Por Alexandre Zambelli, Bancário e militante do MAIS, de Belo Horizonte/MG
Nesta sexta-feira mais uma operação da Polícia Federal estarreceu o país. Batizada de “Operação Carne Fraca”, apontou para um esquema de corrupção envolvendo empresários do ramo de frigoríficos e fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura. Ao garantir a venda de carnes vencidas ou adulteradas, muitas delas com produtos químicos e outros potencialmente cancerígenos.
Ainda há relatos de inserção de papelão em lotes de frango e carne de cabeça de porco em linguiça, além de troca de etiquetas de validade. Toda a operação expôs uma perversidade do sistema de garantir lucro a todo custo a despeito da saúde pública. Parte dos alimentos eram exportados e outra parte abastecia o mercado interno, incluindo fornecimento para aluno da rede pública do Paraná. A operação envolve grandes empresas do setor, como a BRF Brasil, que controla marcas como Sadia e Perdigão, e também a JBS, que detém Friboi, Seara, Swift, entre outras marcas.
A notícia chocou bastante por mexer com um setor que sempre foi visto como a “salvação nacional”, fruto das expressivas safras recordes de grãos nos últimos anos além do destaque na exportação de produtos como a própria carne e o café. É bem verdade que o Agronegócio tem papel importante na economia nacional. Ao longo dos últimos 20 anos sempre contribuiu com mais de 20% do PIB do Brasil(1).
Características do agronegócio brasileiro
É importante destacar as duas formas de organização da agricultura brasileira: patronal e familiar. Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006(2), 84,4% do total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros pertencem a grupos familiares. Apesar do numeroso contigente, a área ocupada por esse grupo não segue a mesma proporção. Os agricultores familiares ocupavam, no último levantamento, 80,25 milhões de hectares, o que corresponde a 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Estes resultados demonstram a estrutura fundiária ainda extremamente concentrada no Brasil, onde muitos tem pouca área, e poucos tem muita área. Estrutura essa que explica boa parte dos conflitos fundiários dos quais o Brasil historicamente passou e ainda passa.
Mesmo ocupando apenas 24% da área agrícola brasileira, os estabelecimentos familiares respondem por 38% do valor bruto da produção nacional e por 34% das receitas no campo(3). A agricultura familiar ainda responde pela grande maioria da produção dos alimentos consumidos à mesa do brasileiro, como mandioca, feijão, leite e carne suína, além de expressiva produção de milho, café e arroz. Apesar da expressiva participação econômica, ela não é revertida em melhor financiamento.
O Estado sempre teve importante contribuição no financiamento de toda a cadeia do agronegócio, através de linhas de custeio, investimento e comercialização. São várias as fontes de recursos, mas a maoior parte é proveniente de fundos e programas do BNDES e fundos constitucionais. Dado mais recente, o Plano Agrícola e Pecuário do período 2016/2017, que estabele as diretrizes das linhas de financiamento destinada ao médio e grande produtor, garantiu a liberação de R$ 202,88 bilhões em crédito. Em contrapartida, o Plano Safra da Agricultura Familiar 2016-2017 garantiu R$ 30 bilhões, volume expressivamente menor.
Desde junho de 2007 até 2013, o BNDES já investiu cerca de R$ 9,5 bilhões nos três maiores frigoríficos do país: os dois citados no começo (JBS e BRF.) além da Marfrig, entre linhas de financiamento direto e participações acionárias. Esse pacote de bondades sempre se refletiu nas doações eleitorais. Somente em 2014 a JBS doou, entre vários candidatos e partidos, R$ 366,8 milhões, sendo a maior doadora, seguida da construtora Odebrecht. Ainda há de se destacar a expressiva bancada no congresso ligado ao setor(4).
É fato, o agronegócio brasileiro gera muita riqueza, mas às custas de toda sorte de exploração. O agronegócio é o setor da economia que mais recruta pessoas para trabalhar em regime semelhante ao da escravidão. No âmbito dos frigoríficos há uma série de problemas envolvendo condições de trabalho. Estudos mostram que as empresas deixam de cumprir diversas disposições legais sobre segurança e saúde, iniciando por deixar de informar aos trabalhadores os riscos que possam originar-se nos locais de trabalho(5). O ambiente é insalubre, há constante desrespeito às jornadas de trabalho e períodos de descanso, e a elevada carga de movimentos repetitivos ocasionam alta incidência de doenças osteoarticulares(6).
Ainda há todo impacto sócio-ambiental causado por este setor. Seja através de desmatamentos, queimadas, desrespeito às leis ambientais nas produções próximas a rios e nascentes, e danos causados pelo intenso uso de agrotóxicos, que agridem a saúde pública, aliado à venda de produtos adulterados ou vencidos, como exemplificado na Operação Carne Fraca. Porém podemos observar que há modelos alternativos ambientalmente mais sustentáveis e capazes de gerar mais emprego e renda. Estes modelos em grande parte estão relacionados à agricultura familiar, que se mostra capaz de gerar uma produção considerável apesar do pouco incentivo econômico e de uma estrutura de distribuição de terra que o desfavorece. É preciso se apoiar nestes modelos para superar a estrutura que o capitalismo fez no meio rural.
1 PIB do Agronegócio – Dados de 1995 a 2015. Disponível em http://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx
2 O Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda é o levantamento oficial mais recente realizado pelo Instituto. Suas informações estão disponíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/
3 www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option5334=com_conten5334t&id=2512:catid=28&Itemid=23
4 http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/conheca-as-11-bancadas-mais-poderosas-da-camara/
5 Processo de trabalho e condições de trabalho em frigoríficos de aves: relato de uma experiência de vigilância em saúde do trabalhador. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n12/1413-8123-csc-19-12-04627.pdf
6 “Moendo Gente” mostra as condições de trabalho nos frigoríficos do Brasil. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2012/09/quot-moendo-gente-quot-mostra-as-condicoes-de-trabalho-nos-frigorificos-do-brasil/
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