Pular para o conteúdo
Colunas

Chega! Vidas Negras Importam!

Politiza

Jovem e mãe, Iza Lourença é feminista negra marxista e trabalhadora do metrô de Belo Horizonte. Eleita vereadora em 2020 pelo PSOL, com 7.771 votos. Também coordena o projeto Consciência Barreiro – um cursinho popular na região onde mora – e é ativista do movimento anticapitalista Afronte e da Resistência Feminista.

O dedo

Desde pequeno geral te aponta o dedo
No olhar da madame eu consigo sentir o medo
Cê cresce achando que cê é pior que eles
Irmão, quem te roubou te chama de ladrão desde cedo
Ladrão
Então peguemos de volta o que nos foi tirado
Mano, ou você faz isso ou seria em vão o que os nossos ancestrais teriam sangrado

(Djonga – Hat Trick)

 

Um menino furtou um chocolate. A reação foi a violência física, brutal e simbólica. Com um chicote, seguranças dentro da rede de supermercados Ricoy em São Paulo o torturaram. Amordaçado e totalmente nu. Tão tranquilos de sua impunidade, os agressores filmaram sua ação, que durou 40 minutos, para deixar um “recado” aos eventuais praticantes de furtos futuros. Quem são os criminosos? No Brasil há pessoas que tem dúvidas. E isso nos prova, mais uma vez, que algo deu muito errado em nossa história. Ah, claro, o crime do adolescente de 17 anos era ser negro e pobre, vivendo em situação de rua desde os 12 anos. Podem acalmar o bolsonarismo, afinal, a tortura não acabou! E a cultura escravista e racista mantém suas raízes profundas no país mais negro fora da África.

Chega! Não conseguimos respirar! No começo do ano Pedro Gonzaga, recebeu um “mata-leão” no hipermercado Extra e faleceu. O crime? Ser negro. Punição? Pena de morte. 80 tiros mataram Evaldo no carro com sua família. O pedreiro José Pio Baía Júnior, de 45, morto pelo fuzil da polícia militar realizando seu trabalho. Margareth Teixeira da Costa, 17 anos, foi assassinada com o filho de um ano no colo. Dyogo Coutinho, 16 anos, baleado a caminho do treino de futebol. A pergunta de Douglas Rodrigues, 17 anos, assassinado por PMs durante uma abordagem em 2013, continua ecoando: Senhor, por que o senhor atirou em mim? Ou a de Marcos Vinicus, 14 anos, baleados nas costas por um blindado: Mãe, ele não viu meu uniforme da escola? Falando em 2013, cadê o Amarildo?

As histórias são inúmeras. Muitas pipocam na mídia, outras tantas anônimas. Se a política de “segurança” do Estado é nos aniquilar, a sociedade racista também faz justiça com as próprias mãos. Os números de mortos é de um país em guerra. Mas quem está em guerra e quem ganha com ela? Tentam apagar nosso presente, nosso passado e nosso futuro, mas a história do povo negro é a história da resistência! Da organização comum, do afeto, da cultura, da luta social. A nossa história é a história de Zumbi dos Palmares, de Luiza Mahin, Dandara, Teresa de Benguela, Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez, Milton Santos, Abdias do Nascimento. Nossa luta é internacional. Dos quilombos ao Black Lives Matter, passando pelos Panteras Negras e a resistência negra na ditadura militar.

Pequenas revoltas são organizadas nos territórios todos os dias. O que precisamos é unificá-las. No sábado, dia 7 de setembro, realizaram um ato em frente ao supermercado contra a tortura e o racismo. Paralelamente aconteceram manifestações em todo o país, somando o tradicional Grito dos Excluídos com as pautas dos estudantes que estão em luta pelo país com o #Dia7EuVoudePreto. Cada vez mais, principalmente sob esse governo, fica claro quem são os inimigos que precisam ser derrotados imediatamente. O que nos falta é identificar a faísca que pode incendiar o país em defesa das nossas vidas, uma bandeira que unifique a maioria, que mobilize os 99% e crie os caminhos para quebrar de uma vez por todas nossas correntes. Já tivemos algumas pistas com junho de 2013, com as greves de 2014, com o Fora Temer, as ocupações de escolas e universidades, o #EleNão, o #ViraVoto e o Tsunami da Educação.

Por fim, a pergunta que Marielle Franco nos deixou: quantos mais tem que morrer para que essa guerra acabe? Aliás, uma última: quem mandou matar Marielle e por quê?

Marcado como:
genocídio negro