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EDITORIAL

PASO: as eleições primárias na Argentina

 

 Por Renato Fernandes, Campinas, SP

 

Cristina, Bullrich, Massa, Randazzo. Os principais candidatos na Província de Buenos Aires. Foto: https://www.clarin.com/politica/dicen-ultimas-encuestas-provincia-buenos-aires_0_ryp7oEBmW.html

 

 

No próximo domingo, 13/8, irão ocorrer as PASO: primárias abertas simultâneas obrigatórias. Nessas eleições serão eleitos 127 de 257 membros da Câmara de Deputados e 24 de 72 membros para o Senado. Como são primárias, as PASO são uma forma dos eleitores escolherem quem encabeçará cada lista e pode ser utilizada para a disputa interna das listas: em 2015, por exemplo, a Frente de Izquierda y de los Trabalhadores (FIT) escolheu seu candidato presidencial por meio das PASO, nas quais acabou ganhando Nicolás Del Caño do Partido de los Trabajadores Socialista (PTS) frente a Jorge Altamira do Partido Obrero (PO).

O objetivo inicial das PASO era o de criar uma “cláusula de barreira” para impedir a participação dos pequenos partidos nas eleições e americanizar a disputa política. Ou seja, pretendiam reduzir o número de listas e de partidos competidores, principalmente com os da esquerda socialista radical e concentrar as disputas nos grandes partidos. Para que uma lista possa participar nas eleições é necessário que ela alcance 1,5% nessas primárias.

Este ano, as PASO estão sendo questionadas por todos os partidos, principalmente pela aliança Cambiemos de Mauricio Macri, presidente do país. O problema levantado são os custos e a paralisia do sistema político para duas eleições, já que após as primárias, teremos eleições legislativas em 22 de outubro. Porém, este é um questionamento tipicamente reacionário, já que procura outras formas de barrar a participação dos pequenos partidos.

Podemos dizer que nas eleições da Argentina há a disputa de dois campos principais: o campo peronista que está altamente dividido e o campo de Cambiemos que está no Governo Federal. Além desses há diversas listas, nacionais ou regionais, da qual destacaremos as duas principais da esquerda socialista radical: a Frente de Izquierda de los Trabajadores (FIT) e a Izquierda al Frente (IAF).

 

As eleições regionais e a centralidade de Buenos Aires

 

Em algumas províncias já ocorreram as PASO regionais e também algumas eleições legislativas regionais. Elas medem um pouco a “temperatura” de cada local para as eleições nacionais. Nas eleições em Chaco, província ao norte, próxima ao Paraguai, os peronistas com 46,2% ganharam do Cambiemos, 34,1%. A surpresa foi a eleição da FIT que conseguiu 5,7% e elegeu o trabalhador da construção civil e militante do Partido Obrero Aurelio Díaz como deputado da província.

Em outra província, La Rioja, na disputa regional das PASO, ao noroeste do país, também houve triunfo do peronismo frente a Cambiemos: em duas listas diferentes, o peronismo obteve o primeiro e o segundo lugar, com 25,01% e 19,60% (44,61% no total), enquanto Cambiemos obteve 19,15%. Nesta província, a IAF ficou com 1,91% e a FIT com 1,61%.

Dada a formação social argentina, as eleições mais importantes são as da província de Buenos Aires (BsAs) que concentra a maior parte da economia e da população do país. Nas eleições nacionais estão em disputa dois cargos de senadores e 35 deputados nacionais.

