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BRASIL

Os mitos sobre a privatização da Petrobras

Rafael Queiroz*, de Minas Gerais
Agência Brasil

A Petrobras é fonte de orgulho dos brasileiros, sendo uma empresa enorme, lucrativa e responsável social e ecologicamente que há muitos anos é alvo das políticas entreguistas e liberais dos governos, que pretendem privatizá-la, entregando-a para multinacionais estrangeiras. Os argumentos dados para tentar justificar sua venda são variados, mas acabam quase sempre num retorno imediato de um preço muito abaixo do real valor da empresa. Este texto visa responder aos que pretendem vender a empresa, mostrando a importância para o Brasil e para os brasileiros de manter a Petrobras como uma empresa estatal.

A função social da empresa estatal

A Petrobras foi criada em 1953 tendo como um dos principais objetivos contribuir para o desenvolvimento nacional. É fundamental para o desenvolvimento econômico e social de uma nação o controle de sua matriz energética e de seus recursos naturais.

Tem como tarefas fundamentais:
1) prover serviços essenciais à vida, como energia e assegurar o controle de bens escassos e que são insumos essenciais para o conjunto da estrutura produtiva;
2) assegurar um nível de oferta e preço coerentes com a capacidade financeira da população brasileira, tomando decisões empresariais orientadas pelo interesse coletivo;
3) realizar investimentos em ciência, tecnologia e inovação;
4) atuar como instrumento de políticas anticíclicas, ou seja, que produza efeitos compensatórios diante de desequilíbrios macroeconômicos (crises);
5) atuar em nome do interesse e da soberania nacional.

Além disso, pesquisa, exploração, refino e transporte de petróleo, gás natural e derivados são atividades que demandam vultosos investimentos, grandes riscos e retorno de longo prazo, sendo, portanto pouco atraentes para iniciativa privada.

A Petrobras investe em projetos de ciência, tecnologia e inovação, que requerem longo prazo de maturação e se caracterizam pela elevada incerteza. Esses investimentos resultaram, por exemplo, na descoberta e exploração do pré-sal, hoje considerada a terceira maior reserva de petróleo e gás do mundo. Tal reserva, junto a crescente capacidade de refino, garante por muitos anos a independência de combustíveis importados, atendendo ao mercado doméstico com preço abaixo do aplicado internacionalmente.

Estatal sendo usada como empresa privada

Há quem acredite que as privatizações são necessárias para aumentar a concorrência e que o livre mercado irá favorecer aos consumidores. O que parece não ser levado em conta é que certos produtos como petróleo e seus derivados tem mercado global e para haver livre concorrência seria necessário elevar o preço do que é produzido internamente com custo inferior ao similar produzido fora.

Por ser empresa estatal a Petrobras deve priorizar uma política de preços que considere a capacidade financeira da população brasileira. Essa decisão é tomada pelo governo, que é quem escolhe o presidente da empresa. Infelizmente, com o intuito de tornar a empresa mais “competitiva” e agradável ao mercado, é aplicada desde 2016 a Política de Paridade Internacional (PPI), que adiciona ao preço de mercado interno o preço internacional, o frete, o custo de internalização e o custo com seguro de risco cambial.

Junto a PPI houve redução proposital da capacidade produtiva de refino da Petrobras, o que favoreceu importadores de combustível, principalmente dos Estados Unidos, que aumentaram consideravelmente suas vendas para o Brasil a preços internacionais.

As refinarias da empresa possuem capacidade de refinar 2,4 milhões de barris/dia, mas chegaram a ficar com mais de 30% dessa capacidade ociosa por decisão da alta cúpula.

Além disso, parte dessa produção de derivados está sendo direcionada para atender ao mercado externo e parte da produção de petróleo cru também está sendo exportada. A produção de petróleo no Brasil, em abril de 2018, foi de 2,6 milhões de barris/dia (sem considerar 673 mil barris de gás natural). Neste mesmo mês, as refinarias da Petrobras processaram 1,6 milhão de barris/dia (cerca de 67% da capacidade total de refino) e o consumo interno de derivados ficou em 2,2 milhões de barris/dia. Assim, mesmo produzindo 400 mil barris de petróleo a mais do que o necessário para atender ao consumo nacional, o país importou cerca de 600 mil barris de derivados/dia.

 

O Brasil é muito dependente de diesel, visto que o transporte é predominantemente rodoviário. Assim, toda a cadeia produtiva nacional está intricadamente ligada ao preço do combustível, o que mostra novamente a importância da Petrobras ser uma empresa estatal, que tome decisões considerando primeiramente o impacto sobre a população e não sobre os dividendos dos acionistas.

