Por: Morghana Benevenuto, de Porto Alegre, RS
Aprovada nesta quarta-feira (08) a Reforma do Ensino Médio pelo Senado. É importante refletirmos sobre os impactos dessa PL – que só depende de uma sanção presidencial para entrar em vigor – na vida da juventude brasileira e principalmente na vida dos jovens negros e de periferia. Mas, principalmente, qual a ligação da Lei 34/2016 com a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e a cultura afro-brasileira e africana nas escolas e universidades.
Primeiro, vamos entender o que é a Lei 10.639/03
Como dito antes, a Lei 10.639/03 versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. Ela cumpre o papel de ressaltar a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira. Mas, apesar de ter sido aprovada há algum tempo, ainda existe uma dificuldade das escolas em trabalhar esse tema, e das secretarias de educação em exigir esse ensino.
Em um país onde o mito da democracia racial continua vigente e cumpre um papel de frear os avanços já conquistados e as lutas do povo preto, o racismo se faz presente em todas as dimensões das relações humanas, portanto, no campo da educação, e mais especificamente no espaço escolar. Onde construímos para além das relações familiares, relações sociais em base a ideias e pré-conceitos, um estudo da história que não retratam os negros somente como um povo escravizado. Isso é de extrema importância para a evolução da luta contra o racismo no Brasil, afinal, os negros e negras têm antepassados, têm história e fazem história.
A importância de lutar contra o epistemicídio histórico que o povo negro sofre até hoje, de lutar contra as diversas apropriações da cultura afro-brasileira e africana e a própria construção e formação do que é ser Negro, estão contidas em medidas como essa, que avançam essas lutas, que não cabem somente aos negros, mas aos brasileiros, pois a cultura afro-brasileira é constituinte e formadora da sociedade brasileira.
Reforma do Ensino Médio e seus Retrocessos
A Reforma, que hoje só depende da sanção presidencial, é propagada com um discurso de que agora os estudantes vão decidir e organizar seu próprio currículo. Mas, enquanto os setores reacionários vibram com essa medida, a juventude que ocupou escolas e que estiveram nas principais mobilizações contra o governo atual nesse último período, rechaça a lei e se reorganizam para novas mobilizações contra mais esse retrocesso.
Resumidamente, a Reforma do Ensino Médio aprovada torna, somente, Matemática, Português, estudos e prática de Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia obrigatórias. Em contrapartida, Física, Biologia, Química, História e Geografia tornam-se optativas. Além disso, as aulas serão divididas em itinerários formativos: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humana e Formação Técnica e Profissional. Esses itinerários são optativos, mas de acordo com que a escola oferecer. As horas aulas anuais também mudaram, o que era 800 horas anuais transformaram-se em mil horas anuais. Assim, as aulas serão em turno integral.
A Reforma do Ensino Médio não considera a precariedade das escolas e do ensino público brasileiro. Como exigir turno integral se nem merenda se oferece? Como tirar a obrigatoriedade de praticamente cinco matérias, se na maioria das escolas enfrenta-se a falta de professores, logo desconsiderando a necessidade destas para formação intelectual e pessoal do estudante? Como colocar em prática a Lei 10.639/03, se nem o estudo da História está garantido?
Assim, se já é difícil para a população negra ingressar em uma universidade pelas suas condições socioeconômicas e culturas historicamente imposta pela burguesia branca e elitista, com a Reforma do Ensino Médio e a PEC 55 ficará mais difícil.
Com isso, dá pra se ter uma ideia do quão absurdo parece essa medida. Mas, além de absurda, ela tem partido, uma ideologia e um objetivo bem claro: impedir a formação de um pensamento crítico para a juventude pobre e de periferia. E, nesse sentido, os mais oprimidos e explorados são os mais atacados.
A mobilização do Povo Negro também é a garantia de direitos para a juventude brasileira
Aqui estamos falando especialmente do potencial revolucionário dos negros. A juventude protagonizou ocupações em escolas, ocupações em universidades, atos contra a PEC 55 e, inclusive, a própria luta contra o golpe parlamentar nesses últimos três semestres. E mesmo que em algumas delas o número de negros fosse superior do que normalmente é encontrado nas mobilizações de rua, como nas ocupações de escolas (porque se tratavam de escolas públicas), ainda é difícil ver a mobilização desse setor de forma um pouco mais massifica. Infelizmente, o que estamos vendo no último período é uma crise carcerária que também está cumprindo o papel de matar homens negros pela falta de negligência do Estado.
A educação pública é uma causa do movimento negro sim, pois através dela também construímos nossas ferramentas de luta contra o sistema. Com a aprovação da PL 34/03 está posto em jogo todos os pequenos avanços já conquistados pelo movimento, inclusive a Lei 10.639/03. É preciso que os coletivos negros, das universidades, os movimentos sociais, e amplos setores de esquerda debatam essa medida não só como um retrocesso para educação, mas um retrocesso para uma população que forma mais da metade dos trabalhadores informais, terceirizados, da juventude periférica, criminalizada e pobre.
A mobilização para derrotar não só essas medidas reacionárias, mas o governo ilegítimo de Temer, só tomará força quando conseguirmos explorar o potencial revolucionário do povo negro. Nesse sentido, debater de forma mais ampla a reforma do ensino médio, dentro de periferias, com o movimento negro, é uma necessidade para de fato reorganizar as lutas e mobilizações.
Foto: Mídia Ninja
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