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BRASIL

Com disciplinas fake, Reforma do Ensino Médio é um desastre! Revogação já!

Por Sirlene Maciel, de São Paulo (SP)
Agência Brasil
“Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os impotentes
significa ficar do lado dos poderosos, não ser neutro.
O educador tem o dever de não ser neutro.”
Paulo Freire em Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos.
São Paulo: Unesp, 2000.

 

A reforma do ensino médio foi propagandeada como algo que daria autonomia aos estudantes para escolher áreas de aprofundamento para os estudos nesse nível de ensino e que, portanto, a grade seria flexibilizada. Até hoje os estudantes não puderam escolher nada e não existem as disciplinas optativas, pois tiveram de engolir a grade curricular da escola mais próxima à residência. Aprovada a toque de caixa por Michel Temer em 2017 essa “contrarreforma” é fruto do golpe de 2016 no país. Os empresários do setor privado, viram na Lei 13.415/2017 a oportunidade de desmantelar e sucatear ainda mais o ensino médio público, visando fortalecer a iniciativa privada, seja na oferta da modalidade do ensino médio nas escolas particulares ou nos cursinhos pré-vestibulares pagos. Junto com o desmantelamento da legislação trabalhista via reforma trabalhista, veio também a possibilidade de terceirizar funções que antes eram proibidas, como é o caso de professores, e de criar uma mão de obra barata e sem direitos.

O Novo Ensino Médio (NEM) se mostrou desastroso, não foi planejado com o apoio dos educadores, da comunidade escolar e em primeiro lugar vem acabando com a profissão docente, pois atualmente a reforma prevê que pode dar aula quem tiver “notório saber”, isto é, não precisa necessariamente ter cursado a universidade e ter um diploma, além disso o que já estava em curso no país como a abertura de cursos de licenciatura 100% à distância, cursos de 2º licenciatura para professores em um ano, sem a fiscalização do MEC, combinado com a falta de abertura de concursos públicos, de reajuste salarial compatível com a função, gerou uma camada de professores precarizados, que trabalham sem direito à carreira, nem direito a benefícios e de forma temporária. Não é novidade que a maior rede de educação pública do país em SP não tem quadro de professores para todas as aulas e há cerca de 70 mil docentes contratados que não possuem direitos, como evoluções e quinquênios, e ainda têm contrato suspenso todo fim de ano letivo. Milhares de professores estão nessa situação há 12 anos.

Aliado a esse problema está a mudança curricular implementada no NEM, o novo currículo reduz os componentes curriculares da Base Nacional Comum e cria outros aleatórios como os divulgados pela imprensa nessa semana: “O que rola por aí”, “RPG”, “Brigadeiro caseiro”, “Mundo Pets SA” e “Arte de morar”. Na rede estadual de São Paulo temos “Eletivas”, “Projeto de vida”, entre outras que nem as Secretarias da Educação sabem o que é, o que se pretende, muito menos os professores e que dirá os alunos. Temos a redução de todos os componentes como Português, Matemática, Física, Química, Biologia, História, Filosofia, Sociologia, Educação Física, Geografia e Artes; para entrar componentes fake. Para entender o drama da categoria docente, é preciso saber que as professoras e os professores foram formados em uma universidade para atuar em uma área específica e ao reduzir o número de aulas da sua disciplina/componente são oferecidos esses projetos “sem pé nem cabeça” para complementar a jornada docente. Isso tem gerado enormes frustrações, depressão e ansiedade entre os professores do ensino público em todo país, porque o professor acaba ficando com 2, 3, 4 (ou até mais) matérias diferentes e tendo de se deslocar entre 2 ou mais escolas e ainda preparar aulas sobre temas que não estudou ao longo de sua vida. O pior é que não tem formação, nem material e muito menos estrutura: é o professor, a lousa e o giz em uma sala lotada com 40 ou mais alunos.

