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O lugar da luta contra as opressões em uma organização marxista

Por: Ana Luisa Martins*, do Rio de Janeiro, RJ

Revista ResistenciaA opressão, em suas diversas formas, sempre foi ferramenta do capitalismo para superexplorar a classe trabalhadora. Mesmo algumas anteriores ao próprio sistema capitalista, como o machismo, foram profundamente incorporadas por ele.

Em nosso tempo histórico, desde a abertura da atual crise econômica mundial, o capitalismo intensificou ferozmente a combinação entre exploração e opressão. Aos planos de austeridade se somam a ofensiva ideológica conservadora. Há uma queda brutal do nível de vida e um retrocesso histórico na consciência e nos costumes.

O capitalismo está nos levando à barbárie. São os setores oprimidos (negros, mulheres, pessoas LGBTs, imigrantes) que mais sentem a fúria do capital. Há um extermínio do povo negro. Uniformes já não protegem mais jovens e crianças negras dos tiros da PM no Rio de Janeiro, sob intervenção militar. Pais presos e crianças enjauladas em bases dos EUA por tentarem um futuro do outro lado da fronteira. O desespero enchendo navios que afundam sem um porto para atracar. Os crescentes crimes de ódio contra pessoas LGBTs. A violência contra a mulher e o feminicídio, uma epidemia mundial.

O capitalismo desumaniza vidas e povos inteiros. E é sobre estes imensos setores da classe trabalhadora que, utilizando a ideologia das opressões, o sistema muda o patamar de exploração.

Não é possível entender o Brasil e o mundo sem considerar estes elementos do capitalismo atual. Aliás, não se entende sequer a formação das classes sem levar em conta os 388 anos de escravidão.

Não é possível se ligar profundamente a nossa classe, sem compreender a opressão que sofre, que a constitui, que media a forma como esta vê o mundo e, principalmente, como o mundo a vê.

Está fadada ao fracasso uma organização revolucionária que não hierarquize a luta contra as opressões associada à luta anticapitalista.

Capitalismo disputa os oprimidos
É necessário nitidez sobre as diversas vertentes que existem nos movimentos de opressões, que expressam distintas posições de classe.

O capitalismo, que já não consegue mais esconder sua face cruel e bárbara, é o mesmo que usa a “representatividade” para incorporar – nos discursos – as demandas dos oprimidos. Disputa ideologicamente os movimentos de resistência para ideias liberais, individualistas e segregadoras, alimentando também por aí a divisão da classe trabalhadora. Tenta sequestrar nossos símbolos e lutas, como fez a Rede Globo na cobertura da execução de Marielle ou como faz Israel patrocinando um carro na Parada LGBT de São Paulo.

Por outro lado, a esquerda, de modo geral, tem uma dívida com as demandas dos oprimidos e democráticas. A degeneração dos ex-estados operários deixou um rastro de retrocesso também neste terreno. Reivindicamos o legado da Revolução Russa, o primeiro país do mundo a declarar o aborto legal, em 1920, e a acabar com a criminalização da homossexualidade, retirando do Código Penal, em 1918. O estalinismo não é a continuidade da revolução, mas o retrocesso. Não somos herdeiros dos estados burocratizados e da forma como trataram as opressões.

O machismo, o racismo, a lgbtfobia e a xenofobia são o que divide a classe – e não a luta contra as opressões. Essa batalha não é secundária, ela é parte da luta pela revolução. Não é possível superar as opressões sem derrotar o capitalismo, mas não é possível derrotar o capitalismo sem impor outro modo de produção e outros costumes, que libertem os oprimidos.

A centralidade da luta contra as opressões tem relação com elementos programáticos, estratégicos, de princípios e até filosóficos, de visão de mundo, muito além da importância adquirida no momento atual.

Nossa jovem organização deve encarar com prioridade a elaboração e atualização programática. Não sobreviveremos a fortes impactos da luta de classes sem uma visão nítida da realidade e das tarefas colocadas aos revolucionários neste terreno.

É preciso humildade, pois temos um longo caminho. Mas já é possível dizer do imenso orgulho em ter a luta contra as opressões entre os pilares rígidos que erguem a organização. Esta causa é parte dos nossos princípios.

Não é possível conceber a revolução brasileira sem que ela esteja motivada pelas pautas dos oprimidos. E não nos serve. A luta que não traga consigo o germe do que defendemos na sociedade futura nos levará, cedo ou tarde, à derrota. Não existe comunismo que não seja feminista, antirracista, anti-lgbtfóbico, anti-xenófobo. Não há como construir uma organização revolucionária que não leve a frente, profunda e sinceramente, a luta dos oprimidos.

O marxismo desvendou o mecanismo de exploração e opressão no capitalismo, a forma de sua superação e explicou o processo de alienação. Não há nada mais marxista que a luta pela desalienação do ser humano, que é também a luta contra as opressões levada as últimas consequências:

“Na relação com a mulher, como presa e serva da luxúria comunal, manifesta-se a infinita degradação em que o homem existe para si mesmo (…) Dessa relação, pode-se estimar todo o nível de evolução do homem. Conclui-se, do caráter dessa relação, até que ponto o homem se tornou, e se entende assim, um ser-espécie, um ser humano.”
Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosoficos (Terceiro Manuscrito).

 

*Artigo publicado originalmente na Revista da Resistência, em julho/agosto de 2018.
Ilustração: Vanessa Cunha / instagram.com/van.ilustra