“Lula vai fazer propaganda eleitoral no ato contra a Reforma da Previdência”. Isso me lembra, como se fosse ontem, eu, minha mãe, meu pai e minha irmã assistindo à Rede Globo. Era 2002, Lula acabou de ganhar a eleição. Eu era muito nova ainda para votar, tinha 15 anos, mas, nossa, como eu queria ter votado no Lula! Como meu pai, como minha mãe.
Apareciam as cenas do velho Lula Operário fazendo discurso de greve, agitando os braços. Agora a barba estava mais curta, mais certinha, nossa, ele mudou, hein? Nós, com os olhos vidrados, víamos ali a esperança. Todo mundo era tão igual, mas ele era diferente, quem sabe não mudaria alguma coisa, né?
Minha mãe votou em você, Lula, tinha esperança. Via em você o mesmo trabalhador que ela era, servidora do INSS. Lembro-me que ela às vezes levava trabalho pra casa, e dizia, filho, me ajuda aqui. E eu ajudava a contar os nomes grifados, poucos nomes em uma grande lista. Ela dizia que tinha gente com diploma, com salário maior que o dela, que pedia ajuda para ela fazer o trabalho, porque ela sabia como fazer.
Ela não costumava dar muita atenção para as greves. Se tinha greve, ficava em casa, ia para o centro fazer compras. Às vezes, para não perder o salário, ia trabalhar. Mas, no seu governo, Lula, isso mudou.
Você tirou a aposentadoria da minha mãe e ela ficou revoltada. Você disse que servidor público trabalha pouco. Meu avô, o pai dela, sofreu derrame e não podia trabalhar, a família era pobre. Era minha mãe quem cuidava da casa, dos dois irmãos mais velhos, do irmão mais novo. Minha mãe trabalha desde os 12 anos e você disse que ela não trabalha.
Você quis aumentar o trabalho dela de 6h para 8h, aumentando só 10% do salário. “Não é possível”, dizia minha mãe. Agora temos que trabalhar 8h e ainda tem mais 1h de pausa para o almoço. Tenho que ficar mais três horas fora de casa, mas meu salário não vai aumentar 50%.
Os sindicalistas ganharam cargos e ficaram contra a greve. “É um absurdo”, dizia minha mãe, “o FHC nos atacou tanto, mas nunca teve um ataque tão grande quanto esse”. completava. E ela ficava triste com os sindicalistas, que mudaram de lado, traíram a categoria.
Poxa vida, Lula, minha mãe votou em você! Ela confiou em você!
Naquela greve, minha mãe virou grevista. Ia para a assembleia, falava todo dia da greve. A mídia estava mentindo o tempo todo sobre a greve, para jogar o povo contra. O governo chamava a categoria de preguiçosa, a mídia chamava a categoria de preguiçosa, diminuía o número real de grevistas. “Aqui em Limeira”, relatava minha mãe, “tem só 16% trabalhando, eles estão reagendando todo mundo, mas a mídia diz que a agência funciona normalmente, que aqui não tem greve”.
Minha mãe virou agitadora da greve. Ela me contou o discurso que fez, que ela aprendeu na igreja: ela pegou uma nota de R$ 50 e perguntou: “Quem quer essa nota”? A plateia levantou a mão, e ela amassou a nota, e perguntou: “Quem ainda quer essa nota”? E todo mundo levantou a mão. Daí ela disse: “Se eu pisar essa nota, se eu jogar na lama, ela não perde seu valor. Assim são vocês, podem nos pisar, podem nos jogar na lama, mas nós ainda temos nosso valor”! E a plateia assistia, se emocionava, e chorava, porque era assim que ela se sentia, amassada, pisada, desvalorizada. Minha mãe foi até convidada para fazer parte de uma chapa para o sindicato. Ela recusou.
Quando ela me contou isso, fiquei chocada, “Nossa, por que, mãe?”, questionei. Ela disse: “Pra quê? Pra eu virar um deles? Igual a esses que ganharam cargo nesse governo? Eu não quero me tornar um deles, prefiro continuar por baixo, mas não me corromper”.
Minha mãe nunca mais votou no PT. Eu nunca votei no PT.
Talvez, Lula, você tenha se esquecido de quantas alianças você fez, de todos os Malufs que você apertou a mão, de quanta gente você traiu. De como você mudou de quando era o Lula Operário das greves, dos atos contra o governo. Mas, minha mãe não se esqueceu. E eu, certamente, não vou esquecer.
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
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