Pular para o conteúdo
Colunas

Dialética da Independência: a viagem de Lula aos Estados Unidos e nossa relação com a China

Ricardo Stuckert

Gabriel Santos

Garbriel Santos é alagoano, estudante da UFRGS, militante da Resistência-PSOL (RS), vascaíno e filho de Oxóssi.

O novo governo do Presidente Lula traz expectativas do tamanho dos desafios que tem pela frente. Nosso país enfrenta uma crise econômica, social, política e ambiental sem precedentes. A luta contra a pobreza e a fome, o desafio da reindustrialização do país, a batalha para retomar o crescimento econômico e reverter os danos ambientais, se somam à necessidade de enfrentar politicamente a extrema direita e o bolsonarismo.

Esses desafios exigem que o novo governo tenha um alto grau de capacidade de atuação estratégica. O campo internacional é, sem dúvidas, uma das chaves para definições das possibilidades e limites para a criação das condições de se reverter a crise que o Brasil enfrenta.

É nesse sentido que a rápida viagem de Lula aos Estados Unidos, na quinta-feira dia 09 até dia 11, assume ainda mais importância.

A viagem de Lula aos Estados Unidos, romper com a tutela do imperialismo

O Presidente Lula abordou assuntos de interesses comuns aos dois países. Em especial e imediato, a existência de uma extrema direita no cenário político. O fortalecimento da extrema direita no país imperialista, com possibilidade desse grupo vencer as próximas disputas eleitorais, é algo que não interessa a Lula e ao Brasil. Uma nova vitória eleitoral de Trump ou de um porta voz de suas idéias, fortalece o bolsonarismo aqui no País.

Parte da declaração conjunta elaborada no fim da viagem, tratou desse tema. Nela se lê que em ambos países: “continuarão a rejeitar o extremismo e a violência na política, condenaram o discurso de ódio e reafirmaram sua intenção de construir resiliência social à desinformação e concordaram em trabalhar juntos nessas questões”.

Outro importante tema tratado na visita do Presidente Lula, foi a questão ambiental. Lula sabe que o Brasil, por sua importância política, pelo seu tamanho continental, e por seu peso na relação com a América Latina, tem a capacidade de ser vanguarda na discussão internacional sobre a transição climática.

A forma que o presidente tem tratado em suas declarações e entrevistas, desde o período de campanha, o tema ambiental é de importância ímpar e central. O Presidente Lula coloca a discussão como uma questão de soberania nacional. Lula consegue elencar o tema ambiental com o tema de soberania, independência, e necessidade de mudanças estruturais na cadeia produtiva nacional para combater a fome e o agronegócio.

Lula é objetivo e sabe que a questão ambiental não pode ser utilizada pelos países centrais do capitalismo para tutelar e impedir o desenvolvimento dos países pobres. Na realidade, são os países do Norte os grandes responsáveis pela mudança climática, devendo a responsabilização deles por isto, ser parte da construção da soberania nacional de cada país, junto de um desenvolvimento sustentável.

O governo estadunidense buscou ainda pressionar o brasileiro sobre a guerra da Ucrânia. Garantindo uma participação brasileira no conflito ou deslocando a posição neutra que exercemos. Biden sabe que o Brasil postula a alguns anos ser incluído de forma permanente no Conselho de Segurança da ONU, e trabalha com isto para atrair o governo brasileiro.

O Presidente Lula, por sua vez, falou abortamento sobre a necessidade de uma paz justa e duradoura no conflito, que passaria pela construção de um grupo de países mediadores que não estão envolvidos diretamente na guerra. Lula abordou ainda assuntos espinhosos para o imperialismo, como uma mudança na política de sanções e embargos, ou seja, da guerra econômica, que é feita contra Cuba e Venezuela.]

Lula sabe da importância dos Estados Unidos para a economia brasileira, e das possibilidades que parcerias estratégicas poderiam trazer para nós. Mas sabe também, que o futuro de nossa economia, destruida pelo neoliberalismo e projeto de País que vem sendo aplicado desde o Golpe contra Dilma, passa pelo Brasil voltar a ter uma relação internacional que busque o multilateralismo e a construção de um projeto Sul-Sul.

Nossa relação com os Estados Unidos deve ser baseada em qual questão ou interesse podem ser úteis de imediato. Rompendo a lógica de ser um quintal estadunidense na américa latina, e exercendo negociações de igual para igual. É verdade que não podemos abandonar hoje nossas relações com o principal país imperialista do mundo, porém a solução para nossos problemas no cenário internacional se dá pelo fortalecimento de um projeto voltado à América Latina e ao Sul Global. Assim, nossa relação com a China assume centralidade.

A relação Brasil e China, entre o lucro econômico e o desequilíbrio das trocas

Apesar do distanciamento e atritos nas relações diplomáticas entre Brasil e China, promovidos durante o governo de Jair Bolsonaro, o comércio entre os dois países aumentou. Somente em 2021, as trocas bilaterais chegaram ao valor de 135,4 bilhões de dólares, com o superávit brasileiro sendo de 40 bilhões. Esse número só é superado pela relação com outros dois países, Austrália e Coreia do Sul. É a China, desde 2009, que é também o maior parceiro comercial do Brasil, com um volume comercial quase o dobro comparado ao segundo lugar, os Estados Unidos. Onde a relação bilateral movimentou 70,5 bilhões de dólares, porém o Brasil apresentou um déficit de 8,3 bilhões.