No Centro Paula Souza, que é uma autarquia do Governo do Estado de São Paulo que administra as Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) que já foram consideradas como escolas de excelência no ensino médio e ensino técnico, o impacto da reforma é cruel. As Etecs serviram de laboratório nacional para esse modelo e mesmo antes da aprovação da lei, já existiam projetos pilotos com essas propostas curriculares. O ensino técnico oferecido de forma integral sempre foi promessa dos governos e mote de campanhas eleitorais, mas entre a propaganda e a realidade há um hiato, pois o Ensino Técnico Integrado ao Médio (ETIM) criado em 2009 que contava com uma carga horária de 2792 horas da Base Nacional Comum e 1098 horas da parte técnica, totalizando 3890 horas durante os 3 anos do ensino médio, por causa da reforma, foi extinto e substituído pela versão vexatória, o MTEC-PI com 1800 horas da Base Comum, 600 horas do que eles chamam de projetos de aprofundamento e 1200 horas da parte técnica e no final dos 3 anos são 3600 horas. Uma redução de 290 horas no total de horas e uma redução de 992 horas da Base Nacional Comum, e agora estão oferecendo aulas de História, Filosofia, Sociologia a distância, um verdadeiro absurdo!

Esses projetos de aprofundamento são vão desde Estudos Avançados em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, em Matemática e suas Tecnologias, em Linguagens, até Laboratório de Investigação Científica, Práticas de Empreendedorismo, Laboratório de Mediação e Intervenção Sociocultural, e Laboratório de Processos Criativos. Não há material disponível para esses projetos, não há formação adequada, o professor de qualquer área do ensino médio pode pegar essas aulas e, quando falta professor, até mesmo professores da área técnica estão lecionando esses projetos. De estudos avançados não tem nada e ainda há os componentes com nomes de laboratório, mas não existem laboratórios específicos. Aliás muitas escolas não têm nem espaço físico, sala de informática que comporte todos os estudantes, quadra coberta, bibliotecas adequadas, entre tantos outros problemas da escola pública.

Para inserir esses projetos reduziram de 4 para 3 aulas por ano de Português e Matemática; de 3 para 2 aulas de Física, Química, Biologia, Geografia, História, Educação Física em apenas 2 anos; 2 aulas de artes apenas em 1 ano e 1 aula de filosofia e sociologia em apenas um ano. No 3º ano do ensino médio a Base Nacional Comum, tanto na Rede Estadual como no Paula Souza, ficará reduzida a Português, Matemática e Inglês, justamente no ano do vestibular os estudantes ficarão sem matérias importantes. Sem contar que no Paula Souza quem é formado em Pedagogia pode lecionar Filosofia e Sociologia, ou seja, sem formação específica, pois Pedagogia não é um curso que forma professores de Sociologia e nem Filosofia, mas nas Etecs o diploma vale para esses componentes, o que é um verdadeiro despropósito.

Na modalidade MTEC (Novotec) não-integral os alunos têm 1800 horas da Base Comum e 1200 da parte técnica, reduzindo para 3000 horas. Assim, os estudantes chegam no 3º ano com uma defasagem enorme em todas as áreas do conhecimento que fazem parte da formação básica do ser humano, não estão preparados nem para a área técnica, nem para o vestibular, e isso é o desmonte da educação do qual estamos falando e que está acontecendo em todas as redes púbicas do país. Como já citado, esse projeto está vinculado às demais reformas da era Temer e visa responsabilizar os alunos pelo fracasso escolar, tanto é assim que a palavra “empreendedorismo” ganhou destaque entre os projetos educacionais visando que o currículo escolar legitime a precarização e condenando os estudantes ao trabalho informal sem direitos e aposentadoria.

Está na hora do Ministro da Educação e o Congresso Nacional revogarem a reforma do ensino médio, pois ela não pode ser ‘ajustada’, já que não há nada que possa ser aproveitado dela. É preciso investir na formação de professores, na carreira docente, reajustar os salários de professores e funcionários de escola, abrir concurso público, reduzir o número de alunos por sala de aula e garantir um ensino universal e completo para a população, sobretudo para os mais pobres, pois essa reforma nas escolas particulares de ricos não está sendo aplicada com cortes da Base Comum Nacional, o que faz aumentar a desigualdade social e dificulta o acesso dos mais pobres para as universidades públicas. A categoria docente, funcionários da escola, junto com os estudantes e comunidade, em todo país, devem se unir para lutar pela revogação dessa “contrarreforma”. Não há espaço para neutralidade, pois está em jogo o futuro dos jovens e consequentemente do nosso país.

*Sirlene é professora do Ctro Paula Souza e Codeputada estadual por São Paulo eleita pela Bancada Feminista do PSOL