só é um país capitalista, que explora brutalmente seus trabalhadores, como também possuí uma relação de opressão com Nações mais pobres, seja na África ou na América Latina, para ficar em dois exemplos mais relevantes. 

Os conflitos geopolíticos e a guerra comercial entre EUA e China não se dão porque o governo chinês seja de alguma forma um contraponto ao capitalismo ou cumpra um papel progressivo em relação à soberania de vários países que atualmente têm na China o seu principal parceiro comercial. Estes conflitos existem porque a China quer ocupar o papel exercido pelos EUA, na partilha imperialista do mundo e de seus povos.

Dia 10 estaremos defendendo Nathan Leung, de Hong Kong

Por defendermos a luta da juventude e dos trabalhadores de Hong Kong, vamos estar presentes e estamos convocando o Ato Político que vai discutir o papel da esquerda diante das manifestações em Hong Kong, com a presença de Nathan Leung, trabalhador e sindicalista bancário desta cidade, demitido recentemente pelo HSBC, que estará visitando o Brasil nos próximos dias. 

Esta importante atividade está marcada para o próximo dia 10 de outubro, quinta-feira, às 19 horas na Faculdade de Direito da USP, no Centro de SP

 

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