Trump ameaça romper acordo nuclear com a Rússia. É urgente colocar um freio à nova corrida armamentista nuclear!

Por Victor Amal, de Florianópolis (SC)
Crédito foto: National Archives

No último sábado (20) o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que irá retirar o país do Tratado de Forças Nucleares de Médio Alcance (INF), firmado entre os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS) nos anos 1980. Este tratado é um dos pilares do sistema de controle internacional de proliferação de armas nucleares, e a ameaça de seu fim gerou uma nova onda de tensões geopolíticas na Europa e no mundo.

A ruptura do acordo alavancará uma nova corrida armamentista que colocará em risco o futuro da humanidade. É urgente um movimento mundial contra as armas nucleares.

 O que é o INF?

O Tratado de Forças Nucleares de Médio Alcance (INF), firmado pelos EUA e URSS em 1987, foi uma solução para as tensões geopolíticas entre a URSS e os EUA que surgiram no começo dos anos 1980.

Na época, os Estados Unidos, sob a liderança de Ronald Reagan, instalaram os mísseis Pershing II na Alemanha Ocidental, colocando em ameaça a principais cidades soviéticas. Em resposta, a União Soviética colocou os mísseis SS-20s direcionadas às capitais europeias[1].

A deposição dos mísseis norte-americanos e a resposta da URSS foram percebidos na época como o possível início de uma guerra nuclear na Europa. Por conta disso, milhões se manifestaram na Alemanha e em todo o continente contra a deposição dos mísseis norte-americano.

Após este momento de tensão, as negociações entre EUA e URSS avançam e o INF é acordado em 1987. Sua cláusula fundamental impede que ambos os países utilizem mísseis com alcance de 500 e 5 mil km, eliminando os armamentos que poderia iniciar essa destruição mútua.

O tratado é considerado uma das maiores conquistas históricas da diplomacia norte-americana ao eliminar 1.752 mísseis soviéticos, incluindo os SS-20s, e os 859 mísseis norte-americanos, incluindo os Pershing II[2].

Por que Trump quer tirar os EUA do INF?

Entretanto, após o cumprimento do acordo nos anos 1980 e a destruição de ambos os sistemas de mísseis, surgiram questionamentos nos anos seguintes sobre o cumprimento das demais cláusulas do acordo.

Desde os anos 2000 a Rússia reclama do aumento do potencial militar norte-americano através da utilização em larga escala de drones, algo que não estava na pauta em 1987. Além disso, os russos afirmam que a instalação de sistema de mísseis de defesa norte-americanos na Romênia e a construção de um semelhante na Polônia são violações do INF.

Os Estados Unidos, por sua vez, acusam a Rússia de praticar exercícios militares com armamento nuclear no mar Báltico, próximo à fronteira da Suécia, e instalar sistema de mísseis anti-balísticos em Kaliningrado, território russo que fica na fronteira com a Polônia.

Contudo, a gota d’água para os americanos foi o lançamento do sistema de mísseis 9M729. Segundo declaração do Pentágono, mais precisamente da inteligência norte-americana, o 9M729 supera o alcance de 500 km e, portanto, configura violação do INF[3].

Os russos, por outro lado, negam que os mísseis excedam o alcance previsto no acordo. Afirmam também que, caso confirmada a saída dos Estados Unidos do INF, haverá uma corrida armamentista nuclear na Europa e a Rússia trabalhará imediatamente para se equiparar ao arsenal dos Estados Unidos.

Este movimento político de Trump, não obstante, tem também causas domésticas. A aparência de que o presidente está sendo duro com a Rússia ajuda a minar a percepção de que ele foi ajudado por membros do governo russo para ganhar as eleições de 2016.

Em novembro haverá as eleições para o congresso norte-americano, em que o partido Republicano, de Trump, precisa assegurar maioria para poder governar e, inclusive, impedir a tramitação de um possível processo de impeachment.

Por último, a provável retirada dos EUA do INF tem também relação com o fato da China não ter participado da sua assinatura. Atualmente, Estados Unidos e China embarcaram em um conflito geopolítico cujo efeito foi o aumento considerável do arsenal militar e nuclear chinês[4]. A saída norte-americana do INF contribui para diminuir as restrições nucleares dos Estados Unidos nesta contenda.

