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BRASIL

Resultado final da plataforma Vamos! aponta um programa para colocar o dedo na ferida

Por Vinícius Zaparoli, de São Paulo.

No final do mês de novembro, chegou ao fim o ciclo de debates programáticos impulsionado pela Frente Povo Sem Medo, chamado “Vamos! Sem medo de mudar o Brasil”. Diante da atual conjuntura política, na qual há um refluxo das mobilizações do movimento de massas, um crescimento da extrema-direita e uma ofensiva do governo golpista contra os direitos sociais da população, é inegável a relevância da iniciativa.

O ciclo de debates reuniu milhares de pessoas em todo o país: foram 55 debates, em 24 cidades diferentes, de 5 regiões do Brasil. Além das atividades presenciais, o ciclo contou com uma plataforma on-line, que recebeu 134 mil acessos e 1500 propostas programáticas.

Porém, os debates não expressaram apenas uma importante adesão de ativistas independentes e dos movimentos sociais, pois eles foram também um encontro de intelectuais progressistas e correntes e parlamentares socialistas. Essa grande unidade só pode ser considerada uma vitória porque não escondeu as profundas divergências políticas, programáticas e estratégicas entre os inúmeros setores que interagiram no ciclo de debates e na plataforma Vamos!.

Desde a primeira atividade em agosto, uma forte polêmica esteve presente nas discussões: o novo programa e a nova alternativa política da esquerda brasileira devem representar uma continuidade ou uma ruptura com a estratégia petista de colaboração de classes, que foi, e ainda é, hegemônica na esquerda brasileira? Nós acreditamos que as conclusões da iniciativa da Frente Povo Sem Medo apontam positivamente para a segunda opção dessa dicotomia.      

Em nossa opinião, mesmo com a participação de vários parlamentares e lideranças petistas nas dezenas de debates que ocorreram pelo país – o que suscitou desconfiança e dúvidas legítimas em diversas correntes socialistas –, as discussões tiveram um conteúdo bastante crítico à estratégia do PT de governar em aliança com setores da velha política oligárquica e com representantes do empresariado industrial, do capital financeiro e do agronegócio.

Essa postura crítica é fundamental neste momento, na medida em que o PT se recusa a fazer qualquer tipo de reflexão e autocrítica acerca de seu projeto de poder. Se, por um lado, o golpe parlamentar de 2016 demonstrou que os partidos da direta tradicional não têm nenhuma fidelidade ao PT, seu aliado de tantos anos; por outro lado, infelizmente, a direção petista parece que não aprendeu nada com o impeachment, pois Lula segue negociando a reedição de alianças com o PMDB para as eleições de 2018.

O ciclo de debates da iniciativa Vamos! foi só o primeiro passo

No dia 26 de novembro, a Frente do Povo Sem Medo publicou os resultados do ciclo de debates e da plataforma on-line “Vamos! Sem medo de mudar o Brasil”. Segundo Guilherme Boulos, o conjunto das propostas políticas sistematizadas pelo texto apresentado é um programa que coloca o dedo na ferida, com enfrentamento ao sistema financeiro e aos bancos. Concordamos com o dirigente do MTST, pois o programa inclui várias propostas fundamentais para o enfrentamento com as elites e o mercado, ou seja, políticas que atacam os lucros dos patrões e alteram radicalmente as prioridades de investimento dos recursos estatais. Tal programa significa um avanço qualitativo em comparação com a experiência dos governos Lula e Dilma.

As principais medidas contidas no programa são: a revogação de todas as contrarreformas de Temer, a reforma tributária progressiva, a taxação das grandes fortunas, a reforma agrária, a legalização das drogas, a demarcação das terras indígenas e quilombolas, a tarifa zero no transporte coletivo, a desmilitarização da segurança pública, a desapropriação de imóveis ociosos e com dívidas para moradia popular, além de outras reivindicações históricas na saúde e educação, e demandas urgentes das mulheres, da população negra e da comunidade LGBT.

No entanto, alguns pontos programáticos que julgamos imprescindíveis ficaram de fora. A proposta de auditoria da dívida pública, por exemplo, deveria ter sido acompanhada de uma defesa da suspensão de seu pagamento, sem a qual é impossível liberar recursos públicos para as áreas sociais. Por sua vez, para conquistar reforma agrária e soberania alimentar, será preciso expropriar o agronegócio que toma conta das terras brasileiras.  

O controle estatal dos bancos e das transações financeiras também não entrou no texto final, mas é necessário para disponibilizar créditos a juros baixos e, com isso, reaquecer a economia nacional. O mesmo aconteceu com a proposta de redução da jornada de trabalho sem redução de salários, indispensável para conter o desemprego.

No caso do transporte coletivo, faltou a bandeira de estatização dos transportes, principalmente das empresas privadas de ônibus. Em relação à educação, o programa aprovado falhou igualmente ao não apresentar a necessidade da estatização do ensino privado enquanto uma medida necessária para garantir a universalização do acesso ao ensino público.

Além disso, o texto final não incluiu, erroneamente, a defesa do salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres, da criminalização da lgbtfobia e das cotas para as pessoas trans nas universidades e serviços públicos. 

Essas lacunas limitam, mas não deslegitimam os resultados da iniciativa da Frente Povo Sem Medo, uma vez que o processo de elaboração coletiva vai continuar e se enriquecer. Para isso, no próximo ano, antes e durante as eleições presidenciais, será o momento de fazer a discussão programática na base dos movimentos populares, nos locais de trabalho e estudo, nas ocupações da cidade e do campo, envolvendo novos atores políticos e sociais.     

Pensamos que, dessa iniciativa da Frente Povo Sem Medo, pode surgir uma nova alternativa política para o país. Por não romper seus compromissos com setores da burguesia, Lula e o PT não vão incorporar o programa final construído pelo ciclo de debates e pela plataforma Vamos! nas eleições de 2018. A candidatura do PSOL à presidência da República, por outro lado, pode cumprir essa tarefa, o que fortaleceria, e muito, a perspectiva de superação do petismo no processo de reorganização da esquerda brasileira.