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BRASIL

O desvio da finalidade institucional da Petrobrás

Wolfgang Guardia Ruiz, de São José dos Campos (SP)
Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

Um fato recente em nossa história, pós golpe parlamentar, de grande repercussão nacional, que foi a “greve dos caminhoneiros”, trouxe milhares de brasileiros a uma reflexão deveras importante sobre a finalidade de uma das nossas maiores empresas estatais, a Petrobrás. Ela está a serviço de quem? Dos interesses privados dos administradores ou dos interesses públicos? Ela, de fato, cumpre com sua finalidade institucional? Para elucidar e responder esses questionamentos, bem como, outros que surjam a partir destes, é preciso estabelecer premissas básicas, e expor conceitos principiológicos acerca da Administração Pública.

O tema exposto versa sobre a matéria de Organização Administrativa, que basicamente é a forma como o Estado se estrutura através das pessoas, entidades e órgãos que a compõe, para desempenhar a atividade administrativa, que dentre outras atividades, compreende a prestação de serviços públicos essenciais à vida em coletividade. A prestação de serviços públicos pode ser feita diretamente pelos entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), de forma centralizada, e a doutrina irá classifica-la como entidades da Administração Direta, ou, em determinadas situações, os serviços públicos podem ser transferidos a entidades especializadas criadas no âmbito da própria Administração Pública, responsáveis pela execução destas atividades na busca do interesse público, de forma descentralizada, e são os chamados entes da Administração Indireta, os quais se dividem em autarquias (inclusive as associações públicas), empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista, cada uma com suas características específicas.

O Estado possui deveres em relação a seus administrados, e dentre eles, a prestação dos serviços públicos, quais sejam de saúde, educação, segurança etc. Não bastante, ele deve ser eficiente, haja vista, que a eficiência é um princípio consagrado em nossa Constituição Federal, e para isso, ele deve se especializar na prestação daquele serviço público, daí que surge a necessidade do Estado se organizar, e distribuir as suas competências, interna e externamente.

Analisando a nossa Carta Magna, precisamente em seu artigo 177, vemos:

“Art. 177. Constituem monopólio da União:
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
…”

Todas as atividades exercidas no país, referentes a pesquisa, refino, importação, entre outras, de Petróleo e outros derivados básicos que a norma constitucional definiu, constituem monopólio da União, sendo que ela deve promover e exercer as atividades respectivas, porém, como bem explicado anteriormente, a União, bem como qualquer outro ente da federação, possui diversas atividades a serem exercidas, e por si só, não consegue executar todas as suas atividades cumulativamente, e por consequência, se o fizesse, não seria de forma eficiente, em razão deste excesso de atividade, posto isto, surge a necessidade da União especializar a prestação deste tipo de atividade, e no caso, descentralizar a prestação deste serviço a outra entidade, neste caso, a uma entidade da Administração Indireta, a Sociedade de Economia Mista. Vejamos o texto normativo que segue ao artigo 177 da Constituição Federal:

“ …
§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.”.

Na pós reforma administrativa, feita pela emenda constitucional nº 19 de 1998, o artigo 37 inciso XIX da Constituição Federal, passou a ter uma nova redação, onde antes a própria lei criava este ente em questão, agora, a lei específica, ou melhor dizendo, a lei ordinária, autoriza a criação deste, conforme expressamente disposto, in verbis:

“Art. 37: XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;”

Por meio da Lei nº 2.004/53, é criada a Petróleo Brasileiro S/A, onde é responsável pela execução do monopólio estatal do petróleo para pesquisa, exploração, refino do produto nacional e estrangeiro, transporte marítimo e sistema de dutos. Tal lei, que posteriormente fora revogada pela Lei nº 9.478/97, que está em atual vigência.

Antes de ver a finalidade da instituição da Petrobrás, é imprescindível a análise de características comuns em todas as entidades da Administração Indireta, e a partir daqui, começamos a responder os questionamento iniciais que ensejou tal artigo.

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Dentre outras características comuns a todas as entidades criadas pela Administração Pública para a prestação descentralizada dos serviços, é de extrema relevância a finalidade pública. Isso porque, essas entidades têm finalidade especificada na própria lei responsável pela sua criação, estando ela vinculada ao fim que a instituiu. Quando a lei específica cria determinado ente, estabelece a sua finalidade. Ou seja, o ente já é criado com sua finalidade pela lei específica, não podendo exercer atribuições livremente.

Ressalta-se que a finalidade destas entidades estará diretamente vinculada ao interesse público, ou seja, somente é admitida a criação de entes personalizados com finalidade pública, não sendo possível a criação com finalidade lucrativa.

Existem algumas discussões quando se trata das empresas estatais criadas para exploração de atividades econômicas. Mesmo nestes casos, a possibilidade de auferição de lucro decorre da própria atividade como consequência natural, não se configurando finalidade intrínseca da entidade. Ou seja, a exploração de atividade econômica é feita no interesse da coletividade, onde o lucro é mera decorrência da exploração desta atividade.

Nesse sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 173, somente admite a exploração de atividade econômica pela Administração Pública, quando for executada visando ao interesse da sociedade. Vejamos.

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

Logo, ainda que o ente estatal tenha sido criado com a intenção de explorar a atividade econômica, essa atividade deverá ser praticada perseguindo o interesse público, e jamais com a intenção de lucro, o que é comum aos particulares.

O texto normativo que autorizou a criação da Petrobrás, Lei 2.004/53, revogado, dispõe.

