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BRASIL

Nada a se comemorar no sequestro da Ponte Rio-Niterói

Pedro Augusto Nascimento, de Santo André (SP)
Reprodução TV Globo

O Brasi assistiu pela TV a mais uma tragédia, que resultou na morte de um jovem negro de 20 anos, William Augusto da Silva, que havia mantido por quase quatro horas 39 pessoas como reféns em um ônibus na Ponte Rio-Niterói.

Pouco se sabe sobre as motivações do sequestro, mas os relatos da família convergem para um histórico de depressão e isolamento social de William, que pode ter evoluído para um surto psicótico.

Já os reféns, vindos de Alcântara, em São Gonçalo, se não bastasse a sensação de insegurança diária vivida por todo morador da periferia da Grande Rio, espremidos entre a violência da polícia, do tráfico e das milícias, experimentaram no caminho para o trabalho, mais uma vez, o horror de verem as suas vidas ameaçadas.

Tudo isso, no entanto, não foi suficiente para sensibilizar Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro ou Jair Bolsonaro. O primeiro, num ato doentio, comemorou a execução de William como se fosse um gol, vibrando e abraçando o comandante da PM como se houvessem obtido uma conquista. Já Bolsonaro, como já era de se esperar, longe da cena do sequestro e sem qualquer informação detalhada das negociações em curso e antes mesmo do desfecho da ação, já recomendava o abate de William.

A pergunta que fica é: qual foi a conquista comemorada por Witzel? 

Se é verdade que não ter havido vítimas entre os reféns diminui o tamanho da tragédia, nada indica que essas pessoas terão daqui por diante uma vida melhor, mais feliz, com mais bem estar e sensação de segurança. É sabido que situações extremas como as que foram submetidos deixam sequelas físicas, emocionais e psicológicas, maiores ou menores. Ou seja, não há nada a se comemorar.

A hipótese mais provável é que Witzel viu na execução a possibilidade de reverter o questionamento cada vez maior de sua política de extermínio, praticada a céu aberto, do alto de helicópteros que atiram sobre a favela matando inocentes. Witzel comemorou a materialização da política “mirar na cabecinha e… fogo”, transmitida em rede nacional e que agora será distorcida e usada por ele como “case de sucesso”.

A ideia de que snipers possam agir em caso de suspeita de porte de fuzil, frequentemente confundidos com celulares e guarda-chuvas, já está sendo praticada pela PM do Rio, agravando ainda mais a guerra que torna infernal a vida nas periferias do estado, à revelia da legislação brasileira que não prevê pena de morte. 

Isso significa que tampouco nós, que não estávamos no ônibus, temos qualquer motivo para comemorar uma ação que está sendo usada por governantes neofascistas para legitimar a espetacularização da violência e a desvalorização da vida, em especial a vida dos jovens negros. 

Ainda que se chegue à conclusão de que houve a aplicação correta do protocolo internacional de uso de snipers, nesse caso, diferente do que Witzel defende que seja praticado nas favelas, essa é uma gota num oceano de atrocidades cometidas pela polícia do Rio, além de ter resultado em uma morte, que deixou mais uma família chorando.

A política de extermínio no segundo país mais desigual do mundo, onde os 1% mais ricos concentram quase um terço da renda no Brasil, vem ocupar o lugar das demandas por políticas que enfrentem essa tragédia social. 

O futuro prometido pelo neofascismo brasileiro é o de um país sem direitos, ainda mais desigual, onde os efeitos dessa desigualdade possam naturalmente serem tratados à base da bala e do encarceramento em massa.

Enquanto Witzel e Bolsonaro comemoram, o nosso lado é estar de luto ao lado dos reféns e da família de William, tirando da dor a força para reverter a tragédia que tem se apresentado a nós diariamente.

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Wilson Witzel