Conversamos com Manuela Castañera sobre o avanço da discussão acerca da legalização do aborto na Argentina. Ela é socióloga, professora e líder do Novo MAS, um partido da esquerda radical Argentina, e do coletivo feminista Las Rojas (“As vermelhas”). Foi pré-candidata a deputada federal pela Esquerda à Frente pelo Socialismo, em 2017, tendo recebido mais de cem mil votos* na província de Buenos Aires. Castañeira afirma que dia 03 de junho, aniversário da mobilização por #NiUnaMenos, será um dia de reunir centenas de milhares em Buenos Aires pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito. Confira na entrevista exclusiva para o Esquerda Online.
Esquerda Online: Olá Manuela, obrigado pela disponibilidade para esta entrevista. Recentemente, a luta das mulheres e dos movimentos sociais pelo direito ao aborto virou um tema de impacto nacional. Conte aos leitores brasileiros porque isso ocorreu. O que está acontecendo na Argentina?
Manuela Castañera: O que está acontecendo na Argentina é algo que também se vê no mundo, mas aqui com mais força: o movimento de mulheres se põe de pé. Nos últimos anos, com as mobilizações por #NiUnaMenos (Nenhuma mulher a menos, luta contra o feminicídio), os encontros nacionais de mulher (um evento anual auto organizado pelas bases muito importante), a luta por aborto em casos de estupro, e sobretudo uma nova geração de jovens que questiona o lugar da mulher na sociedade, se produziu um movimento de mulheres muito forte.
Isto se combinou com uma questão que ocorreu no país que foram as jornadas de 14 e 18 de dezembro do ano passado onde o povo trabalhador se mobilizou contra o ajuste do governo abrindo uma crise política no país – que agora está tendo seu correlato em uma crise econômica.
Então o Governo Macri se viu obrigado a conceder algo. Em síntese, creio que o enorme movimento de mulheres obrigou o governo a abrir o debate. Um governo que está contra o direito ao aborto no hospital, que é um governo reacionário.
EOL: Sim. E como o governo fez para abrir o debate? O que ele fez?
Manuela: O movimento de mulheres vem apresentando o projeto de lei por sua conta faz mais de 10 anos. Já apresentamos 7 vezes e sempre foi barrado até mesmo a discussão. O que mudou desta vez foi que o governo facilitou o debate no Parlamento. Essa era uma reivindicação muita sentida porque o governo anterior de Cristina Kirchner, uma mulher presidenta, jamais havia deixado que o projeto de lei entrasse em pauta.
Hoje se está discutindo nas comissões a possibilidade de que se trate do tema na Câmara dos Deputados em Junho. O fato de que se abriu a discussão não garante que vão votar a favor. Se o movimento não segue nas ruas protestando e reivindicando, eles não vão votar.
EOL: Sim, tu citou antes e eu queria saber: tu enxerga alguma relação entre a luta pelo direito ao aborto e as históricas mobilizações por #NiUnaMenos na Argentina?
Manuela: Plena relação. Agora se está preparando a mobilização para o próximo 3 de junho (aniversário da mobilização por #NiUnaMenos) e estamos discutindo que a reivindicação central seja “NiUnaMenos por aborto clandestino. Aborto legal já!”. No 8 de março do ano passado, dia internacional da mulher trabalhadora, fomos quase meio milhão de mulheres somente em Buenos Aires, capital do país, marchando pelo aborto legal e contra a violência às mulheres.
EOL: Por que é importante legalizar o aborto na Argentina?
Manuela: O que estamos pedindo é aborto legal, seguro e gratuito. Porque é uma questão de saúde pública. É a primeira causa de morte de mulheres com idade fértil. Em nosso país, se faz um aborto em condições clandestinas e insalubres para cada nascimento.
E porque acreditamos que nós mulheres temos direito a decidir sobre nossos corpos, que é decidir sobre nossas vidas, nossos sonhos e nosso futuro. Tudo isso está em jogo e muito mais quando lutamos por aborto legal no hospital.
EOL: E agora, quais são os próximos passos dessa luta? Tu havia citado o 3 de junho.
Manuela: No próximo 28 de maio que é o dia internacional da saúde da mulher faremos ações em todo o país. Mas estamos preparando para fazer uma mobilização de centenas de milhares na Capital Federal pelo aborto legal no próximo 3 de junho.
EOL: Há uma data para votar no congresso?
Manuela: Não. Há rumores de que talvez se vote em uma das duas câmaras do congresso em junho. Mas na outra Câmara não tem nem data. O governo abriu o debate, mas está contra este direito. E fazem manobras com o movimento de mulheres. Mas vai ser difícil pararem esta força. Abriram uma “Caixa de Pandora” e agora nós mulheres não vamos simplesmente nos conformar com o debate: queremos nosso direito!
EOL: Muitas mulheres e movimentos sociais olham com esperança o que está passando na Argentina. Se o direito ao aborto for aprovado aí, será um exemplo enorme pra ampliar a luta aqui e pressionar pelo direito ao aborto legal aqui no Brasil. Tu imagina algo que se possa fazer para se somar à campanha? Há algum dia e ou articulação internacional desta luta?
Manuela: Sim, creio que ajudaria a todas as mulheres latino americanas caso se aprove este direito na Argentina. Creio que o movimento de mulheres é um dos principais movimentos sociais a nível internacional e que conta com muitos laços de coordenação. Como por exemplo no 8M do ano passado em que se viu como nos mobilizamos no mundo inteiro. Ou agora por Marielle, que na Argentina também nos somamos ao grito de Justiça por Marielle! Mulher, negra, favelada e militante de esquerda.
Tem que se avançar por este caminho e também em laços de coordenação entre os agrupamentos de mulheres dos nossos países. Para isso nós apostamos em Las Rojas, coletivo de mulheres feministas e socialistas, que constituímos em vários países.
* O sistema eleitoral argentino é diferente do brasileiro. É feita através de um sistema de prévias chamado PASO: primárias abertas simultâneas obrigatórias. Segundo Renato Fernandes explica em matéria para este portal, “O objetivo inicial das PASO era o de criar uma ‘cláusula de barreira’ para impedir a participação dos pequenos partidos nas eleições e americanizar a disputa política. Ou seja, pretendiam reduzir o número de listas e de partidos competidores, principalmente com os da esquerda socialista radical e concentrar as disputas nos grandes partidos. Para que uma lista possa participar nas eleições é necessário que ela alcance 1,5% nessas primárias”. Manuela Castañera participou das PASO recebendo mais de 100 mil votos na província de Buenos Aires. Infelizmente, faltaram cerca de 30.000 votos para furar o sistema eleitoral restritivo argentino e participar das eleições.
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