No último dia 22 de dezembro foi anunciado mais um capítulo da temerária saga “Por que demos um golpe no Brasil”. Naquele dia a Boeing anunciou a intenção de comprar toda a Embraer, única empresa a fabricar aviões no hemisfério sul do planeta.
Trata-se de entregar diretamente ao imperialismo todo o esforço de desenvolvimento tecnológico em um setor estratégico para a defesa e soberania nacional. Além disso, estão em risco cerca de 16 mil empregos nas três unidades produtivas no país: São José dos Campos, Araraquara e Botucatu, todas no estado de São Paulo.
A Embraer foi criada com recursos do Estado nacional em 1969. É a história de uma saga que reuniu o melhor da engenharia nacional através do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), a iniciativa do Estado em investir e um conjunto imenso de trabalhadores que rapidamente adquiriram as habilidades de produzir um equipamento tão sofisticado, cujas exigências de segurança, tecnologia, manutenção, etc..são imensas. A consolidação da Embraer como a terceira maior fabricante de aviões do mundo, é um caso emblemático que contrariava, e ainda contraria, todo o discurso de ineficiência do Estado.
Em 1994 ocorreu a privatização da Embraer. Vivíamos a primeira etapa da sanha neoliberal privatista no Brasil iniciada com Collor e, depois retomada na mesma intensidade com Temer. A tentativa de “quebrar” e “diminuir” o Estado inviabilibou que novos investimentos fossem feitos na empresa e sem novos investimentos a empresa caminhava para a falência programada. A despeito da forte resistência da sociedade e dos trabalhadores a privatização ocorreu por meros US$ 151 milhões. A perda do controle estatal jamais afastou o governo dos negócios da Embraer que continua a depender fortemente das encomendas no setor de defesa e dos financiamentos que o BNDES proporciona aos compradores dos jatos executivos e aeronaves comerciais de todo o mundo. Além disso, o governo possui uma ação especial chamada Golden Share que confere o direito a veto em certas circunstâncias como a da mudança de controle, exatamente o caso atual.
Desde o anúncio da venda para a Boeing até o presente momento não existe uma proposta oficial sobre o quê, quanto, quando ou como o controle seria transferido para a Boeing. Seriam transferidos todos os segmentos: aviões pequenos, aviões comerciais e defesa? O quanto de cada um desses ou de todos eles seriam transferidos: 100% , 80%, 60%? Como o governo chancelaria essa entrega: criando uma nova empresa para abrir mão da Golden Share, aprovando o negócio com essa ação especial?
O governo Temer chegou a anunciar que não venderia a Embraer, mas tudo indica que foi só um exercício de retórica soberana contra uma prática entreguista. As negociações prosseguem sem que o governo ouse fazer uso do seu direito de veto. Diariamente são divulgados informações sem identificação de fontes, e sem que as companhias e os governos confirmem. Em meio a essas indefinições os trabalhadores seguem apreensivos quanto à continuidade da empresa e consequente a manutenção de seus empregos.
A Embraer e seus asseclas jogam pesado inviabilizando o debate. Basta mencionar que as câmaras municipais de São José dos Campos e Jacareí, cidades do Vale do Paraíba onde estão concentrados cerca de 12 mil trabalhadores, negaram o pedido do Sindicato dos Metalúrgicos para a realização de uma audiência pública. A imprensa local e nacional é completamente controlada pela empresa e não dá voz aos críticos da negociação.
O governo brasileiro poderia paralisar imediatamente as negociações de entrega se fizesse uso da Golden Share. Esse seria o primeiro e definitivo passo para evitar que mais de 60 anos de esforços simplesmente desapareçam. Mas sabemos que estas não são as intenções do governo golpista. Ao contrário: a venda da Embraer aprofunda o processo iniciado com a privatização da empresa. Mais do que a mudança de controle, está colocada em xeque a sua própria existência. A venda para a Boeing significa o fim da Embraer.
Os três sindicatos que representam as bases de Araraquara, Botucatu e São José dos Campos implementam campanha “A Embraer é nossa” desde o início de janeiro. Várias iniciativas foram tomadas como visitas à Brasília, realização de seminário, confecção de uma revista online, etc..
Mas é preciso mais do que os esforços dos sindicatos. Não podemos aceitar isso de braços cruzados. É necessário que a sociedade e os trabalhadores se envolvam na campanha, somente assim conseguiremos pressionar o governo e a evitar esta venda!
Foto: Protótipo do avião E195-E2 da Embraer em São José dos Campos, em 2017
Comentários