O primeiro ato que o presidente eleito precisa fazer, para que suas propostas possam ter credibilidade mínima, é descer do palanque. Descer do palanque é o ato mais importante após confirmada sua eleição. Descer do palanque significa governar para acabar com o maior problema do país; sua grande desigualdade social, independente de raça, sexo, cor, religião ou origem. Descer do palanque, após eleito, é sua melhor opção; fazer bravatas e ameaças não é uma boa opção.
Governar com justiça é o primeiro ato do presidente após a posse. Governar com justiça é buscar construir uma sociedade livre, justa e solidária. É buscar a prosperidade, o desenvolvimento e o crescimento do país. Governar com justiça, em nosso país, significa antes de tudo, erradicar a miséria, a pobreza e combater as grandes desigualdades sociais e regionais. Governar com justiça não significa governar igual para todos os brasileiros. Definir para qual classe social vai governar com prioridade é o segundo ato do presidente após a posse.
É preciso alertar ao presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, chamado, pelos seus eleitores mais entusiasmados de “Mito”, que o Palácio do Planalto não é a “Casa da Dinda” como já tentaram fazer. O presidente eleito precisa saber que, após a posse, estará cometendo crime de responsabilidade caso insista neste discurso de pretender criminalizar movimentos sociais legítimos como o MST e o MTST. O presidente eleito deve ser alertado para dar uma “lidinha” no artigo 85 de nossa Constituição Federal (CF88). Melhor, sugere para o presidente eleito ler pelo menos as seções I, II e III do Capítulo II – “Do Poder Executivo”; de nossa tão maltratada e desprezada CF; caso contrário será patético e muito difícil o que teremos que aturar. É hora de parar de alimentar a guerrilha mental e ideológica de seu discurso. Se o presidente eleito insistir neste discurso, pode ter certeza que terá grande resistência nas ruas.
No Brasil, cuja escravidão se estendeu por quase quatrocentos anos, as ideias conservadoras e os preconceitos raciais, de gênero e de classe, insistem em sobreviver. No Brasil, o conservadorismo e as políticas liberais são ainda consideradas, por grande parte da população, como uma visão imparcial e natural; ao passo que as políticas e posições mais críticas, preocupadas com justiça social, distribuição de renda e combate às desigualdades, são vistas como radicais e de “esquerda”. Nada mais estúpido! A desinformação produtora de ignorância causa grande prejuízo para a população. Mas, com a grande mídia que domina a comunicação e o discurso político e ideológico em nosso país, não poderia ser diferente. A “Casa-Grande e Senzala” ainda é muito forte na realidade sociocultural brasileira. Serão necessários ainda muitos anos de investimentos em educação e cultura para contribuir para o processo de conscientização política e social para romper essas barreiras e preconceitos.
Exemplos clássicos são as questões da reforma agrária e a luta pela moradia em nosso país. Quando uma organização legítima como o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ocupa uma propriedade improdutiva, que não preserva o meio ambiente e não observa as leis trabalhistas, ou seja, que não esteja cumprindo sua função social conforme previsto em nossa CF, a grande mídia critica o MST afirmando que ele está invadindo uma propriedade privada. Claramente influenciada por esta visão da grande mídia, durante décadas, é desta forma também que esta questão é tratada por grande parte da população de nosso país. O mesmo acontece quando o MTST – Movimento dos Trabalhadores sem Teto, ocupa um prédio abandonado e com risco, inclusive, de desabar. Não interessa se o imóvel está cumprindo sua função social como exigido também em nossa Carta Magna.
As pessoas deveriam se informar melhor antes de sair criticando algo que não têm domínio ou um mínimo de conhecimento e informação. Se eu sou economista não vou me manifestar sobre medicina ou direito sem antes me informar sobre o assunto. Da mesma forma, qualquer profissional ou especialista em outra área de atuação não pode achar que está autorizado a dar sua opinião sobre política ou economia sem antes se informar dos assuntos que pretende criticar. Por mais que a economia e a política sejam questões que afetem a vida e o cotidiano de todos nós, elas não deixam de ser uma ciência, e, portanto, requerem conhecimentos indispensáveis para não cometermos erros básicos.
O renomado físico Albert Einstein, considerado o maior nome da física moderna, escreveu um artigo em 1949 com o título “Por que Socialismo?”. Neste texto, Einstein defende e aponta as vantagens do socialismo; e na introdução, questiona se seria aconselhável que um não especialista em assuntos econômicos e sociais manifestasse seus pontos de vista sobre o tema “socialismo”. Por várias razões, ele afirmou que acreditava que sim. Destacou inclusive que a experiência acumulada, desde o período civilizado da história humana, não tem sido influenciada e limitada por fatores de natureza exclusivamente econômicos.
Einstein acentuou, ainda, que “deveríamos nos precaver no sentido de não superestimar a ciência e os métodos científicos quando o que está em questão são problemas humanos – e não deveríamos presumir que somente especialistas têm direito a se manifestar sobre as questões que afetam a organização da sociedade.”
Na verdade, trata-se de ignorância, desprezo pela busca da verdade e falta de compromisso em descobrir, de fato, a realidade socioeconômica de um Brasil tão injusto e desigual. É ainda, fruto de comodismo e egoísmo diante da situação de miséria de grande parte de nosso povo. Todos esses ingredientes produzem um solo fértil para o preconceito e ódio de classe enraizado em uma parcela da população que não admite que o outro também possa ter direitos e nível de vida social melhores. Uma rápida leitura nos artigos 1 ao 7 e 182 a 191 de nossa CF resolveria grande parte desses equívocos e ataques contra o MST e o MTST. O artigo 184 prevê de forma clara e inequívoca que “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social …”.
Infelizmente, para uma grande parcela da população, a propriedade privada é sagrada, está acima dos seres humanos. Numa demonstração de total inversão de valores. Basta o proprietário colocar uma cerca e ter o registro geral de Imóvel, que o imóvel é dele, é solo sagrado! Não importa se o imóvel possa ter sido fruto de grilagem ou invasão por parte de latifundiários. Esta versão jamais será noticiada nos jornais vendidos nas bancas, jamais será assistida nos Telejornais das vinte horas. A “chamada” é sempre a mesma: “Manifestantes do MST invadem propriedade em tal Estado” ou “MTST invade prédio no centro de SP”. Omitem, com a maior desfaçatez e descaramento, que o imóvel estava abandonado. Mas este fato não pode ser motivo de surpresa para quem conhece a história da criação e desenvolvimento da televisão brasileira. Na luta de classes, jamais uma empresa da grande mídia, que é também grande capitalista, fará um discurso diferente; sairá em defesa de movimentos sociais que lutam por terra ou moradia. Para uma parcela da população, preconceituosa e que se posiciona sempre do lado dos poderosos; e fortemente influenciada por esta mídia corporativa medíocre, tanto faz se o imóvel está abandonado, “esquecido” pelo “dono” com fins de especulação imobiliária, se é fruto de grilagem ou não está sendo útil para a população ou para o país. É senso comum, herança de nossa cultura e passado escravagistas, que a terra, a propriedade privada, tem dono e por isso tem que ser respeitada a qualquer custo; não interessando se a propriedade está gerando algum produto ou benefício para a sociedade. Para esta parcela da população pouco importa se a propriedade está cumprindo a função social exigida em nossa Constituição. Também pouco importa para essas pessoas se no Brasil tem mais de dez milhões de hectares improdutivos nas mãos de 5% da população e, do outro lado, mais de quinze milhões de famílias privadas de terem uma pequena propriedade para morar, plantar, colher seus produtos e obter renda para seu sustento. É bom lembrar que se essas quinze milhões de famílias pudessem ter a oportunidade de produzir milhares de toneladas de alimentos, os mesmos poderiam contribuir para aumentar a oferta de diversos produtos e com isso reduzir os preços dessas mercadorias e beneficiar milhares de outras famílias; inclusive as que são preconceituosas e contra estes Movimentos de luta pela terra e moradia.
A grande mídia, que é comandada por grandes capitalistas, e isto não é apenas um detalhe qualquer, disseminou, durante décadas, o discurso que todo político é corrupto e incompetente para administrar a coisa pública. Ao mesmo tempo, difundiu para a população que a melhor solução, para resolver todos os males causados por esses “corruptos e incompetentes”, é a figura do “Gestor”, o empresário bem-sucedido que consegue gerar grandes lucros para suas empresas, pouco importando que seja à custa de baixos salários e retirada de diversos direitos. Temos que admitir que foi uma “Tacada de Mestre”. Nada melhor para engordar a velha raposa, que a colocar para tomar conta do galinheiro.
É lógico que esta receita não é a melhor para fazer o bolo crescer e muito menos para reparti-lo. Colocar o grande empresário para administrar e investir os recursos públicos, arrecadados através de impostos pagos majoritariamente por trabalhadores, não vai contribuir em nada para combater as injustiças e desigualdades na utilização desses recursos para a sociedade.
Engana-se quem acha que esta situação é recente. O próprio Einstein, neste mesmo texto, deixa bem claro que esta conduta, dos grandes empresários, já era uma realidade em 1949. Nada mais atual para descrever o que passamos hoje, setenta anos depois. Os meios utilizados não são as redes sociais ou aplicativos como o “WhatsApp”, mas o resultado é o mesmo:
“O capital privado tende a se concentrar em poucas mãos, em parte devido à competição entre os capitalistas, em parte porque o desenvolvimento tecnológico e o crescimento da divisão do trabalho estimulam a formação de unidades de produção maiores, em prejuízo das menores. O resultado desses desenvolvimentos é uma oligarquia do capital privado, cujo enorme poder não pode ser efetivamente controlado sequer por uma sociedade política democraticamente organizada.
Isto é assim porque os membros dos corpos legislativos são selecionados por partidos políticos, que são amplamente financiados, ou influenciados de algum outro modo, por capitalistas privados que, para todos os propósitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem de fato e de modo suficiente os interesses dos setores menos privilegiados da população. Além disso, nas condições atuais, os capitalistas privados inevitavelmente controlam, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). Torna-se assim extremamente difícil para o cidadão individual, e de fato impossível na maioria dos casos, chegar a conclusões objetivas e fazer uso inteligente dos seus direitos políticos.”
Para evitar análises incorretas e consequentes conclusões equivocadas, é necessário esclarecer que o problema não é o capitalista individual. Seria tolice e fora da realidade querer demonizar o capitalista, tal qual fazem com o socialismo. O problema é o “sistema capitalista”, não é o capitalista individual. No capitalismo, a concorrência predatória entre capitalistas é ininterrupta e desastrosa para a parte perdedora. Mais de nove mil operações de fusão e aquisição ocorrem no mundo, anualmente; sendo uma parcela em condições desfavoráveis para uma das partes. Outros milhares de empresas no mundo, decretam falência por conta de concorrência desleal ou formação de cartéis por parte de empresas concorrentes. Esta dinâmica macroeconômica é imposta pelo próprio sistema capitalista. Não existe capitalismo sem concorrência, fusões e aquisições, cartéis, falências, desemprego, disputa por mercados, lucro, acumulação de capitais e muito menos sem exploração da força de trabalho. A solução não é a eliminação deste ou daquele capitalista, como pensam algumas pessoas; a solução passa pela superação do sistema capitalista como modelo econômico. É falso imaginar que a eliminação de um determinado capitalista resolveria os problemas. No capitalismo não existe vácuo no mercado. Quando uma empresa é eliminada, outra ocupa a fatia de seu mercado que deixou de ser atendida. O grande problema é que o novo capitalista pode sempre ser pior, para os interesses dos consumidores e de seus trabalhadores, que o antigo capitalista destruído.
O desemprego, o mais grave problema estrutural do capitalismo, não é uma opção que possa deixar de existir, não é uma variável indesejável que possa ser eliminada por meio de políticas econômicas. O desemprego é inerente ao capitalismo. O desemprego, isto é, a oferta de mão-de-obra ou força de trabalho superior à demanda, é o maior problema do capitalismo e causa da crescente pobreza e miséria no Brasil e no mundo. A força de trabalho segue a mesma lógica de uma mercadoria qualquer. Sempre que a oferta de uma mercadoria é superior a sua demanda, o preço desta mercadoria diminui. Com a mercadoria “força de trabalho” não é diferente. Sempre que a oferta da mercadoria “força de trabalho” for maior que sua procura, o salário oferecido pelo empregador diminui; até chegar a um patamar que o valor oferecido do salário não mais compensa ao trabalhador sair de casa para trabalhar, para vender sua força de trabalho.
No sistema capitalista não é possível existir situação de “pleno emprego” como encontrado nos manuais de macroeconomia e anunciado pela grande mídia corporativa capitalista. No sistema capitalista, entende-se por “pleno emprego” a situação onde a taxa de desemprego fique em torno de 5%. No Brasil, hoje, isto representa cerca de cinco milhões de desempregados, ou seja, cinco milhões de famílias passando por dificuldades ainda maiores. Para os ilustres capitalistas, isto não é problema, é solução. É preciso, para viabilizar o sistema capitalista, este “exército de reserva” industrial ou de serviço, para não pressionar o preço dos salários. Mas, quando a taxa chega a 10% ou mais, passa a ser um grande problema para esses senhores, pois, dez milhões de desempregados, significa mais cinco milhões de famílias impossibilitadas de consumir. Como já comentado, não existe capitalismo sem mercado consumidor. Podemos até encontrar empresas industriais com 90% de seu quadro funcional robotizado, mas não se pode, no capitalismo, abrir mão do consumidor. Robô não recebe salário nem faz greve, o que é uma maravilha para o capitalista; mas também não consome mercadorias. Sem venda de mercadorias não existe capitalismo. Quando este cenário, de grande taxa de desemprego, se concretiza, seus lucros diminuem, começam a impactar seus fluxos de caixa e a doer nos seus bolsos. A partir daí, passa a ser um problema para esses senhores.
Como já destacado, o desemprego é um problema estrutural do capitalismo. Na Espanha, por exemplo, a taxa média de desemprego é acima de 15%. Se a demanda por “força de trabalho” aumenta muito, a ponto de se aproximar do nível de disponibilidade desta mercadoria, “força de trabalho”, oferecida no mercado, a tendência natural é haver um aumento do valor desta mercadoria, ou seja, aumento do valor dos salários pago aos trabalhadores. Este aumento dos salários, não é desejável nem bom para os capitalistas, pois aumenta a despesa total de seus projetos e empreendimentos e com isto na redução automática de seus lucros e consequente redução das margens de lucros e retorno desses empreendimentos. No sistema capitalista, uma taxa de desemprego em torno de 5% é garantia de maiores margens de lucro, é garantia de sobrevivência do próprio capitalismo. É uma contradição fundamental deste sistema econômico.
“Mas nunca se esqueça; o coveiro nunca fica sem trabalho.” (Última cena do filme Sinfonia da Necrópole: um musical dentro do cemitério. Da diretora Juliana Rojas).
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