A política adotada desde junho de 2016 vai de encontro com a filosofia de uma empresa estatal. É aplicada visando primariamente contemplar os acionistas da empresa e favorecer o mercado internacional. Caso a Petrobras venha ser privatizada a prática dessa política será legitimada e ampliada.

Após adoção dessa política de precificação a acessibilidade aos combustíveis foi reduzida. Isso porque a capacidade do consumidor brasileiro de absorver elevados preços de derivados de petróleo é muito limitada, considerando sua baixa renda e a equiparação do preços ao mercado internacional despreza esse fator. É visível o aumento da disparidade entre o poder de compra do brasileiro médio e o preço do diesel, da gasolina e do gás de cozinha nos últimos anos.

Por exemplo, o custo da gasolina na bomba dos postos do país não é tão elevado quando comparado com outros países, sendo o Brasil o único a adicionar álcool ao combustível (cerca de 13%). Porém, em relação aos mesmos países, o preço na refinaria é o menor. Isso já considerando a PPI, o que significa que o preço na refinaria pode ser muito mais baixo uma vez que o custo de produção é menor quando opera com menos ociosidade da capacidade de refino. Porém, considerando a renda média per capita em cada país, é necessário que o brasileiro trabalhe mais tempo para comprar 1 litro de gasolina que os povos do demais países, ou seja tem acessibilidade pior que vários países onde o preço dos combustíveis é mais alto.

A acessibilidade, que significa a relação entre valor de 1 litro de gasolina e a renda média diária per capita, dos países ilustrados no gráfico é a seguinte:

Brasil = 4,78%. Isso significa que 1 litro de gasolina custa 4,78% da renda diária do trabalhador brasileiro.
Uruguai: (não disponível)
Chile: 2,88%
Argentina: 3,70%
EEUU: 0,45%
Canadá: 0,81%
China: 3,82%
Japão: 1,17%
Reino Unido: 1,43%
Alemanha: 1,28%
Itália: 1,99%

Destaca-se que o preço da gasolina, tanto na bomba quanto na refinaria, nos 3 países europeus são mais altos que no Brasil, porém a acessibilidade ao combustível é entre 2,4 e 3,7 vezes maior para o consumidor daqueles países.

Influência da Petrobras na economia nacional

A Petrobras tem suma importância no desenvolvimento econômico do Brasil. Como já foi falado, vultosos investimentos são considerados viáveis apenas por empresas estatais e esses tem reflexos em diversos setores a curto, médio e longo prazo, como indústria civil, indústria naval, indústria ferroviária, siderúrgica, metalúrgica, setores de serviços e uma enorme gama de outras atividades, empregando e qualificando milhares de trabalhadores, elevando o qualidade de vida e poder de compra das pessoas, que irão movimentar o mercado, favorecendo a economia do país.

Exemplo disso é que quando a Petrobras investe, o Brasil tem maiores superávit primário e a relação dívida/PIB não passa de 60%.

A Petrobrás tem o monopólio?

Desde a promulgação da lei 9478, de 6 de agosto 1997 não existe monopólio de pesquisa e lavras de jazidas de petróleo, gás natural ou outro hidrocarboneto; nem de refino de petróleo nacional ou estrangeiro; nem para importação de produtos e derivados, como combustíveis; nem sobre transporte marítimo ou por dutos de petróleo, gás e derivados. Essa lei também criou Órgãos reguladores e fiscalizadores como o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

O que ocorre é que, como já foi dito, as empresas privadas, visando retorno mais rápido, investem em sua maioria na compra de poços de petróleo ou de estruturas já prontas e comprovadamente rentáveis, como malhas de transporte, navios de prospecção, refinarias, termelétricas, fabricas de fertilizantes, entre outros. Não há, portanto, investimento por parte dessas empresas para criar novas fábricas para fazerem concorrência interna, o que poderia gerar empregos e movimentar economia.

A quem diga que o tipo de petróleo extraído no Brasil é de má qualidade, o que encareceria o refino e não produziria derivados suficientes para atender a demanda interna. Isso é passado. A Petrobrás extrai petróleo de diversos campos, com características diversas.

Resumidamente, a qualidade do petróleo é medida em grau API, sendo mais leve e com maior valor agregado os de maior grau API, especialmente acima de 30, que é diretamente proporcional à facilidade de gerar produtos como gasolina, óleo diesel, GLV, querosene de aviação. O petróleo refinado pela Petrobrás é uma mistura de correntes proveniente de fontes diversas, como campos terrestres, marítimos e pré-sal, campos jovens e maduros. Essa mistura é refinada e tratada nas refinarias, que foram projetadas ou adaptadas para aperfeiçoar a produção dos derivados conforme a demanda. No pré-sal o custo de extração atingiu um patamar em torno de US$ 8 por barril, quando a média das grandes petrolíferas mundiais é de US$ 15 por barril. Quando consideramos as demais fontes de extração o custo médio nacional de extração permanece abaixo do valor internacional. Está comprovada a viabilidade de extração e refino pela Petrobras, o que só foi conseguido por ser uma empresa estatal que investiu em tecnologia e assumiu os riscos da exploração de óleo e gás no país.

A Petrobras está quebrada?

Alguns acreditam que empresas públicas são mal geridas, o que resultaria em gastos públicos sem nenhum retorno para a população. Isso é uma falácia! Os supostos prejuízos que a Petrobrás estaria tendo ano após ano, anunciado amplamente pela mídia oligárquica, é falso. A empresa tem geração operacional de caixa bilionária ao longo da década e saúde financeira melhor que concorrentes internacionais do setor.

Geração Operacional de Caixa pode ser entendida como sendo os recursos que sobram depois de cobertos todos os custos e despesas das empresas. Estes recursos podem ser utilizados para reduzir endividamento da empresa, fazer novos investimentos ou distribuir dividendos aos acionistas.

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No período entre 2011 e 2014 o preço do barril de petróleo Brent estava acima de U$100. Com o preço do petróleo elevado, todos os derivados, como gasolina, diesel, glp, tiveram seus preços internacionais também elevados. Como a Petrobras é estatal e explora, refina e transporta quase todo o petróleo e derivados produzidos no Brasil, foi possível não repassar os preços do mercado internacional para a população brasileira e manter a geração de caixa da Petrobrás.

Em 2015 o preço internacional do barril de petróleo caiu para próximo de U$35 e o reflexo dessa queda é visível na tabela acima sobre as grandes empresas multinacionais estrangeiras privadas.

Já no período 2016/2018, com a política de paridade internacional de precificação já em vigor, refinarias com produção muitos abaixo da capacidade, elevação da exportação de petróleo cru e da importação de combustíveis passamos a pagar preços mais altos do que os do mercado internacional, prejudicando a competitividade do país, e a Petrobras gerou menos caixa. Quem mais lucrou com isso foram as refinarias americanas, os traders e os produtores de etanol.

Outros dados verificados nos balanços anuais que foram auditados e publicados pela empresa comprovam o quão financeiramente saudável está a Petrobras são a Liquidez Corrente e o Saldo de Caixa.

A quem interessa privatizar uma empresa com resultados financeiros tão expressivos? É muito melhor para o Brasil que tais cifras não sejam remessadas para o exterior ou que sirvam apenas para aumentar o lucro de seus proprietários.

Poder geopolítico e soberania nacional

O controle das reservas e da produção do petróleo é fundamental para o desenvolvimento e a segurança econômica, energética e militar das nações. É condição essencial para a Soberania. Isto explica as tensões, as disputas, as guerras, os conflitos ocorridos, em todos os recantos do mundo, ao longo da história desta indústria.

A disputa pela renda petrolífera se dá entre os países produtores, países consumidores e companhias petrolíferas. Neste cenário de disputa verifica-se um crescente protagonismo dos Estados Nacionais que atuam através de suas companhias estatais. De acordo com a Energy Intelligence, das 30 maiores companhias petroleiras do mundo, 22 são controladas pelos Estados Nacionais.

A tabela a seguir mostra a importância dessas empresas.

Sendo fundamental para o desenvolvimento e a segurança econômica, energética e militar a demanda e a produção do petróleo continuam crescentes. Os Estados Unidos são maiores consumidores, seguidos pela China, que elevou consideravelmente o consumo, principalmente após o ano 2000.

No Brasil o petróleo e o gás natural são as duas principais fontes de energia, respondendo por mais de 50% de toda a matriz energética do país.

Sendo um recurso estratégico fundamental para soberania nacional é coerente que a Petrobras seja uma empresa estatal.

Fertilizantes

Além da energia a Petrobras contribui também para o desenvolvimento agrícola brasileiro, com o fornecimento de produtos nitrogenados de alta qualidade às indústrias de fertilizantes e suplementos minerais, sendo a maior produtora nacional de fertilizantes nitrogenados as suas FAFENs (Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados).
As culturas que mais consumiram adubos em 2013 foram a soja, o milho, a cana-de-açúcar e o café, que juntas responderam por mais de 70% do volume comercializado. Note-se ainda a estreita relação entre fertilizantes e o negócio de biocombustíveis, como álcool e biodiesel.