A questão nuclear volta cada vez mais ao primeiro plano

Pelo histórico da presidência de Donald Trump é provável que sua ameaça de retirada do INF seja cumprida. Muitos duvidavam que o presidente se retiraria do acordo nuclear do Irã[5] e o acordo climático de Paris[6]. Esta esperança, todavia, foi rapidamente dissipada pela agressividade internacional de Trump.

Outro indicativo é que o assessor de segurança nacional dos EUA que está encabeçando a saída do INF, John Bolton, é o mesmo que em 2002 retirou o país do Tratado de Mísseis Anti-balísticos. Firmado em 1972, junto do INF, era um dos principais acordos de controle da expansão de armamentos militares e nucleares no mundo[7].

Como efeito da saída do tratado, por um lado, os Estados Unidos se beneficiam do acordo no longo prazo, na medida em que a Rússia não tem o poder financeiro de se equiparar aos norte-americanos em uma corrida armamentista nuclear.

Por outro lado, no curto prazo, o maior beneficiário desta política de Trump é a própria Rússia. Enquanto os Estados Unidos estão mais interessados em expandir seu poder naval, particularmente no mar do sul da China, os russos querem ter mais liberdade na deposição de armamentos terrestres na Europa, ganhando liberdade para isso como fim do INF.

Esta situação é particularmente ameaçadora para os países da União Europeia, devido ao conflito aberto com a Rússia desde a crise ucraniana de 2014. Nesta segunda feira (22), os países do bloco reivindicaram que os Estados Unidos reconsiderem a posição de saída unilateral do acordo. Tanto o presidente francês, Emmanuel Macron, quanto o ministro de relações exteriores alemão, Heiko Maas, fizeram declarações públicas nesse sentido[8].

Atualmente, existe uma crise na OTAN, aliança militar entre Estados Unidos, Europa e demais parceiros ocidentais. Caso Trump, futuramente, peça aos membros europeus da OTAN para que instalem armamento nuclear próximo à fronteira da Rússia é possível que eles neguem e a aliança se desgaste ainda mais. Estes países tem um posicionamento muito menos agressivo em relação aos russos que os EUA.

 Em defesa da humanidade e do planeta: desarmamento nuclear já!

Ocorra o que ocorrer, o fato é que a ameaça dos EUA de se retirar do acordo da INF aumentou ainda mais as tensões geopolíticas mundiais. Somada à ruptura do acordo nuclear dos EUA com o Irã e o jogo de forças em torno à desnuclearização da península coreana[9], este novo fato faz com que a questão nuclear passe cada vez mais ao primeiro plano das disputas inter-imperialistas que marcam a atual crise da ordem mundial.

A dificuldades para encontrar uma saída sustentada à crise econômica internacional de 2007-2008 que teve pela primeira vez desde a crise de 1929 teve como epicentro a economia dos EUA, a maior e mais importante do mundo, está levando os capitalistas e seus governos a uma rota de   colisão cada vez maior.

À beira de uma escalada da corrida armamentista nuclear é urgente que os movimentos sociais, a esquerda socialista e as organizações democráticas, ecológicas e humanitárias se unam e coloquem urgentemente em marcha um movimento mundial pelo desarmamento nuclear multilateral, total e incondicional. Não confiemos nem um minuto na racionalidade irracional dos capitalistas. O futuro está em nossas mãos. Lutemos por ele.

Leia mais:

[1] https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2018-10-22/trump-s-withdrawal-from-inf-treaty-revives-old-headaches

[2] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/10/russia-ameaca-retaliacoes-apos-trump-dizer-que-deixara-tratado-nuclear.shtml

[3] https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2018-10-22/trump-s-withdrawal-from-inf-treaty-revives-old-headaches

[4] https://esquerdaonline.com.br/2018/07/03/o-novo-plano-naval-chines-dominar-o-mar-do-sul-da-china-e-conquistar-o-pacifico-ate-2030/

[5] https://esquerdaonline.com.br/2018/05/08/ira-trump-cancela-o-acordo-nuclear-com-o-pais/

[6] https://esquerdaonline.com.br/2017/06/07/trump-anuncia-a-retirada-dos-eua-do-acordo-de-paris-sobre-o-clima/

[7] https://www.theguardian.com/world/2001/aug/24/usa

[8] https://www.theguardian.com/world/2018/oct/22/eu-us-nuclear-arms-race-inf-treaty-bolton-moscow

[9] https://esquerdaonline.com.br/2018/10/02/na-onu-coreia-do-norte-diz-que-nao-havera-desnuclearizacao-se-eua-manterem-as-sancoes/