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EDITORIAL

É hora de organizar a resistência contra o pacote anticrime de Moro e Bolsonaro

Editorial de 06 de junho de 2019

Velório de jovens mortos pela polícia no morro do Fallet, no Centro do Rio. Quantidade de tiros indica execução.

O governo Bolsonaro anunciou que lançará, no dia 12 de junho, uma campanha publicitária para a aprovação do pacote anticrime, proposto pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro.

O pacote prevê uma série de mudanças na legislação penal e processual penal do país, que limite ainda mais a possibilidade de defesa e o acesso à Justiça da maioria da população, justamente a mais criminalizada também pelo racismo estrutural e pela pobreza. Além disso, o projeto pretende dar segurança jurídica ao aumento da violência policial que já está em curso no país, e que o governo Bolsonaro também buscará mobilizar para enfrentar os movimentos sociais de resistência.

O projeto está sendo criticado por especialistas em todo o Brasil. Até agora, já se manifestaram contrariamente a algumas medidas do pacote o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a Associação de Juízes pela Democracia (AJD), a Associação de Amigos e Familiares de Presos (AMPARAR), a Pastoral Carcerária Nacional / CNBB, entre outros.

Diversas são as medidas propostas que geram preocupações em entidades de defesa dos direitos humanos. Uma das principais é a aplicação de excludente de ilicitude para homicídios praticados por agentes policiais que agirem sob “medo”, “surpresa” e “violenta emoção”, podendo livrá-los até mesmo de acusações de feminicídio, como demonstra a nota técnica da Associação dos Juízes Federais (AJUFE).

Cumpre ressaltar que o número de pessoas assassinadas pela polícia cresceu 18% no último ano, ao passo que o número de policiais mortos diminuiu 18%, conforme o Monitor da Violência, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). Isso significa que tal alteração legislativa seria aplicada em um contexto de aumento da violência policial no país, o que é demonstrado, inclusive, pela execução da vereadora Marielle Franco e nos assassinatos de Evandro Silva e Luciano Macedo, com 80 tiros, no Rio de Janeiro.

A isso se acrescentam o perfil das vítimas da violência. Divulgado nesta semana, o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra  que 75,5% das vítimas de homicídio no País são negras. Entre 2007 e 2017, enquanto  a taxa de não-negros assassinados cresceu 3,3% a mesma taxa entre os negros aumentou absurdos 33,1%, diferença que se acentua desde 2015.

Outra mudança importante no pacote diz respeito à instituição do “plea bargaing”, ou seja, a possibilidade de que a acusação negocie a aplicação imediata de uma pena privativa de liberdade, sem a possibilidade de produção de provas ou de interposição de recurso. Nos Estados Unidos, onde o “plea bargaing” é aplicado para a resolução da maioria dos casos, estima-se que o modelo tenha sido responsável por gerar a maior população carcerária do mundo (cerca de 2,2 milhões de pessoas). Não se pode esquecer, nesse ponto, que o Brasil alcançou, no último ano, o status de terceira maior população carcerária mundial, com aproximadamente 800 mil presos.

Chama a atenção no projeto, também, o cadastro de condenados por todos os crimes dolosos em bancos de perfil genético, como denunciado pelo movimento negro em audiência pública na Câmara dos Deputados. O juiz federal José Nicollit, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, especialista em bancos genéticos, destacou em entrevista que essa medida visa aumentar a perseguição contra a população negra e periférica. Em entrevista concedida para a Rádio Brasil Atual, em março desse ano, Nicollit destacou que “na verdade, esse banco de perfil genético tenta seguir com o extermínio e controle de populações periféricas, nada mais do que uma forma de controle social daquilo que a gente chama de gestão dos indesejáveis”.

Para nós, o pacote anticrime, ao lado da reforma da Previdência e os cortes na educação, faz parte dos principais ataques do governo Bolsonaro à classe trabalhadora. Ele representa exatamente a coroação de um projeto político que tem como seus motes o desmonte dos direitos sociais e o aumento da violência do Estado, especialmente contra negros e negras, como demonstram os helicópteros da polícia atirando a esmo sobre favelas de Angra dos Reis, sob supervisão do governador Witzel, e no Complexo da Maré.

A expectativa do Governo Federal, que está investindo fortemente em propaganda a favor do pacote anticrime, é que ele seja votado, ainda que de forma fatiada, ainda no primeiro semestre. Não podemos esquecer, inclusive, que a aprovação do pacote foi pauta amplamente defendida nas manifestações em apoio ao governo do dia 26 de maio. Justamente por isso, chegou a hora de organizar a resistência contra a sua aprovação!

Uma série de movimentos sociais, mobilizados pelo movimento negro, lançou um manifesto contra o pacote anticrime de Sérgio Moro. O manifesto já conta com a assinatura de três ex-ministros da Justiça: Tarso Genro, Eugênio Aragão e José Eduardo Cardozo, além de várias personalidades como Marinete e Anielle Franco, Boaventura de Sousa Santos, e diversos movimentos sociais e entidades de defesa dos Direitos Humanos. Esse manifesto foi apresentado a lideranças de partidos políticos na Câmara dos Deputados e formalmente protocolado.

É hora de barrar o pacote anticrime nas ruas!

 

Link para assinatura do manifesto