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Seis hipóteses contrafactuais polêmicas sobre o balanço das eleições

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Um governo autoritário ao serviço de um ajuste neoliberal monstruoso será imposto nos primeiros meses. Confiar que será detido pelo Ministério Público, TCU, STF, Congresso, ou pela pressão da mídia é pura ilusão

As ações falam mais alto que as palavras
Sabedoria popular árabe

Contrafactuais são úteis, mas pensamento mágico é perigoso. O passado deve ser compreendido como um campo de possibilidades. Um campo de possibilidades significa que, embora tenha se afirmado, finalmente, uma sequência de acontecimentos, a luta político-social poderia ter tido outros desenlaces.

Dizer que outros desfechos eram plausíveis não autoriza concluir que qualquer resultado era possível. Contrafactuais são hipóteses lógicas que, além, de coerentes, devem estar, solidamente, fundamentadas na realidade. Pensamento mágico, ao contrário, é expressão de desejo. A forma mais comum de pensamento mágico são as teorias de conspiração, que anulam da história a operação do aleatório, do acidental, do acaso.

Contrafactuais políticos não são, necessariamente, politicistas. O politicismo é o erro de fantasiar que o discurso político é a chave em qualquer luta política. Uma chave suficiente, por exemplo, para transformar uma situação desfavorável em favorável. Não é assim. Essa mágica não possível. As eleições são, na superfície, em uma dimensão formal, uma luta entre partidos, em grande medida, percebidos pelas massas como uma luta entre candidatos. Mas os partidos não representam somente a si mesmos. São uma expressão das classes e frações de classe em luta. A experiência e a força dos acontecimentos, e as conclusões subjetivas que as classes sociais retiram das condições em que lutam por seus interesses, são mais poderosas que a força das palavras.

Seis contrafactuais foram muito discutidos na esquerda, e merecem a nossa atenção. As ideias, as iniciativas, as propostas e as táticas políticas contam:
(a) Temer poderia ter sido derrubado em 2017 e as eleições presidenciais antecipadas?
(b) Lula poderia vencer as eleições, se não tivesse sido preso?
(c) se o PT tivesse apoiado Ciro Gomes, desde o primeiro turno, Bolsonaro poderia ter sido derrotado?
(d) Bolsonaro teria vencido o primeiro turno, se não tivesse sido vítima do atentado da facada?
(e) foram as manifestações do #elenão que explicam o alinhamento dos evangélicos com Bolsonaro nas últimas duas semanas?
(f) se o PT tivesse combatido Bolsonaro como inimigo principal desde o primeiro turno, era possível ter evitado a derrota?

O maior erro do PT foi ter perdido a oportunidade de tentar levar a luta contra Temer até o fim, em maio de 2017, depois da greve geral, quando explodiu o escândalo da denúncia da JBS e apareceram as gravações na garagem do Palácio do Jaburu. A direção do PT não teve a firmeza de lutar pelo impeachment de Temer, porque temia ser acusado de fazer contra o MDB, o que o MDB fez contra Dilma Rousseff. Teve medo de ser denunciado como golpista. Respeitou as instituições do regime semipresidencialista que foram usadas para deslocá-lo do poder. Confiou, excessivamente, na possiblidade de Lula poder concorrer. Subestimou a ofensiva reacionária iniciada em março de 2015. Não acreditou que a maioria da burguesia iria até o golpe, e eles foram. Não acreditou que o golpe iria vencer, e eles venceram. Não acreditou que Lula seria condenado na segunda instância, e ele foi. Não acreditou que seria impedido de concorrer, e ele foi. A oportunidade foi perdida.

Mas não é claro, muito menos incontroverso, que seria possível derrubar Temer, mesmo se Lula e o PT tivessem se lançado às ruas. Talvez sim, se o engajamento do PT fosse capaz de mobilizar amplos setores. Mas, talvez, a capacidade do PT de cumprir este papel já tivesse se perdido, em função do desgaste de treze anos no governo. Agravados pelas denúncias de corrupção durante três anos da operação LavaJato.

Nunca saberemos, também, se Lula sendo candidato, poderia ou não ter vencido, mas é razoável concluir que a disputa era possível. Em todas as pesquisas realizadas, Lula pontuava o dobro de Bolsonaro, e era favorito. O mesmo não se pode afirmar se Ciro Gomes tivesse sido candidato com o apoio do PT. A suposição de que a rejeição ao PT não atingiria Ciro Gomes é uma conjectura ou cálculo sem solidez.

Por outro lado, não parece um exagero afirmar que o atentado da facada em 6 de setembro foi, sem dúvida, o fato decisivo das eleições. Porque a luta entre Bolsonaro e Alckmin ainda estava por ocorrer, e a condição de vítima o poupou da exposição em debates. Mas não se pode concluir que foi o fator decisivo da vitória, embora tenha, certamente, favorecido muito.

Não se pode dizer que tenha ocorrido correlação direta entre as manifestações convocadas pelo movimento de mulheres, e a capacidade de transferência de votos das Igrejas evangélicas a Bolsonaro. Tampouco é razoável explicar a diferença de 10% de votos válidos pelo atraso da campanha de Haddad em identificar Bolsonaro como o inimigo principal. Todos estes elementos, em perspectiva, parecem quantitativos, não qualitativos.

Infelizmente, a ameaça de um “inverno siberiano” está mais próxima. Sofremos uma derrota, e nossos inimigos estão mais fortes. Um governo de extrema direita com elementos neofascistas tomará posse em janeiro. Bolsonaro já disse ao que veio. Já declarou que pretende ilegalizar o MST e o MTST. Advertiu as direções do PT e Psol e, pelo nome, avisou que o primeiro alvo será Guilherme Boulos. Merece ser levado a sério. O governo terá o apoio das Forças Armadas e das Polícias. Ele já tem uma maioria no Congresso Nacional.

Um governo autoritário ao serviço de um ajuste neoliberal monstruoso será imposto nos primeiros meses. Confiar que será detido pelo Ministério Público, TCU, STF, Congresso, ou pela pressão da mídia é pura ilusão. O STF sustentou, juridicamente, a ofensiva reacionária que abriu o caminho para Bolsonaro nas eleições. Tudo dependerá da capacidade de erguer a resistência na mobilização de massas.

As táticas terão que mudar. Porque os perigos serão muitos. Os riscos serão maiores. Seremos resistência. Não vamos ceder. Não haverá rendição. Vamos construir nossas linhas de defesa, nossas trincheiras de oposição, as fileiras de resguardo, os círculos de proteção, as brigadas democráticas. A palavra chave será organização. Acabou o tempo da dispersão e dos improvisos. Não podemos nos encontrar somente em passeatas.

A primeira trincheira deve ser a unidade dos revolucionários na defesa de um campo político que preserve o PSol, um instrumento de luta insubstituível, comprovado durante a campanha Boulos/Sonia Guajajara. A segunda a consolidação da Aliança PSol/MTST/Apib/Mídia Ninja, um valioso embrião de ferramenta política com audiência de massas. A terceira deve ser a Frente Única dos partidos de esquerda, das Centrais e dos sindicatos de trabalhadores e de todos os movimentos sociais. Por último, a Unidade de Ação Democrática com todos aquelas forças, personalidades, juristas, cientistas, artistas e partidos dispostos a se comprometer com as liberdades.

Vamos lutar, como sempre. As táticas é que terão que mudar. Se organize. Não permaneça isolado. Dedique um pouco de seu tempo à luta que é de todos nós.

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