“A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais buscando expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”
(Discurso de Flávio Bolsonaro, na ALERJ, em 2006)
Uma reportagem da revista “Isto é”, na última sexta-feira, 22, gerou forte repercussão na grande imprensa e no meio político. A matéria contém novas e fortíssimas evidências sobre o envolvimento direto do ex-deputado estadual e atual senador, Flávio Bolsonaro, com milícias do Rio de Janeiro.
Valdenice de Oliveira Meliga, conhecida como Val, possuía uma procuração de Flávio Bolsonaro para assinar cheques referentes a pagamentos de sua campanha eleitoral para o Senado. Acontece que Val é irmã de dois milicianos, Alan e Alex Rodrigues Oliveira, presos na operações “Quarto Elemento” do Ministério Público e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
Segundo a investigação em curso, ela é apontada como um dos elos do filho do presidente Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. Val é dona de uma empresa chamada Me Liga Produções e Eventos. Um dos cheques assinado por Val, como pagamento de atividades de campanha de Flávio, no valor de 5 mil reais, foi endereçado a empresa Alê Soluções e Eventos LTDA, de propriedade de Alessandra Cristina Ferreira de Oliveira.
O problema é que Alessandra foi assessora de Flavio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) e exercia também, durante a última campanha eleitoral, o cargo de primeira tesoureira do PSL no Estado.
Ou seja, a investigação aponta que a utilização do esquema de funcionários “laranjas” no Gabinete de Flávio na ALERJ pode, na verdade, ter sido utilizado para alimentar uma triangulação financeira, onde a tesoureira do PSL do RJ, que deveria ser a responsável pelas finanças do partido, também recebia dinheiro de pagamento de atividades de campanha de Flávio, em evidente associação com milícias.
O endereço que consta na Receita Federal das duas empresas, tanto a de Valdelice – irmã dos dois milicianos presos – como de Alessandra – assessora de Flávio e tesoureira do PSL no RJ, era localizada no bairro de Jacarepaguá, área dominada por milícias. Também é de Jacarepaguá outro elo de Flávio com a milícia.
As relações de Flávio com o suspeito de ter assassinado Marielle
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) segue investigando Flávio Bolsonaro sobre o uso de funcionários “laranjas” em seu gabinete na ALERJ. Sem retirar a importância da investigação sobre essa prática corrupta e criminosa, é importante salientar que ela levou a uma situação ainda mais grave. Fortes evidências, mais uma vez, sobre a relação estreita de Flávio Bolsonaro com milicianos que atuam na zona oeste do Rio de Janeiro.
Duas destas funcionárias do gabinete de Flávio, que depositavam valores significativos na conta de Fabrício Queiroz, assessor de então deputado estadual, eram nada mais e nada menos que esposa e mãe de outro miliciano que está foragido da polícia: o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar (PM) do RJ, Adriano Magalhães da Nóbrega.
Nóbrega já foi homenageado por Flávio Bolsonaro na ALERJ, sendo agraciado com a Medalha Tiradentes, maior condecoração da Casa. Detalhe: quando recebeu a homenagem já estava condenado por ter assassinado um guardador de carro.
O mais grave é que Nóbrega é um dos principais suspeitos de ter executado Mariellle e Anderson, na noite de 14 de março do ano passado, na investigação conduzida pelo Ministério Público do Estado.
Sua esposa, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, trabalhou mais de dez anos no Gabinete de Flávio Bolsonaro. Sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, trabalhou apenas dois anos e meio. Mas, Raimunda Magalhães é sócia de dois restaurantes no bairro do Rio Comprido, zona norte da cidade. E, em frente aos restaurantes se encontra a agência bancária onde concentra grande parte dos depósitos nas contas de Queiroz. A suspeita é que os restaurantes poderiam ter sido usados num esquema de lavagem de dinheiro desta quadrilha.
Flávio publicou uma nota pública culpando Fabrício Queiroz pelas nomeações das duas familiares diretas de Nóbrega. De fato, parece que o elo de Flávio com Nóbrega era Queiroz. Afinal, ele justificou as nomeações para ajudar um amigo em dificuldades financeiras. Queiroz é amigo de Nóbrega. Ele possui negócios na Comunidade de Rio das Pedras, ligados ao transporte alternativo. A milícia que Nóbrega atuava controla essa comunidade há vários anos.
É sempre bom lembrar que Queiroz não é qualquer pessoa no “clã dos Bolsonaros”. Ele é um amigo antigo do atual Presidente. A filha de Queiroz foi funcionária do gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília. Queiroz depositou 40 mil reais na conta da atual primeira dama, fato que Bolsonaro justificou como sendo um pagamento de um empréstimo pessoal que tinha feito a Queiroz.
Ao que tudo indica as relações de Queiroz com a “família” não começaram com Flávio e sim, com seu pai, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro.
A milícia sempre teve seu “braço político”
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das milícias, na ALERJ, dirigida pelo então deputado estadual do PSOL-RJ, Marcelo Freixo, e onde atuava também Marielle Franco, uma de suas assessoras à época, demonstrou nitidamente que a milícia possuía um “braço político” dentro do Parlamento fluminense e com ramificações em outros setores da administração do Estado.
Essa CPI, e todas as suas consequências positivas, representou um golpe nas milícias e na sua relação com o poder público. Mas, nós sabemos também, que por mais importantes que foram seus resultados, ela não conseguiu acabar com a influência das milícias na política do Estado, inclusive com desdobramentos para fora do RJ.
Portanto, a ligação de parlamentares do RJ com milicianos não chega ser uma novidade, infelizmente. Mas, o que chama a atenção, neste momento, é a possibilidade de Flávio Bolsonaro, atualmente um dos senadores do RJ, filho do presidente da República, ser parte deste esquema criminoso.
Portanto, é necessário todo o rigor e transparência nas investigações destes possíveis crimes. Os movimentos sociais e por direitos humanos devem ter acesso a todo o processo. E, essa investigação não deve parar em Flávio Bolsonaro. Deve chegar também ao próprio Jair Bolsonaro pois, todo mundo sabe, que é ele que dirige politicamente todos os projetos da “família”.
A investigação deve ocorrer tanto sobre o uso de “laranjas” para fazer fundos de campanha, mas, principalmente, sobre a possível relação estreita de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz com milícias do Rio de Janeiro. Inclusive, sobre uma possível relação deste esquema de contravenção, via o ex-capitão do BOPE Nóbrega, com a execução da companheira Marielle Franco e de Anderson Gomes.
Os movimentos sindical, popular, estudantil, dos oprimidos, as organizações de esquerda, entidades ligadas a defesa dos direitos humanos, entre outros grupos, devem estar unidos e mobilizados para cobrar uma investigação a fundo, eficiente, transparente e sem limites impostos pelos atuais poderosos. O objetivo deve ser um só, apurar e punir todos os crimes e irregularidades praticados pela milícia e todos os seus aliados na política fluminense e em todo o Brasil.
FOTO: Tânia Rego / Agência Brasil
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