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EDITORIAL

Uma noite que pode entrar na história

Editorial de 04 de março,

Enquanto as forças da reação levantam suas asas sob o país e a velha esquerda rendida suspira a conciliação com os poderosos, uma centelha de esperança brilhou na noite deste sábado, três de março, na Casa das Caldeiras, em São Paulo.

Há tempos não se via a valentia e a diversidade do povo numa manifestação de tamanho vigor e alegria. Sem-tetos das ocupações de mãos dadas com os povos das florestas. Operários ao lado de artistas e estudantes anticapitalistas. Mulheres lutadoras, negros combatentes e LGBTs ativistas juntos de velhos guerreiros do enfrentamento com a ditadura militar.

Naquele salão apinhado de gente, não estavam apenas reunidos um passado e um presente carregados de resistência, mas sobretudo um futuro, uma nova perspectiva de lutas e sonhos. Explorados e oprimidos se juntaram, ali, não para proclamar demandas separadas por muros, e sim para afirmar que a unidade na diversidade é a maior força do povo trabalhador e oprimido.

O lançamento da pré-candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara à presidência é, ao mesmo tempo, símbolo e aposta da retomada de um projeto de esquerda que fale a língua da luta de classes, a língua dos debaixo, e não a da submissão, conciliação e acomodação com o andar de cima.

A aliança selada entre o PSOL, MTST e diversos outros movimentos impulsiona uma iniciativa política que transcende a disputa meramente eleitoral, pois abre caminho para a reorganização da esquerda sob novas bases políticas e programáticas, num contexto que a direita avança e o petismo sucumbe à reação. Por outro lado, esta aliança amplia e fortalece o PSOL, conferindo-lhe um papel superior, e não ao contrário, como acredita alguns setores do partido.

Abrir espaço para o novo sem repetir os erros do passado

Diante do surgimento de uma nova alternativa, a velha esquerda se movimenta para acabar com seu potencial e radicalidade. O vídeo de Lula passado na Conferência Cidadã é uma evidência disso. Habilmente, a direção do PT não se contrapõe abertamente à iniciativa, mas trabalha para enquadra-la dentro dos parâmetros políticos e programáticos aceitáveis para o lulismo.

Para superar o petismo e sua estratégia permanente de conciliação com os poderosos, é pouco inteligente ser sectário. Neste momento, em que o PT não é mais governo, é decisiva a luta unificada contra a condenação e prisão de Lula, contra o governo Temer e as reformas, e contra a intervenção militar no Rio. A unidade da esquerda na luta é uma bandeira central para os dias de hoje.

Porém, ao mesmo tempo, é necessário reconhecer que, sem romper política e programaticamente com o lulismo, a nova esquerda terá vôo curto. A conciliação de classes não é apenas indesejável agora: ela foi a responsável por abrir as portas para o golpe parlamentar e a onda reacionária que se abate sobre o nosso povo. Como disse ontem Marcelo Freixo, não queremos governar “para todos”, como se fosse possível agradar a ricos e pobres, todos os “cidadãos”. Nosso projeto tem lado, tem classe.

Três estratégias para não repetir o velho

Neste editorial, queremos apresentar três nortes estratégicos para pisarmos em chão firme e traçarmos um horizonte possível de vitória.

O primeiro deles é a garantia da mais absoluta independência diante da classe dominante. Recuperar o princípio da independência dos debaixo significa repelir as alianças com os partidos e lideranças da direita, com todas as frações da burguesia. Não há nenhum setor da classe dominante progressivo, o conjunto da burguesia brasileira é reacionário, atrelado e submetido aos interesses imperialistas. Por isso, é incapaz de qualquer projeto nacional soberano e progressista. A burguesia brasileira se alimenta da miséria, da desigualdade e da violência. Sua bandeira é a da contrarrevolução permanente.

O segundo norte estratégico deve ser a defesa de um programa anticapitalista, isto quer dizer que as mudanças fundamentais que o país precisa – saúde, educação, emprego, moradia, cultura etc. – são impossíveis de serem efetivas sem a ruptura com os grandes bancos, empresários, multinacionais e latifundiários. Se quisermos ir à raiz dos problemas, atacar os privilégios das elites pressupõe um programa de expropriação da grande propriedade capitalista, em benefício da maioria. É ilusório acreditar que se pode transformar verdadeiramente o país sem romper com a burguesia e o imperialismo. Todas as tentativas que venderam essa falsa promessa fracassaram, cedo ou tarde.

Por fim, é preciso colocar em primeiro plano a estratégia da revolução brasileira, o que significa reconhecer que as instituições do estado capitalista (executivo, legislativo, judiciário, forças armadas) são agentes da manutenção do sistema de exploração e opressão. Por consequência, a transformação nacional só poderá ser protagonizada pelo povo trabalhador e oprimido organizado e em luta, para além das eleições. Assim, a tarefa fundamental é construir as condições para a revolução brasileira, isto é, para a insurgência dos explorados e oprimidos contra o sistema. A nova alternativa de esquerda, se quiser fazer a grande política, deve estar a serviço dessa estratégia revolucionária.

Foto: Midia Ninja