Na província de BsAs, o peronismo está dividido em três alas: 1País encabeçada por Sergio Massa (ex-ministro nos governos Kirchner), a Frente Justicialista encabeçada por Florencio Randazzo (também ex-ministro) e a Unidad Ciudadana encabeçada pela ex-presidente Cristina Kirchner. É importante ressaltar que Cristina está sendo alvo de investigações sobre corrupção em seu governo, o que embaralha ainda mais a disputa política. Massa, Randazzo e Cristina são candidatos a senadores por BsAs. O governo federal está unido na campanha com seu ex-ministro da educação e esportes, Esteban Bullrich, por Cambiemos. Nas primárias para Senador na Argentina, Cristina Kirchner aparece com 32,1% das intenções de voto, enquanto Bullrich aparece com 30,1%, seguido por Massa com 20,8% e Randazzo com 6,4%.

Esse cenário demonstra, de certa maneira, o rechaço ao governo de Macri e a dificuldade que ele terá para enfrentar a oposição peronista (se esta sair unificada) nas próximas eleições presidenciais – cenário improvável também. Porém, a novidade nestas PASO, seja para Senador, seja para deputados, é justamente a localização da esquerda, principalmente da FIT. Para Senador de Buenos Aires, por exemplo, a FIT está com 4,8% das intenções de voto.

 

O espaço da esquerda socialista radical

 

A FIT e a IAF são duas frentes eleitorais que representam a política da esquerda socialista radical. A primeira já tem uma determinada tradição: foi formada em 2011 pelo PTS, o PO e a Izquierda Socialista (IS) como uma maneira de superar as PASO. A FIT se consolidou como principal frente política nacional da esquerda socialista. Desde seu início foi uma frente eleitoral que, ainda que incorporasse outros partidos, como o PSTU Argentino (que não tem representação legal), foi ferreamente controlada pelas três principais organizações.

Considerando o período em que vivemos, a tática de frente eleitoral foi um grande acerto da FIT. Ela permitiu que essas organizações começassem a quebrar a marginalidade a que a maior parte da esquerda socialista radical internacional ainda está submetida. Atualmente a FIT tem 4 deputados no parlamento argentino e alguns deputados nas províncias. Combinado a esse processo eleitoral, como foi demonstrado no ato de 20 de novembro no estádio do Atlanta em Buenos Aires, os partidos da FIT ampliaram sua influência no movimento estudantil, operário e popular do país. A luta da PepsiCo é mais um capítulo que expressa o crescimento da esquerda socialista radical do país.

Entretanto, a FIT se recusou a entrar em um acordo com o Nuevo Movimiento al Socialismo (MAS) e, posteriormente, com o Movimiento Socialista de los Trabajadores (MST), outros dois partidos da esquerda radical. Frente a isso, o MAS e o MST anunciaram, em novembro do ano passado, a formação de uma nova frente socialista, a Izquierda al Frente que disputa eleições a nível nacional também.

Numa pesquisa publicada no dia 2 de julho, as intenções de votos para a lista de deputados da FIT, encabeçada por Nicolás del Caño do PTS, era de 6,1%, enquanto a lista encabeçada por Manuela Castañeira do MAS tinha 3,9%. Em outras localidades, como na província de Santa Fé, a FIT chegou a ter 15,2% da intenção de votos. Essas pesquisas demonstram que um setor de massas, ainda que minoritário, busca uma saída socialista e radical nas eleições.

A FIT entrou na justiça exigindo a troca de nome da IAF, devido as “semelhanças” entre os dois, já que as cores são as mesmas (vermelho e preto). Uma briga que aprofunda ainda mais a divisão da esquerda quando ela está diante de uma grande oportunidade de se apresentar enquanto uma alternativa mais consistente para a crise do país.

Apesar desses problemas, a política de frentes eleitorais da esquerda socialista radical nos parece extremamente correta como forma de romper as marginalidades de nossas organizações. O correto seria a unidade entre as duas frentes, como a IAF corretamente defende. Além disso, uma frente da esquerda socialista e radical que fosse para além das eleições e que disputasse o conjunto dos movimentos sociais da influência do peronismo, poderia ser a catalizadora que aproveitaria esse giro minoritário de um setor das massas no plano eleitoral e possibilitaria a apresentação de uma real alternativa política socialista e radical.