Nossa relação econômica com a China é economicamente positiva e lucrativa para nossa balança comercial, porém, apresenta um problema central: ela é pouco diversificada. Os quatro principais produtos que exportamos (minério de ferro, petróleo bruto, proteína animal e soja) são responsáveis por 87,7% de toda nossa exploração no país asiatico.

Ao vemos os produtos chineses que importamos para o Brasil, a realidade é inversa. Eles têm um alto grau de maturidade tecnológica, de valor agregado, e são altamente diversificados, com uma predominância de produtos manufaturados. Quando colocamos na balança, o principal item que importamos da China, equipamentos de telecomunicação, significa somente 5,9% das importações totais, o que demonstra a diversificação dos produtos chineses.

Quando falamos sobre a falta de diversificação das exportações brasileiras podemos usar os commodities como exemplo. Esse setor representou na primeira metade de 2022 68,3% das exportações de nosso País. Ou seja, nossa economia e balança comercial é dependente da exportação de commodities. Isso é um problema, pois nosso País exporta produtos de baixa complexidade, e importa produtos de alta complexidade. Em outras palavras, somos uma grande fazenda para o mundo.

O setor de commodities, por sua vez, tem uma alta concentração de riqueza, tem baixa taxação de impostos, gera poucos empregos e empregos de baixa qualificação. Não podemos ignorar também também que este setor causar danos ao meio ambiente. Esses fatores são exemplos de como a baixa variedade produtiva interfere em outros assuntos que necessitam de atenção do governo. Mudar nossa cadeia produtiva, é um passo à frente para modificações de maior envergadura.

Os investimentos Chineses no Brasil

Ao vermos os tipos de investimentos chineses no Brasil eles são similares às exportações. Em grande número, porém, sem muitas diversificações. Nosso país tem uma localização privilegiada quando falamos sobre investimentos chineses no exterior. Em 2021, 13,6% de todo investimento do país asíatico, em um montante de 5,9 bilhões de dólares, foram destinados para o Brasil.

Esses valores são fundamentais para a economia brasileira, mas levantam uma série de questões. Entre os anos de 2007 e 2021, 76,4% dos investimentos chineses estiveram concentrados no setor energético (eletricidade, extração de petróleo e gás). Somente 5,5% foram para a indústria e 4,5% para a infraestrutura. Ou seja, apesar da grande quantia de dinheiro investido, ele não atendeu as necessidades econômicas brasileiras, mas acaba por reforçar nosso papel subalterno no cenário mundial.

O governo Lula precisa pensar nos investimentos chineses e nossa relação com Pequim a longo prazo. Buscando investimento e recursos que respondam às necessidades centrais do Brasil. Numa relação de troca e modelos de investimentos que tragam mais benefícios para ambos países, e não de forma unilateral, como hoje ocorre.

A relação da China e de nosso vizinho, Argentina, é um exemplo que devemos observar. Desde 2021, Buenos Aires e Pequim entraram em uma série de relações para investimentos estratégicos. Desde fevereiro de 2022, a Argentina passou a fazer parte da Iniciativa Cinturão e Rota, podendo atrair 23 bilhões de dólares em investimentos chineses para o país.

Projetos realizados por companhias chinesas projetam também a reforma do sistema ferroviário argentino (4,69 bilhões de dólares). Estão previstas a expansão do Parque Cauchari, a maior planta de energia solar da América Latina. Além da construção da planta nuclear “Atucha III” (8,3 bilhões de dólares). O mais importante é a transferência direta de tecnologia. O governo chinês entregará ao Estado argentino a sua tecnologia nuclear, para que a Argentina exerça o controle direito da usina.

Seria possível o Brasil buscar junto da China acordos semelhantes aos feitos com a Argentina. Acordos, que dada a relevância da relação que já existem entre os dois países, poderiam ser até mais estratégicos para ambos.

A China precisa dos recursos naturais do Brasil para seu desenvolvimento, e nós precisamos do mercado chinês para escoar nossos commodities e ter uma balança favorável. A questão é como se criar um equilíbrio a médio e longo branzo em nossa agenda comercial, com o objetivo de termos uma economia sólida.

Um dos caminhos possíveis para o governo Lula seria fazer algo semelhante ao feito por governos de países como a Venezuela e Irã. Podemos propor a troca de commodities brasileiras por infraestrutura e tecnologia chinesa. Ou até mesmo a criação de empresas sino-brasileiras de empreendimento conjunto. O fator central da discussão é como e por quais meios é possível barganhar e realizar uma inclusão de transferência de tecnologia chinesa para o Brasil.

Nosso País precisará de um esforço gigantesco para reindustrializar a economia. As necessidades são muitas. É preciso investimento em pesquisa e desenvolvimento, a transferência de tecnologia, além da formação de mão de obra qualificada. Hoje, o único país com condições financeiras para cooperação com o Brasil nesses ramos é a China. O governo chinês se coloca para auxiliar países do Sul Global no desenvolvimento de áreas que esses países considerem estratégicas. A China vem cooperando com diversos países na transferência de tecnologia, desenvolvimento de energias renováveis, de semicondutores, de veículos elétricos, e 5G.

É uma função do governo brasileiro Brasil, assim como hoje é uma possibilidade que se abre, a realização de um diálogo estratégico com a China. O governo Lula deve pensar com o objetivo de realizar a industrialização de nosso país, modificar nossa economia, e fazer com que o Brasil cumpra um papel importante como voz dos países do Sul global na sua busca por desenvolvimento e independência.

O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do EOL. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista.