Pular para o conteúdo
BRASIL

A quem interessa a privatização da Caixa Econômica Federal?

Hélio Konishi*, de São Paulo (SP)

As origens da CAIXA remontam ao ano de 1861. Esteve desde sempre ligada à poupança popular, detendo até hoje mais de 1/3 do total da caderneta de poupança brasileira, uma vez que não impõe barreira de valor mínimo à abertura da conta. Detém 68% do saldo de crédito imobiliário do país; a redução dessa linha de crédito pela CAIXA sempre está ligada a crise aguda na construção civil. Centraliza os depósitos do FGTS e aplica estes recursos em habitação e saneamento básico. Detém exclusividade nas loterias e operações de penhor. Por fim, é o banco que distribui programas sociais como o Bolsa Família e o PIS.

Desde o final dos anos 1990, passou a operar com produtos e serviços de banco comercial, assumindo a missão de se autofinanciar: pelo receituário neoliberal, o lucro produzido pela instituição deveria superar os custos de repasse das políticas públicas. 

Após o saneamento financeiro de 2001, a CAIXA passou a produzir lucros cada vez maiores, alinhada com o restante dos bancos nacionais. Data do mesmo ano a primeira grande venda do patrimônio da empresa, pelo governo Fernando Henrique: a venda da participação majoritária da seguradora para o grupo francês CNP. 

Hoje, embora o conglomerado seja a quarta maior instituição financeira (critério de ativos totais), detém a maior carteira de crédito do país, com um índice de inadimplência controlado. 

Caixa 100% pública

A holding da CAIXA ainda é 100% pública. Porém, a deterioração de seu caráter público foi se aprofundando desde 2001, à medida que sua função primordial nas agências passou a ser a produção contínua de lucro. Durante a era PT, este processo culminou com a proposta do Governo Dilma em 2014 de realizar a abertura de capital da empresa. 

No governo Temer, a diretoria foi incumbida de encaminhar a privatização de três negócios da CAIXA: cartões de crédito, loteria instantânea e vender mais uma fatia da participação da CAIXA no negócio de seguros. Três segmentos que contribuem diretamente no lucro da instituição, o que mudará a geração de resultado da holding. 

Numa CAIXA com acionistas privados, como seria tratada a fila do Bolsa Família, ou o trabalhador não alfabetizado que vem sacar R$ 200 de FGTS dentro das agências?

O presidente do presidente

O atual presidente da CAIXA é Pedro Guimarães. Banqueiro especialista em privatizações, passou sua carreira comandando ofertas de ações. Sua monografia de PhD nos EUA foi Privatization: theory, evidence and its role in fostering fragmentation [Privatização: teoria, evidência e seu papel de fomentar a fragmentação].

Além de privatizar aqueles 3 segmentos da empresa, já encaminha a entrega do setor de gestão de fundos de mercado. Questionado sobre lucratividade do conglomerado, já afirmou que a CAIXA não é para dar lucro. Mas em reunião com gerentes de São Paulo afirmou que o lucro recorrente da CAIXA em 2019 pode ser maior do que o do Itaú. Qual a coerência?

Pedro Guimarães é genro de Léo Pinheiro, o ex-executivo da OAS cuja delação premiada permitiu que a Lava-Jato produzisse o processo do Tríplex, que culminaria com a prisão de Lula. Sofreu recentemente com o assédio de Bolsonaro que lhe pediu explicações sobre os valores pífios de financiamentos liberados para a região Nordeste.

Apesar de seu currículo, afirma que não recebeu a incumbência de Bolsonaro de privatizar a CAIXA. Contudo, as medidas necessárias para a abertura de capital seguem sendo rapidamente tomadas. Cortes e reestruturações generalizados segue após o índice de custo operacional de 2017 ter ficado menor do que o registrado pelo Bradesco. Medidas de caráter de controladoria também avançaram, como a recente segregação do balanço do SAÚDE CAIXA. Este plano de saúde foi alvo de ataques desde 2014, quando a abertura de capital passou a ser pautada, pois representa custos indesejáveis para futuros acionistas privados. Em 2017, R$ 5 bilhões do fundo de provisão do SAÚDE CAIXA foram transferidos para a rubrica de capital disponível da empresa, sem maiores explicações sobre o impacto disso sobre a saúde financeira do plano.

Cortes de funcionários e atendimento à população

Os funcionários da CAIXA terão de atender os 100 milhões de trabalhadores que procurarão o banco para sacar seu FGTS. Ocorre que, além de ter ficado 5 anos sem contratações, houve vários planos de demissão voluntária (PDV), o que reduziu o quadro de 101 mil funcionários (em 2014) para menos de 85 mil em março de 2019. 

A qualidade de atendimento não vem sendo compensada pelas melhorias tecnológicas. O banco que mais atendimentos presenciais realiza sofrerá para manter a simpatia que a população guarda pela instituição,  enquanto os lucros têm batido recordes sucessivos. 

Cabe ao conjunto da classe trabalhadora a defesa da CAIXA 100% PÚBLICA, contra a sanha dos banqueiros, que não se oferecem para ajudar a pagar os benefícios sociais, mas reiteradamente têm expressado sua cobiça sobre os resultados fabulosos da CAIXA.

 

* Hélio Konishi é funcionário da Caixa Econômica Federal. Esse texto paz parte de um dossiê do Esquerda Online sobre as consequências das privatizações no Brasil. Acompanhe pelo site as outras publicações sobre o tema.

 

FONTES:

COSTA, Fernando Nogueira da. Brasil dos Bancos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014.

VALOR GRANDES GRUPOS, Dezembro de 2018.

VALOR 1000 MAIORES EMPRESAS, Agosto de 2019.

Balanços e demonstrativos da CAIXA: sítio http://www.caixa.gov.br/sobre-a-caixa/relacoes-com-investidores/central-resultados/Paginas/default.aspx