Como o próprio nome indica, os fertilizantes nitrogenados têm em sua composição o nitrogênio como nutriente principal e se originam da fabricação da amônia anidra (NH3), que é a matéria-prima básica de todos os fertilizantes nitrogenados sintéticos. A amônia anidra, por sua vez, é um gás obtido pela reação de uma mistura de nitrogênio, proveniente do ar, com o hidrogênio oriundo de fontes como gás natural (mais utilizado), nafta, óleo combustível ou de outros derivados de petróleo.

É interessante salientar que o Brasil é o quarto consumidor de fertilizantes do mundo, absorvendo 5,9% da demanda global, atrás apenas dos Estados Unidos, da Índia e da China. Importamos mais de 70% dos fertilizantes que utilizamos, ou seja, a produção nacional responde por cerca de 30% das necessidades atuais do país, configurando uma forte dependência externa e uma debilidade frente às condições de fornecimento global.
Já em 2008, alertava-se contra o oligopólio praticado pelas multinacionais no controle dos preços da produção local e importada de fertilizantes no Brasil. Com a saída da Petrobras deste setor, a tendência é de que os problemas persistam e se intensifiquem.

Quais as consequências da privatização?

As privatizações ameaçam a segurança energética do país, criam monopólios privados estrangeiros e agravam a desnacionalização da economia. Os monopólios criados, concentrando o poder econômico prejudicam o consumidor que ao contrário do que muitos pensam vai elevar o preço dos combustíveis para população.

É importante barrar o processo de esquartejamento da Petrobras, que quebrará sua integridade e reduzirá o seu tamanho, comprometendo seu futuro, uma vez que integração e porte são requisitos essenciais para o êxito e sobrevivência de uma petroleira. Do contrário, irá resultar na entrega do mercado da Petrobras para concorrentes, reduzindo a sua receita, lucros e a capacidade de pagamento da dívida, resultando finalmente na privatização ou falência de toda a Petrobras.

A Petrobras fabrica fertilizantes nitrogenados, essenciais para o agronegócio nacional. Não manter o controle dessas fábricas com uma empresa o país mais dependente dos oligopólios multinacionais estrangeiros, produtores de insumos e atravessadores na comercialização dos produtos.

A privatização pode trazer retrocessos tecnológicos e também prejuízos para a engenharia e a indústria brasileira gerando desemprego e desequilíbrios na balança comercial com incremento nas remessas de lucros, fraudes cambiais e tributárias e perdas para os acionistas minoritários.

Privatizar a Petrobras significa entregar os campos de petróleo, o que pode levar a produção predatória, com esgotamento precoce das jazidas, com altos riscos de acidentes e prejuízos ambientais.

O Brasil perderá o controle sobre a produção de importante recurso, não renovável e estratégico. Por isso não podemos permitir a privatização da Petrobras.

 

* Rafael Queiroz é petroleiro. Esse texto paz parte de um dossiê do Esquerda Online sobre as consequências das privatizações no Brasil. Acompanhe pelo site as outras publicações sobre o tema.

 

Fontes:

http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/3265-proposta-de-nova-politica-de-precos-do-diesel-para-a-petrobras
http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/3203-politica-de-precos-absurda-da-petrobras-necessita-auditoria-urgente
https://www.bloomberg.com/graphics/gas-prices/#20192:Brazil:USD:l
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2018/notaTec189Estatais.html
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2018/notaTec194PrecosCombustiveis.html
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2018/notaTec195gas.html
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdeic/arquivos-raiz/CLAUDIO%20DA%20COSTA.pptx
http://www.petrobras.com.br/pt/produtos-e-servicos/composicao-de-precos-de-venda-ao-consumidor/gasolina/
https://www.portosenavios.com.br/artigos/estudo-e-pesquisa/petroleo-petrobras-tecnologia-e-soberania-nacional
http://www.mme.gov.br/documents/1138769/0/Relat%C3%B3rio+mensal+de+mercado+abr-18+148.pdf/009d4da0-688b-47d0-aa1c-23805bc8fb41
http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/resultados-comprovam-viabilidade-tecnica-e-economica-do-pre-sal.htm

Evolução dos custos médios de extração e refino da Petrobras


http://www.aepet.org.br/uploads/paginas/uploads/File/Boletim%20Reage%20Cenpes%204-1.pdf