Pular para o conteúdo
EDITORIAL

A força das professoras da Educação Infantil de Belo Horizonte contra o prefeito machista

Por: Izabella Lourença, de Belo Horizonte, MG

Conheça as mulheres que estão acampadas em frente à prefeitura de Belo Horizonte exigindo que o prefeito, Alexandre Kalil, abra as portas para atender a categoria

Nesta segunda-feira (11), as professoras da Educação Infantil de Belo Horizonte completam 50 dias em greve. A reivindicação da categoria é a equiparação da carreira com a das professoras do Ensino Fundamental. Na tentativa de pressionar o governo para receber as professoras e negociar, elas estão acampadas em frente à Prefeitura Municipal de Belo Horizonte há 20 dias. Mas o prefeito, Alexandre Kalil, que já está há dois anos no governo e nada fez pela categoria, afirma que só negocia quando a greve acabar.

Enquanto o salário base das professoras das UMEIS – Unidades Municipais de Educação Infantil, é 1451,93 reais, o salário das professoras da escolas da rede é de 2252,42 reais, para trabalhar a mesma quantidade de horas. As UMEIS tem extrema importância para a cidade de Belo Horizonte, pois permite que as crianças sejam acolhidas e possam aprender enquanto a mãe e o pai trabalham. As professoras que trabalham nas UMEIs têm a grande responsabilidade de cuidar e ensinar crianças de 0 a 5 anos. Essa é uma categoria majoritariamente feminina e, quem sabe, esteja se descobrindo feminista também nessa luta.

Conceição Figueiredo | Foto: Izabella Lourença

Na noite de 07 de junho, quando dormi no acampamento, era Conceição Figueiredo quem estava mapeando o rodízio de pessoas que iriam dormir na prefeitura. Ela é graduada em Artes e professora da Educação Infantil há 2 anos e 9 meses. Conceição trabalha na UMEI Coqueiro Verde e essa é a primeira greve da categoria que ela participa. Para a professora, existe já um saldo importante da greve: “a gente conseguiu mostrar quem é o Kalil”, um prefeito que “faz da sua posição de autoridade, uma posição autoritária”. Conceição mora no conjunto Paulo VI, próxima a região metropolitana de BH, tem dois filhos já criados e era o quarto dia em que dormia no acampamento. “Eu, como grevista, não tenho sossego de ficar em casa, enquanto minhas colegas estão aqui”. E elas estão lá, mesmo só tendo banheiro químico para usar, mesmo com o risco, mesmo com a pressão para cuidar da família, estão firmes enfrentando o prefeito. “Ele [Kalil] disse que ia governar pra quem precisa. Mas estamos precisando agora e ele virou as costas pra gente. Ele não dialoga com o povo. Na eleição, entrou até no transporte público, agora não pode ir na nossa assembleia conversar com a gente”, reclamou com razão.

Eram quase sete horas da manhã do dia 8 de junho, quando Ronara Lourenço se maquiava enquanto assistia um vídeo, enviado pelo marido (que apoia sua luta), do filho indo para a escola e desejando bom dia para a mãe. Ela é professora da Educação Infantil há 6 anos. Atualmente trabalha na UMEI Jardim Guanabara. Para Ronara, a postura do prefeito é Intransigente, Machista e Arrogante. Ela diz que nunca foi feminista, mas “a sociedade está de um jeito, que temos que reivindicar nossos direitos”. Foi assim que a entrevista praticamente se tornou uma roda de conversa, onde a professora contou que, para ela, estudar já foi um desafio e trabalhar foi uma afronta para o pai. “Sair de casa e deixar meu filho para dormir na rua então, eles [os pais] acham isso uma insanidade”, ela disse. Ela contou um dos diálogos que teve recentemente com a família, quando a mãe soube que ela estava fazendo pedágio no sinal – explicando para os carros a luta da educação e pedindo dinheiro para auxiliar as professoras que estão com o salário cortado. “Uma moça tão bonita, com um cabelo e uma unha tão bonita, pedindo esmola”, falou a mãe. “Tem gente que não tem como ter um cabelo e uma unha bonita. A prefeitura cortou o ponto. Eu não tô lutando por mim, pelo meu cabelo ou pela minha unha, eu estou lutando por todas. Conseguir que a população entenda nossa causa é o mais importante no sinal e é uma das únicas formas de fazer isso, já que a mídia faz o papel oposto”.

Ela, que no dia anterior tinha apenas ido para uma reunião e acabou dormindo no acampamento, falou sobre a necessidade de estar lá acampada: “eu trabalho meio horário. Pra mim seria muito mais fácil estar em sala de aula e depois cuidando do meu filho a tarde. Eu to aqui dormindo, panfletando, pedindo dinheiro na rua, porque é necessário. Eu sinto que preciso estar aqui também para minhas colegas não desistirem”. E assim, termino essa entrevista, com uma reflexão da professora: “as pessoas ficam com dó dos caminhoneiros porque ficam sem suas famílias. Quando é com a gente, as pessoas julgam, falam que estamos negligenciando nossa família. Ninguém pensa que também estamos aqui sem nossa família?”.

Elaine Toledo é professora do Ensino Fundamental. Trabalhou de manhã e depois foi para o acamamento. Como foi dia de pagamento, ela levou uma contribuição de apoio para as professoras da Educação Infantil. Elaine já achava que Kalil não seria um bom prefeito, “mas está pior do que eu pensava, principalmente depois do dia 23”. O dia 23 de abril foi o dia em que a greve foi deflagrada e as professoras foram fortemente reprimidas pela Polícia Militar, com bombas, jatos de água e a prisão de dois dirigentes sindicais. “Não sou professora infantil, mas sou parte da rede e apoio o movimento”, disse ela.

