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Trabalhador que aderir ao saque-aniversário não poderá sacar o FGTS na demissão

Em 2018 14.854.729 pessoas foram desligadas dos seus empregos. Caso tivessem aderido ao programa do governo, não poderiam sacar o valor do FGTS por dois anos, justamente quando mais precisariam

Economia para os 99%

É difícil afirmar que o capitalismo deu certo vivendo em um país onde mais de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza. Mas se você fizer parte do “1%” mais rico por que não achar que está “tudo bem, obrigado”? Esta coluna se preocupa com temas econômicos do cotidiano: desemprego, renda, passagem de ônibus, inflação, aposentadoria e um longo etc., mas sempre na perspectiva dos 99%, afinal de contas, nenhuma análise econômica é neutra.

Eric Gil Dantas é economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e doutor em Ciência Política. É militante da Resistência/PSOL.

Nesta segunda-feira, 5, a Caixa Econômica anunciou o calendário para saques do FGTS, o Saque Certo, programa previsto na Medida Provisória 889. O objetivo desta política seria injetar dinheiro numa economia que se encontra totalmente estagnada, mesmo depois de diversas medidas de austeridade, como privatizações, reforma trabalhista e a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência, prometida como a salvadora da pátria.

A liberação de parte dos recursos do FGTS também foi uma cartada feita pelo governo Temer, em 2017. Naquele ano a Caixa pagou um montante de R$ 44 bilhões a 25,6 milhões de pessoas (uma média de cerca de R$ 1.700,00 por pessoa) que tinham algum dinheiro em contas inativas, ou seja, relativo à contribuições de empregos antigos. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estimou que 25% do montante sacado à época foi para o comércio, o que fez aumentar em 1,42% as vendas naquele ano. Provavelmente, a maior parte deste dinheiro foi para pagamento de dívidas pessoais ou com bancos, mas não há pesquisa sobre o tema.

Diferentemente de Temer, até porque as contas inativas já haviam sido sacadas, Bolsonaro e Guedes anunciaram primeiramente que iriam permitir o saque de 35%, 30% e 10% dos valores nesta poupança, a depender de quanto cada trabalhador tivesse na conta. No entanto, depois de pressão dos empresários da construção civil (principais beneficiados do uso do FGTS para a compra de imóveis) o valor baixou para o teto de R$ 500. Assim sendo, o governo liberará apenas um máximo de R$ 500,00 por conta.

A outra modalidade contida nesta MP – o saque-aniversário – preocupa. Nela o trabalhador poderá aderir à um programa onde ele terá a possibilidade de sacar um valor anualmente, sempre um mês após o seu aniversário – por isto o nome. No entanto, isto está vinculado a este trabalhador abrir mão de poder sacar o seu FGTS caso seja demitido sem justa causa – isto só poderia ser revertido depois de 2 anos que o trabalhador se arrependesse e informasse que não queria mais participar deste programa. Nesse período, ele só poderá sacar o equivalente ao valor da multa.

Vivemos em uma economia com um grande problema de emprego. A taxa de desemprego só cai quando aumenta a quantidade de pessoas na informalidade, no desalento ou em subocupações. Além disto, nosso mercado de trabalho sempre apresentou alto nível de rotatividade da força de trabalho, rotatividade que desde 2015 já aumentou 101%, segundo dados do CAGED. Deixar um trabalhador sem acesso ao total do seu FGTS em um momento de crise econômica é de uma total inconsequência com o povo. Mas isto já é a regra neste governo.

Um exemplo

Pensemos, por exemplo, em um cenário onde José – que recebe R$1.500 de salário – opta por entrar neste programa. José, com 2 anos e meio de trabalho, junta um FGTS de R$3.900 neste exato mês de agosto, que Bolsonaro anuncia o seu novo programa. Entrando na onda do saque aniversário, José – que fará aniversário em fevereiro – opta por pegar R$ 500 agora e os 30% mais parcela adicional de R$ 150 em 2020, valor permitido pelo programa Saque Certo. Até abril, mês possível de fazer o seu saque, José já conseguiu juntar mais R$ 1.080 no FGTS. Depois dos R$ 500 de saque em 2018 mais o saque de R$ 1.494,00, José fica com R$2.986.

Vamos imaginar que, em julho, com a continuidade da crise econômica, José é demitido sem justa causa na empresa que trabalhava. Os R$ 1.994 já foram pra pagar dívidas e gastos emergenciais. Com a demissão José só receberá a multa do FGTS, que totalizará R$ 2.136, ficando o restante com a Caixa Econômica, que só liberará mais R$ 1.503,80 no ano que vem. Ou seja,  os outros R$ 3.346 não poderão ser utilizados para que ele consiga mais um tempinho para sustentar a sua família enquanto arruma um emprego em meio à um país em crise, para o que geralmente serve o FGTS neste momento tão difícil na vida de um trabalhador.

Para simplificamos mostremos a evolução dos números nesta tabela.

Este programa, além de tentar desesperadamente maquiar uma política econômica falida, baseada apenas em piorar a vida do trabalhador pra garantir lucro de empresários (Reforma da Previdência, MP da Liberdade Econômica, Privatizações e um longo etc.), não pensa minimamente nas consequências que irá gerar na vida dos tantos trabalhadores que podem perder seus empregos em 2020. A título de exemplo, em 2018 existiram 14.854.729 pessoas que foram desligadas dos seus empregos, segundo dados do CAGED. Ou seja, quase 15 milhões de potenciais Josés. O FGTS e a multa por demissão sem justa causa são direitos que não podem nunca ser retirados, ainda mais no momento de maior fragilidade do trabalhador, que é a hora da sua demissão.

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FGTS