Carlos Zacarias de Sena Júnior (Professor do Departamento de História da UFBA)
Eu sei que não tá fácil esquecer a Damares, o Vélez Rodríguez, o Ricardo Salles, o Paulo Guedes e, principalmente, o Capitão e sua prole, mas pense, é Carnaval e não há absolutamente nada que você possa fazer nesses dias, senão brincar, curtir, descansar, assistir uns filmes, ler um livro ou, simplesmente, pôr as pernas para o ar. Isso se você não estiver entre os 13 milhões de desempregados, ou entre o restante de desalentados e subempregados, que perfazem quase 30 milhões. Neste caso, o Carnaval servirá para você ganhar uns trocados e garantir o pão na mesa por uns dias.
O fato é que mesmo com toda a dificuldade de esquecer a pantomima que é o Brasil de Bolsonaro, e todo o descalabro proporcionado pelas ameaças com a reforma da previdência, o fato é que durante o Carnaval nada vai tomar o lugar da alegria e da espontaneidade de milhões de pessoas que vão encher as ruas, apesar dos camarotes, das cordas, da segregação, do machismo, racismo e LGBTfobia. Então minha proposta é que, apesar de tudo, você aproveite e brinque. Brinque muito, mesmo sem se esquecer que o ano pra valer vai começar na quarta-feira de cinzas, e que toda a patuscada anterior da trupe bolsonarista foi mero ensaio para o que virá.
Mas aproveite o Carnaval para também fazer umas reflexões. Pense que aquelas pessoas que estão vendendo mercadorias no circuito da festa, não tem direitos. Que dependem do SUS, ameaçado; que dependem da escola pública, sucateada; que esperam entrar no mercado de trabalho e pretendem um dia se aposentar, se aposentadoria ainda houver. Veja as crianças catando latinhas, e pense no absurdo que é a exploração sexual de menores, que cresce durante a festa. Também olhe para os blocos de trio e os camarotes, e faça o “teste do pescoço”, aquele que confirma que este país é muito racista, então não perca a capacidade de se indignar.
Mas também veja a alegria do desfile da gente negra do Ilê Aiê, o mais belo dos belos, ouça o batuque ancestral da bateria do Olodum embalada no ritmo genial inventado pela baqueta de Neguinho do Samba, mas não se esqueça que os blocos afros já foram proibidos nos tempos da ditadura e foi a luta do povo negro que nos permitiu assisti-los nas ruas.
Mas se deixe levar pela folia e vá atrás do Trio Elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar, se esbalde na diversidade dos Mascarados, cole na corda dos Filhos de Gandhi e caia na levada de Daniela Mercury e sua canção para embalar esses tempos, “Proibido o Carnaval”.
Por fim, vá curtir a segunda-feira na Mudança do Garcia, quiçá dançando aquela marchinha da curitibana Família Passos, talquey?, ou então entoando uns versos de esperança sobre “a evolução da liberdade, até o dia clarear”, um dia cantados por Chico Buarque, que chamou Deus para testemunhar essa “ofegante epidemia, que se chamava Carnaval”. E acredite, apesar de tudo, vai passar!
Publicado originalmente no jornal A Tarde, de Salvador (BA), no dia 01 de março de 2019
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