Te convido agora para um mergulho de apneia. Sem medo de sentir uma pontinha de constrangimento e alguma falta de ar, diga aí: quantas vezes ao dia você vai nas redes sociais contabilizar as visualizações e curtidas de seus posts?
Vibrar com os compartilhamentos ou com o aumento de seguidores? Ou ainda, ativar a adrenalina no embate sangrento com quem te xinga ou contraria suas visões de mundo?
Neste fabuloso reino virtual, nos travestimos de celebridades, guerreiros espartanos, filósofos pós-graduados e especialistas em maquiagem 3D e cozinha tailandesa.
Vivemos alegremente o período da sobra cognitiva, sendo bombardeados com muito mais informações do que conseguimos metabolizar.
E no consumo frenético de sons e imagens, vamos sendo sugados por uma espiral vertiginosa que nos infantiliza. O acesso a tanto conteúdo cria uma sensação de estarmos mais rápidos, mais inteligentes, mais conectados, mais ativos.
Em parte… As pesquisas científicas mostram que nosso QI vem diminuindo. No mundo todo. Dê uma olhada na Superinteressante do mês de outubro.
No mais recente Encontro Internacional de Comunicação Política, realizado em Buenos Aires, profissionais de marketing – estudiosos por dever de ofício do comportamento dos usuários das redes sociais – revelaram que nossas atitudes no Instagram e no Facebook se assemelham às de adolescentes de 13 anos.
No Twitter, somos mais maduros: nos comportamos como se tivéssemos 15.
Queremos adesão, aplausos, amigos e uma certa dose de glamour – especialmente quem mora nos trópicos e escolhe como foto de perfil aquela em que o rosto está camuflado por uma densa camada de cachecol e gorro. Ou quem faz uso abusivo do photoshop.
Vivemos compartilhando concordâncias e conteúdos nas nossas tribos cibernéticas e já não sabemos falar pra fora. Como tudo anda azedo e doloroso demais, nos isolamos e bloqueamos os ataques da tribo rival.
O fato é que precisamos, com sentido de urgência, entender o que leva um ser humano a entrar nas redes sociais de outro ser humano para elogiar um politico que arrota violência, ao afirmar que não vê problemas em mandar prender 100 mil opositores sem nenhuma motivação real.
Que acha bacana chamar uma pessoa de puta, só porque não concorda com ela. Ou de comunista. Ou de esquerdista. Ou de vermelha. Como se essa fosse uma coleção de xingamentos, e não a revelação mais entristecedora da ignorância política, social, antropológica e histórica de um cidadão ou uma cidadã.
Boa parte do mundo está embarcando, sorridentemente, no vagão que nos leva à estação do Caos. A dialética histórica já mapeou o caminho. Mas ainda é assustador perceber como o roteiro se repete, aqui e alhures, com personagens e dinâmicas quase iguais, que redundam em governos autoritários, ávidos por inaugurar uma nova ditadura.
E uma das mais impressionantes similitudes é a Doutrina do Choque, investigada pela jornalista Naomi Klein, num livro publicado 10 anos atrás. Crises econômicas, atentados ou desastres naturais facilitam a disseminação do medo e o apoio popular à movimentos políticos que dão superpoderes aos governos.
O plano padrão inclui a criação de grupos voluntários de caça aos opositores do governo em instituições públicas; ataques à imprensa; ameaças aos ativistas e militantes sociais; além da difusão de uma tese paranóica de que escolas e universidades são núcleos de formação de guerrilheiros Tupamaros.
No caso do Brasil, o surto coletivo é fermentado pela tal “ideologia de gênero”, em que crianças serão estimuladas à desenvolver uma orientação sexual diferente da heteronormatividade.
Nada disso tem a ver com progresso econômico ou justiça social. Em todas, todas as guinadas à direita, a política neo-liberal operou os interesses do mercado financeiro, levando ao empobrecimento da classe média. E ao esmagamento da camada mais pobre da população.
A capitalização da Previdência no Chile de Pinochet deixou os aposentados numa situação de penúria: por lá eles recebem 1/3 do salário mínimo. A maioria dos britânicos quer hoje a reestatização dos serviços públicos essenciais de tratamento e abastecimento água, eletricidade e gás, privatizados na era Thatcher. Perceberam tardiamente que o “Estado Mínimo” se transformou numa bomba relógio social.
Na Argentina, o super empresário Macri, charmosa superaposta do mercado, reendividou o país com o FMI em mais de 57 bilhões de dólares, topando pagar com juros altos e apertando o torniquete dos investimentos internos – a tal austeridade que só castiga a classe trabalhadora.
Até os especialistas liberais estão achando que o acordo foi draconiano demais. Numa crise de desemprego que já atinge 20% da população, meninas de 15 anos e mulheres de 70 se prostituem para levar comida pra casa.
Na Turquia, os pobres estão muito mais pobres, os ricos muitos mais ricos e as prisões entupidas de opositores do regime autoritário e violento de Recep Erdogan, que controla 90% dos veículos de comunicação do país.
Mais de 33 mil professores perderam seus empregos; 50 mil pessoas estão detidas, à espera de julgamento, entre elas, 150 jornalistas.
Nada de tão novo no ar… Só o capitalismo, em sua versão pós-verdade, que, de tão autofágico, quer levar o parasita a matar o hospedeiro. Assim não vai sobrar sangue em nossas veias para o mercado sugar.
*Ursula Vidal é jornalista, cineasta e ativista política e ex-candidata ao Senado pelo PSOL-PA. Artigo publicado em seu blog.
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