Tem um deboche ideológico que parece inocente, mas não é. É aquela brincadeira que diz que é mais fácil alguém se convencer que o fim do mundo é iminente, do que acreditar que o fim do capitalismo é possível. Parece irreverência inocente, mas não é.
Por isso, devemos nos preocupar com a disseminação na esquerda de outra ideia ingênua. A ideia de que Bolsonaro faz tantos disparates, que vai cair mesmo, e é só uma questão de tempo. “Se já fizeram uma vez contra a Dilma Rousseff, poderiam fazer, também, contra Bolsonaro”. Ideologias conspiratórias são simples e, tendencialmente, populares, mas não são inofensivas.
A ideia de que a história se repete é poderosa. O que nos remete à “mania” facilista. Uma mania pode ser definido como um humor exaltado, uma euforia. Os golpes institucionais, como no Paraguai e no Brasil, foram um instrumento, desde 2009, há dez anos em Honduras, para que as classes dominantes voltassem a governar, diretamente, sem mediações. Imaginar um giro para um novo golpe institucional, só que agora contra um governo de extrema direita, é somente, expressão de desejo.
Esta expectativa alimenta uma espécie de “fatalismo” de esquerda. Ela é perigosa, por duas razões. Porque, ao mesmo tempo. subestima a força de Bolsonaro, e desconsidera o potencial da mobilização popular de resistência.
Basta uma ideia atrativa, mesmo que seja enganosa, para alimentar uma narrativa. Uma narrativa pode ser convincente. só precisa de coerência interna. Mas uma versão dos acontecimentos, por ser aceita por muitos milhares de pessoas, não é, por isso, menos errada.
Não vai ser a burguesia quem vai nos livrar de Bolsonaro. Não há atalhos no horizonte. Dependemos, essencialmente, da capacidade de mobilização social e política da esquerda. Os conflitos internos à coalizão de extrema direita, ou entre o governo e o Congresso e o STF são até divertidos, mas não podem nos enganar. Há divisões reais, o que é animador, mas também, muita encenação. Não vamos “pegar carona” com o centrão para derrubar Bolsonaro, e entregar o poder ao Rodrigo Maia. Quem imagina que a burguesia vai apostar em impeachnent para entregar o poder ao Mourão, o suposto “adulto” dentro da sala, está fantasiando. Auto-engano.
Neste momento a política burguesa é pressionar para enquadrar Bolsonaro, apesar de seus excessos. Pressionar, não deslocar. Zoar com as declarações amalucadas no almoço, pode. Convocar reuniões para articular uma conspiração para derrubá-lo, não pode. Evidentemente, essa atitude do grande capital, eventualmente, pode mudar. Mas não é hoje a política que prevalece.
Admitamos, todavia, apenas como especulação, esta hipótese. Imaginar que Bolsonaro iria assistir a uma conspiração de Palácio, sem reagir, energicamente, é insensatez. Porque Bolsonaro é candidato a Bonaparte. Podemos brincar, entre nós, para relaxar, que parece Napoleão de hospício, mas não é tão simples. Sim, é grotesco, mas não é fraco.
O governo nos parece uma orquestra de desmiolados, um circo disfuncional, mas não vai cair de “maduro” sozinho. Bolsonaro ainda pode contar com um núcleo duro ultra-reacionário de alguns milhões de pessoas dispostas a ir para as ruas. Isso conta e muito.
Pode contar, também, por enquanto, com uma unidade majoritária, quase granítica, do “dinheiro grande” para aplicar seu projeto de recolonização. Terá que ser detido pela luta popular. Esperar que seja a classe dominante brasileira a se desvencilhar do acidente histórico que ela mesma apoiou em 2018 é pensamento mágico.
A luta para derrotar Bolsonaro passa pela resistência à aprovação da reforma da Previdência. Passa pela continuidade das grandes manifestações que começaram em 15 de maio. Até que sejamos muitos milhões nas ruas.
As expectativas que guardamos não são gratuitas. Elas são a expressão das pressões do tempo em que vivemos. Podemos nos proteger com uma atitude crítica, muito estudo e, sobretudo, interação com os outros em uma organização militante coletiva de esquerda, mas ninguém é imune.
O governo Bolsonaro é uma coalizão de extrema direita com um projeto político-social que provoca conflitos com as instituições do regime como o Congresso e o STF, e choques sociais que exigem a mobilização contrarrevolucionário permanente.
Nós vamos ter que continuar com a mobilização nas ruas.
E, cedo ou tarde, vamos ter que medir forças para valer.
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