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BRASIL

Rio de Janeiro inicia reabertura em meio a recorde de óbitos

Direção Regional da Resistência/PSOL – Rio de Janeiro/RJ
Fernando Frazão/Agência Brasil

Esportistas na praia da Barra da Tijuca nesta terça-feira, dia em que a cidade inicia reabertura.

Com quase 60 mil casos confirmados, mais de 6 mil óbitos por Covid-19, com a curva de espalhamento da doença em franca ascensão e com o sistema de saúde pública em colapso, a situação do Rio de Janeiro está longe de controle. Enquanto Crivella inicia a implementação de um plano de reabertura na capital, em nível estadual Wilson Witzel, também sob pressão do capital, acena para o relaxamento das restrições de circulação para a próxima semana. Outros municípios importantes como Duque de Caxias, São João de Meriti ou Niterói já tomaram passos nesse sentido. Por mais estúpido que seja, o início do afrouxamento coincide exatamente com o novo recorde de mortes em um só dia no Estado, estabelecido no último dia 2.  

É nítido o crescimento da pressão empresarial por uma retomada dos lucros a todo custo, mesmo que esse custo seja o de uma tragédia humana sem precedentes. O simples cogitar de uma flexibilização do distanciamento social no Rio de Janeiro, nesta altura, já seria uma barbaridade absolutamente irracional e criminosa. Desgraçadamente, podemos estar diante de um triunfo mórbido da política do “deixa morrer”, em benefício do interesse de uma minoria gananciosa. A contratação pela prefeitura de câmaras frigoríficas para armazenar cadáveres concomitantemente à reabertura é a alegoria espantosa dessa política criminosa. 

É curioso pensar, no entanto, que há apenas 3 meses atrás a posição do governador do estado aparecia de forma muito diferente. Com uma retórica de “defesa da vida e da ciência”, Witzel buscava construir uma localização de oposição contundente ao negacionismo bolsonarista. Em aliança com governadores de todo o país, apresentava-se como um combatente em prol do distanciamento social, colaborando na constituição de um bloco de oposição de direita ao governo Bolsonaro. 

É evidente que, afora sua retórica, a política de Witzel centrou-se esse tempo todo na adoção de medidas absolutamente insuficientes para a efetivação do distanciamento social. A ausência de uma política estadual de ampliação emergencial da renda e da proteção social em escala proporcional ao impacto da pandemia está resultando, agora, no esgotamento de qualquer lastro material de “defesa da vida”, da qual resta apenas sua dimensão puramente discursiva. A curva não se achatou, o colapso da saúde chegou, os índices de efetivo distanciamento social refluíram e a pressão empresarial tornou-se irresistível. E é desde a situação nas favelas que se pode ter o retrato mais nítido de um balanço da atuação do governo do Estado durante a pandemia.

Não bastasse a ausência de uma política emergencial de garantias das condições de renda, higiene e efetivas condições de quarentena nas favelas, Witzel é responsável por um massacre sem precedentes empreendido pelas operações policiais nessas localidades. A política racista de “atirar na cabecinha” não apenas não foi suspensa durante a pandemia, como foi cruelmente intensificada. Durante o mês de abril, os indicadores de letalidade policial do ISP (Instituto de Segurança Pública) simplesmente atingiram os maiores número de toda a série histórica. 

O menino João Pedro tragicamente foi vitimado por uma política que é a mais pura expressão de barbarismo: nas favelas do Rio, pode-se morrer não apenas pelo vírus, mas também  por tiros. O peso social do bolsonarismo nas bases das forças de segurança pressiona por uma perigosíssima autonomização das polícias, encorajadas a matar mais que sempre, ao passo em que as disputas territoriais entre o tráfico e as milícias ajudam a explicar porque, ainda que sob a vigência dos decretos de quarentena, não há espaço para trégua nessa guerra insana e racista – muito pelo contrário. A responsabilidade de Witzel nesse cenário, conforme apontada pelo ato “Vidas negras importam”, é evidente.

A falência da demagogia de Witzel, desnudada pelo avanço da política de morte sobre a defesa da vida, é, agora,  o pano de fundo para uma profunda crise política. Pressionado brutalmente pelos empresários fluminenses, o governo é também acossado pela iniciativa da Polícia Federal e do bolsonarismo. A deflagração das operações Placebo e Favorito elevaram a um novo patamar as denúncias de corrupção relacionadas aos esforços de expansão do sistema de saúde no contexto do combate do coronavírus. 

Os indícios de fraude na contratação da Organização Social Iabas levantam suspeitas do envolvimento direto do próprio governador e do ex-secretário de saúde, Edmar Santos. Com direito à entrada da PF no Palácio Guanabara, o episódio ensejou uma forte dança das cadeiras em secretarias e cargos de liderança do governo na Alerj, desestabilizando profundamente a sustentação parlamentar do governo.

Evidentemente, o governo Witzel não é digno da mínima confiança. Ainda que tenha se deslocado para a oposição a Bolsonaro motivado por interesses próprios, é um governo de degenerados e aventureiros que emergiram no contexto da ascensão das ideias de extrema direita em nosso país. Aproveitar-se do sofrimento do povo em meio ao surto do coronavírus para fraudar contratações é uma conduta tão abjeta quanto congruente com os setores sociais por onde transitam Witzel e sua comitiva de reacionários. 

Igualmente ingênuo seria não enxergar com a maior suspeita os propósitos da ação da Polícia Federal, precisamente no momento em que se tornou explícita a intenção de Bolsonaro de interferir naquela instituição no sentido do seu controle político. O anúncio antecipado de operações “contra governadores” por parte da deputada federal bolsonarista Carla Zambelli é eloquente em revelar o desejo do neofascismo de contar com a PF como polícia política. O sorriso debochado de Bolsonaro quando perguntado sobre o tema apenas dá confirmação final à intencionalidade exposta no vídeo revelado da fatídica reunião ministerial: “vou interferir”. 

Em meio a todo esse cenário, diante de uma crise de evolução ainda altamente imprevisível, cabe à esquerda a defesa incondicional da vida, denunciando a irracionalidade de se flexibilizar o distanciamento social antes mesmo de que venhamos a atingir o pico da curva de contágio – quando a necessidade real seria precisamente o oposto. Nesse sentido seguem vigentes as exigências por ações de lockdown, enquadradas numa política robusta de renda, proteção social, segurança alimentar e de garantias democráticas. Denunciamos a abertura irresponsável da quarenta indicada por Witzel e Crivella como uma política assassina a favor do lucro e contra a vida.

Diante das mobilizações no mundo e em nosso próprio país, denunciamos o massacre de Witzel ao povo negro nas favelas. A esquerda deve se ligar e solidarizar com a reação antirracista frente ao extermínio praticado pelas polícias, exigindo o fim das operações policiais e um programa emergencial para viabilizar a quarentena para o povo das favelas. Frente à crise do governo estadual, a esquerda fluminense deve unir forças para fortalecer a resistência, sem dar tréguas na polêmica com Witzel, e sem tampouco abrir margem a qualquer unidade na ação com o bolsonarismo. É na defesa da vida do nosso povo e de nossa juventude negra que a esquerda poderá se apresentar como alternativa.