Maria Claudiana Antunes | Foto: Izabella Lourença

A Maria Claudiana Antunes esperava que a greve fosse durar uns 15 dias, agora já chegou em 50. Ela é professora da UMEI São Gabriel e está em greve desde o primeiro dia. Era a quinta noite que dormia na ocupação quando disse que “eu gosto de dormir aqui. Aqui a gente divide nosso dia-a-dia e nossas angustias. Aqui tem companhia e a gente distrai, sai um pouco da tensão da greve”.

A Raquel Balbino Moreira estava passando pela Afonso Pena quando viu pessoas dançando em frente à prefeitura. “Parei, li as placas e entendi a importância da Educação Infantil para o futuro do Brasil”, contou ela. Quando voltou para a casa, pegou a lona que estava tampando suas maquinas e levou para o acampamento. “Fiquei pensando: o que as professoras fariam se chovesse?”. Ela contou um pouco da sua história e se emocionou ao dizer: “eu não tenho nem Ensino Fundamental completo. Agora faço supletivo. Eu fico imaginando como poderia ter sido diferente a minha história se tivesse em minha escola um movimento como esse. Esse movimento interfere muito na sociedade”.

Adão e Marcílio | Foto: Izabella Lourença

O Adão e o Marcílio fazem a segurança da ocupação a noite. Enquanto eu conversava com eles, eles conversavam com um garoto que passava pela rua e pedia comida: “passa mais tarde aí, que eu te dou uma marmita”. Quando perguntei sobre o movimento, Adão disse que “falta o prefeito cumprir sua palavra. Na eleição ele disse que iria tratar bem o povo e as professoras. Mas o tratamento dele foi agressão e corte de salário.”. Para Marcílio, o movimento grevista é um movimento qualificado: “as pessoas passam e elogiam, apoiam esse movimento justo. Essas professoras também são graduadas, em sua maioria, não tem porque não equiparar o salário e a carreira”. Os dois concordam que o movimento já foi vitorioso pelo debate que causou na sociedade e que o prefeito é um mentiroso. “Ele diz que as professoras que não querem negociar, mas se ele tivesse negociado, a greve já teria acabado”, terminou Marcílio.

A Paula Dalferro, que aguardava para dar uma entrevista para a rádio Itatiaia, é professora da UMEI Universitário. Para ela, “a união do grupo que está acampado é muito forte. Dentro desse apoio e força, a gente se fortalece”. Ela sempre participou das greves, mas essa é a primeira vez que assume a linha de frente. “Eu me sinto empoderada aqui. Independentemente do resultado, isso aqui pra mim já foi de grande valia. Eu me redescobri enquanto pessoa que quer lutar por direitos”. Perguntei sobre sua relação com a família. “Na minha casa, a política é parte da nossa vida. Meus filhos sabem que é lutando que a gente conquista algo. Meus filhos e meu esposo dormiram aqui e sabem que precisamos continuar lutando”. Ela falou das intransigências do Kalil. Contou que na semana em que o prefeito decretou ponto facultativo na cidade por causa da greve dos caminhoneiros, informou que mesmo que a categoria não fosse trabalhar na semana, o ponto das grevistas continuariam sendo cortado. “A gente não é luxo, é subsistência. Nosso salário é nosso único meio de sobreviver e eles estão tirando nosso sustento”. Ela falou também sobre a secretária de educação do governo – Angela Dalbem. “Quando ela assumiu, achamos que poderíamos estar representadas por essa mulher, porque ela é da Faculdade de Educação da UFMG e por tudo que ela representa. Mas ela fez o oposto de tudo que a gente esperava”. A secretária faz reuniões com diretores para convencê-los a pedir as professoras a retornar às escolas, por exemplo. Enquanto se esperava que ela fizesse uma mediação entre a categoria e o governo, o sentimento das professoras é que ela se iguala ao prefeito. “Penso que as pesquisas e a formação de doutorado dela são figurativas e não verdadeiras. Ela não representa a educação”.

Foto: SindRede BH

A Rosangela Ribeiro é professora da Educação Infantil desde 2015. Ela trabalha na UMEI Alto Vera Cruz e também leciona na Escola Municipal Israel Pinheiro – “faço questão de falar que também dou aula lá porque lá a diretora apoia a gente”, disse. Com a sua experiência de produtora cultural durante 4 anos e professora de dança folclórica, quando já ministrava oficina em escolas, Rosangela logo se incorporou na comissão de cultura do acampamento. Essa é uma comissão que leva apoio e alegria para o acampamento. “Eu não organizo nada sozinha, sou eu e outras colegas nessa comissão”, ela fez questão de afirmar também. Essa comissão organizou diversas apresentações em frente à prefeitura, como a do Palhaço Senhor Flores, da palhaça Luba, do grupo Circunstância, do teatro negro e atitude, além da oficina Tambolele, oficinas de Silk e Xilografia, futebol das mulheres e aquele forrozinho para esquentar os corações.

Muitas histórias podem ser contadas. No acampamento, há tanto aquelas que o marido apoia, como aquelas que saem, fazem a janta em casa, e depois retornam. Há também aquelas que podem deixar os filhos com alguém ou leva-los para o acampamento, como aquelas que saem antes das sete para fazer almoço e levar as crianças na escola. No acampamento, são dezenas de mulheres que organizam rodízio e se apoiam para vencer o machismo e lutar não só por suas carreiras, mas pela valorização da educação em Belo Horizonte.

Foto capa: SidRede BH

*Página Izabella Lourença