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Aos 41 anos do assassinato de Steve Biko

José Carlos Miranda

José Carlos Miranda foi ferroviário e metalúrgico. Ativista dos movimentos sociais desde os anos 1981, é da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL, membro do Conselho Curador da Fundação Lauro Campos (PSOL) e da Direção do PSOL-SP

“Quando tento dormir à noite
Meus sonhos são vermelhos
Lá fora o mundo é preto e branco
Só uma cor morta.”

“Você pode assoprar e apagar uma chama
Mas não pode fazê-lo com uma fogueira
Uma vez que as fagulhas incendeiam algo
O vento as tornará maiores.”

Trechos da canção Biko¹ , de Peter Gabriel

O assassinato de Marielle completa seis meses sem nenhuma solução e recentemente vimos a brutalidade sofrida por uma advogada negra que foi impedida de exercer suas prerrogativas de advogada, algemada e presa por ordem de uma juíza na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

Cito estes exemplos que estão frescos na memória, no entanto esses acontecimentos são o cotidiano da população negra no Brasil.

Em tempos de crescimento de uma corrente de extrema direita no Brasil, de ataque às liberdades democráticas, num cenário de assassinato de jovens e pobres da periferia, negros em sua maioria, é imprescindível rememorar um dos mártires de nossa luta contra o racismo, contra as opressões e a exploração.

O racismo é uma ideologia criada pelo capitalismo com o objetivo de justificar uma exploração e opressão inaceitáveis. Após o novo contrato social da grande Revolução Francesa e seus slogans de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, como justificar seres humanos sendo mercadorias e, ao mesmo tempo, dividir o proletariado para que os capitalistas explorem mais a todos? A base fundamental do racismo está nas absurdas e obsoletas teorias de que os seres humanos se dividem em raças. E essa ideologia reacionária e desumana é um dos pilares da burocracia privada ou pública e dos órgãos de repressão do estado.

Estas teorias, já no século 20, formaram a base para a criação de leis segregacionistas e mesmo da perseguição a grupos e nacionalidades minoritárias (muitas vezes nem tanto minoritárias) em vários países, das quais as mais conhecidas, foram as Leis Jim Crow, nos EUA, e do Apartheid, na África do Sul.

Antes de falar dessas, ressalto que no Brasil, apesar de não ter sido aprovada ou outorgada nenhuma lei de segregação racial, após a libertação dos escravos em 1888, os antigos escravos, em sua maioria agricultores, da noite para o dia se tornaram desempregados. Transformaram-se em sua maioria em exército de mão de obra barata do jovem e nascente proletariado urbano brasileiro. Essa herança da escravidão ficou incutida na memória e na realidade de gerações, alimentando o estereótipo da ideologia do racismo e da existência de raças humanas até os dias de hoje.

As Leis Jim Crow² foram leis locais e estaduais de segregação racial em estados do sul dos EUA, na região das grandes fazendas de monoculturas (plantations) e que formaram o exército dos Confederados, derrotado na Guerra Civil.

Estas leis dividiam as escolas para brancos e para negros, determinavam bares e locais públicos segregados, bebedouros separados, proibiam casamentos inter-raciais, separavam assentos nos ônibus etc.

Em 1954, a Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade da segregação escolar, dando início à derrocada das leis segregacionistas e aos espetaculares movimentos pelos direitos civis que mobilizaram milhões nos EUA pelos 15 anos seguintes.

Na África do Sul, as leis do Apartheid³ (separação, na língua africâner) foram um conjunto de leis de segregação implantadas a partir de 1948.

Em 1962, a ONU juntamente com diversos países, transforma a África do Sul num dos países mais isolados do mundo. Em 1963, Mandela, líder do Congresso Nacional Africano (CNA), que optou pela luta armada contra o regime, é preso e condenado a prisão perpétua.

É nesta luta que surge o gigante Estephen Bantu Biko, militante antiapartheid desde muito jovem que se formou médico e fundou o Movimento Consciência Negra (BCM na sigla em inglês), sendo seu principal dirigente. Em 1970, tornou-se um dos principais líderes do movimento contra o Apartheid, sendo eleito em 1972 presidente honorário da maior organização de frente única dos negros na África do Sul, a Convenção do Povo Negro.

Em 1973, Biko foi “banido” pelo regime, o que significou uma série de imposições à sua liberdade. Apesar dessas imensas restrições, Biko e o BCM desempenharam um papel significativo na organização dos protestos que culminaram com a Revolta de Soweto de 16 de junho de 1976, que despertaram a solidariedade e a inspiração de luta contra o regime em todo o mundo.

Em 18 de agosto de 1977, Biko foi preso em uma barreira policial, interrogado e barbaramente torturado, levando à sua morte em 12 de setembro de 1977.

Além da coragem e do desprendimento, o fundamental legado de Biko foi a compreensão da umbilical ligação entre o Apharteid e o capitalismo, portanto, do racismo e do capitalismo.

Essas duas frases sintetizam os conceitos de Biko: “O racismo não implica apenas a exclusão de uma raça por outra – ele sempre pressupõe que a exclusão se faz para fins de dominação” e “Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda”.

A crença, mesmo que subjetiva, na existência de raças humanas continua sendo a base fundamental do racismo e é nosso dever combater cotidianamente essa crença. A luta contra o racismo é uma luta de todos, independentemente da cor da pele, pois o racismo que atinge brutalmente os negros faz parte do arcabouço de ideologias repugnantes do capitalismo para dividir e explorar mais a todos.

Temos a certeza e a segurança de que quanto mais igualdade, menos racismo e só uma sociedade igualitária e fraterna poderá varrer de vez essas ideologias e seu moribundo sistema de desigualdades.

Viva Steve Biko!

Lutar por igualdade, Lutar contra o racismo, Lutar pelo socialismo!

NOTAS

¹ A morte de Steve Biko foi um acontecimento que expôs ao mundo a barbaridade que era o regime do Apartheid Africa do Sul. Na época, Peter Gabriel muito conhecido e a canção ecoou por todo o mundo. Ao mesmo tempo o jornalista e escritor Donald Woods (15 Dezembro 1933 – 19 Agosto 2001) e Wendy Woods escreveram um livro, no qual foi baseado o filme “Cry Freedom” no Brasil intitulado Um Grito de Liberdade, dirigido por Richard Attenborough e protagonizado por Denzel Washington como Biko e Kevin Kline como Woods.   

 

² A expressão “Jim Crow” provavelmente originou-se da canção “Jump Jim Crow”, cantada e dançada pelo ator Thomas D. Rice com maquiagem blackface, caricaturando os negros. A canção foi lançada em 1832 e era usada para satirizar as políticas populistas de Andrew Jackson. Em consequência da fama de Rice, “Jim Crow” tornou-se, em 1838, uma forma pejorativa de se referir aos negros. No fim do século 19, quando as legislaturas sulistas aprovaram leis de segregação racial dirigidas contra os negros, essas leis ficaram conhecidas como “Jim Crow laws” (leis Jim Crow).

³ A nova legislação dividia os habitantes em grupos raciais (“negros”, “brancos”, “de cor” e “indianos”), segregando as áreas residenciais, muitas vezes através de remoções forçadas. A partir de finais da década de 1970, os negros foram privados de sua cidadania, tornando-se legalmente cidadãos de uma das dez pátrias tribais autônomas chamadas de “bantustões.” Nessa altura, o governo já havia segregado a saúde, a educação e outros serviços públicos, fornecendo aos negros serviços inferiores aos dos brancos.

 

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