“Art. 5º Fica a União autorizada a constituir, na forma desta lei, uma sociedade por ações, que se denominará Petróleo Brasileiro S. A. e usará a sigla ou abreviatura de Petrobrás.”
“Art. 6º A Petróleo Brasileiro S. A. terá por objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do petróleo proveniente de poço ou de xisto – de seus derivados bem como de quaisquer atividades correlatas ou afins.”

A lei posterior, Lei nº 9.478/97, em atual vigência, também dispõe o seguinte.

“Art. 1º As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos:
I – preservar o interesse nacional;
III – proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos;
V – garantir o fornecimento de derivados de petróleo em todo o território nacional, nos termos do § 2º do art. 177 da Constituição Federal;”

É evidente que a finalidade institucional da Petrobrás é prestar o serviço público, de forma descentralizada e especializada, visando somente o interesse público, o interesse da coletividade, proporcionar a nós brasileiros, um serviço de qualidade, com preços acessíveis, servir de forma eficaz as necessidades internas. Acontece que, atualmente, os administradores públicos ignoram estas premissas e enxergam na Petrobrás, uma oportunidade de promover-se financeiramente e atender aos interesses do capital estrangeiro. O exemplo mais claro é a política de preços da Petrobras, implantada na gestão de Michel Temer.

Gestão essa, que deveria exercer o controle de legalidade que a Administração Direta tem sobre a Administração Indireta, e não faz, haja vista o claro interesse que esta gestão, se é que podemos chama-la assim, têm em desestatizar uma das nossas maiores empresas estatais, quiçá a maior, mais valiosa, e entregar ao capital privado/estrangeiro. Este controle pode ser denominado “controle finalístico” (porque não é ilimitado e diz respeito tão somente a finalidade da entidade), haja vista, que a finalidade da Petrobrás hoje, é lucrativa.

A doutrina de Fernanda Marinela costuma dizer que este controle tem como fins “assegurar o cumprimento dos objetivos fixados em seus atos de criação; harmonizar sua atuação com a política e programação do Governo; zelar pela obtenção de eficiência administrativa; zelar pela autonomia administrativa, operacional e financeira”.

É importante que fique bem claro a essência acerca deste debate que deve ser levado a toda a sociedade; Não discutimos aqui, em hipótese alguma, se a Petrobrás obtém, ou, pode obter lucro ou não, se ela possui déficit ou não, e sim, qual a finalidade de nossa estatal. Como bem dito, não há qualquer impeditivo de uma empresa estatal obter lucro, pelo contrário, ela pode obter lucro desde que a obtenção deste seja mera decorrência da exploração da atividade econômica feita pelo Estado, o que não podemos aceitar, jamais, em qualquer circunstância, é que os administradores públicos usem a empresa estatal, nossas riquezas, para obter lucro em razão dos acionistas, e em detrimento do povo, em detrimento da prestação do serviço público.

Há uma previsão da Petrobrás, que até o ano de 2020, podemos alcançar o volume de produção de petróleo de 4 milhões de barris por dia, sendo que a demanda estimada para atender o nosso país, é de 3 milhões por dia, ou seja, além de conseguirmos atender a nossa demanda interna, teremos petróleo suficiente para exportação, sem que haja qualquer tipo de impacto em nosso mercado. É evidente, e os resultados de nossa estatal deixam bem claro, o potencial, a riqueza, que possuimos em nosso solo.

A administração feita pelo governo Michel Temer é um exemplo claro de violação ao Regime Jurídico Administrativo sedimentado em nosso ordenamento jurídico pátrio, que compreende nas prerrogativas do Estado na busca do interesse público, contra, as limitações do Estado, para que os fins almejados pelo Estado na busca do interesse público, não transcenda, e a pretexto de alcançar os interesses públicos, se busque o interesse particular.

A conclusão que chegamos até aqui, é de que, quanto aos aspectos finalísticos (que a própria lei definiu na autorização da criação da Petrobrás), nossa estatal exerce uma finalidade lucrativa inconstitucional, e em razão disso, prejudica diariamente e constantemente a prestação do serviço público, de tal forma, que é mais oneroso a nós, administrados, do que deveria ser, e também, a busca incessante do lucro para atender uma parcela mínima da sociedade, os grandes rentistas do nosso país e do estrangeiro.

É de extrema importância, inclusive digo que é um dever cívico, que nós, povo brasileiro, nos mobilizarmos para dar um basta nessa política entreguista de Michel Temer, precisamos nos unir, para recuperar a nossa Petrobrás das mãos daqueles que perseguem nossas riquezas, necessitamos de uma Petrobrás a serviço do povo brasileiro, uma Petrobrás 100% dedicada, vinculada, comprometida com os interesses da coletividade, precisamos reestabelecer a soberania nacional, pois quem dever ditar as regras em nosso país, é povo, e não o capital estrangeiro.

O controle social em nossas empresas estatais, que é uma das medidas necessárias para readequarmos a finalidade institucional da Petrobrás, somente será possível se elegermos um Presidente da República comprometido com os interesses do povo, porque somente ele possui os poderes da administração pública, necessários a tal readequação, haja vista, que a União, por intermédio do Chefe do Poder Executivo Nacional, exerce controle sobre a Petrobrás, bem como, sobre qualquer outro ente da Administração Indireta, vinculada a União.

 

FOTO: Rovena Rosa/Agência Brasil